Quando Portugal pediu assistência financeira internacional, em 2011, os principais indicadores da economia nacional degradaram-se de forma acentuada. O PIB afundou e o desemprego disparou, numa recessão profunda que motivou uma queda forte no rendimento disponível e nas despesas de consumo das famílias.
Tendo em conta este quadro negro, o mais expectável seria ver as famílias portuguesas a reduzir o nível de poupança. Pois aconteceu exatamente o contrário. A taxa de poupança em Portugal (peso da poupança bruta sobre o rendimento disponível) passou de 8,2% no terceiro trimestre de 2021, para mais de 10% cerca de dois anos depois.
Apesar de o rendimento disponível ter entrado numa trajetória descendente que só terminou no final de 2014, os portugueses preferiram cortar a fundo na despesa e reforçar a poupança. Apesar de terem menos dinheiro na carteira todos os meses, em 2013 as famílias portuguesas estavam a poupar mais 2 mil milhões de euros por ano do que antes da intervenção da troika.
Apesar de surpreendente, esta estratégia faz sentido. Mais desajustado foi o comportamento posterior. Assim que a economia começou a melhorar, com o rendimento disponível a entrar numa trajetória descendente, os portuguesas travaram a fundo no esforço de poupança. A taxa atingiu um mínimo da década abaixo de 6%, em 2017, com o valor bruto a recuar para quase metade do registado no pico da crise da troika.
Foi preciso vir uma pandemia para as famílias voltarem a poupar a sério. Nos 12 meses seguintes aos primeiros casos de covid no país, os portugueses colocaram de parte quase 20 mil milhões de euros, o que representou 13,4% do rendimento disponível e a taxa de poupança mais elevada deste século. Quando a economia começou a recuperar, no ano passado, a poupança caiu a pique e já está abaixo dos 6%.
Há dois atenuantes para este comportamento dos portugueses durante a pandemia. O fecho de uma série de atividades devido às restrições forçou uma redução das despesas, pelo que as famílias ficaram com mais dinheiro no bolso. A forte subida da inflação, a partir do ano passado, agravou o custo de vida, reduzindo drasticamente a poupança.
Poupança em Portugal é das mais baixas da UE
A análise a estes dois momentos mais recentes da economia portuguesa serve para validar a ideia de que as famílias são formigas durante os períodos difíceis e transformam-se em cigarras quando a folga é maior. Os gráficos em cima são bem explícitos nesta evidência.
A incerteza justifica a atitude cautelosa nos tempos difíceis, mas não faz sentido as famílias baixarem os níveis de poupança quando a economia está a crescer. Este comportamento não é um exclusivo nacional, mas torna-se mais problemático tendo em conta que os portugueses têm um historial fraco na altura de colocar de parte uma fatia dos rendimentos.
Em 2020, quando a poupança dos portugueses atingiu máximos e a economia sofreu uma recessão profunda devido à pandemia, a taxa era a quinta mais baixa (11,9%) entre os países europeus e bem inferior à média da União Europeia (18,36%). Recuando três anos, quando a economia portuguesa cresceu mais de 3%, a taxa de poupança em Portugal era a sexta mais baixa da UE.
Poupar é uma maratona
A melhor forma de ganhar hábitos de poupança saudáveis passa por encarar o objetivo como uma maratona. De nada vale fazer alguns sprints se depois, durante partes da corrida, for a caminhar.
O segredo passa por manter o ritmo e ajustar a cadência tendo em conta o esforço. Acelerar nas descidas para depois ter margem para abrandar quando a estrada começar a inclinar.
Na poupança, a lógica deve ser a mesma, aproveitando o vento nas costas para enfrentar os períodos mais difíceis. Poupar agora para poder gastar no futuro. Não é uma tarefa fácil, mas existem diversas formas de disciplinar os seus hábitos de poupança por forma a garantir que estes são regulares e adequados às suas necessidades.
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Orçamento familiar
O planeamento é essencial para ter um plano de poupança eficaz e não há melhor forma de planear do que ter um bom orçamento familiar. Através de aplicações específicas ou uma simples folha de cálculo, reúna todas as despesas, quer sejam regulares e extraordinárias, essenciais ou de lazer. Junte as diversas fontes de rendimentos e apure quanto pode poupar todos os meses.
A fatia que coloca de parte todos os meses depende das suas finanças pessoais, mas procure inspiração nas diversas regras que são apontadas como adequadas. Uma das mais conhecidas, denominada por 50-30-20, diz que devemos aplicar metade dos rendimentos nas despesas básicas, 30% para gastos indiscriminados e os restantes 20% para poupança.
Essencial é que defina um objetivo que seja realista e ambicioso, para depois ser executado à risca. Se não o conseguir, é sinal de que o orçamento está mal desenhado, ou não está a cumprir o que definiu.
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'Pague-se a si mesmo' e transferências automáticas
Há uma regra que ajuda a executar este plano de guardar dinheiro de forma regular, conhecida por pague-se a si mesmo. Passa por encarar a poupança como uma despesa, colocando de parte um determinado valor quando recebe o salário – e não aquilo que sobra no final do mês.
O ideal é que nem veja este dinheiro. A forma mais fácil de implementar esta estratégia passa por estabelecer uma transferência mensal do dinheiro que definiu para uma conta bancária onde junta as suas poupanças. Na sua conta do dia a dia fica o dinheiro necessário para as despesas fixas e variáveis.
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Aplique no longo prazo
As poupanças que efetuamos todos os meses devem ter vários propósitos. Um fundo de emergência, uma compra que pretende efetuar no curto prazo, um automóvel dentro de alguns anos, uma segunda habitação para o médio prazo. E claro, também para a reforma.
Qualquer que seja o objetivo, as poupanças devem ser aplicadas numa lógica de longo prazo, para que o risco seja o mais reduzido possível e os retornos mais atrativos. Tal como a poupança, a aplicação do seu dinheiro também deve ser vista como uma maratona, em que o resultado será o espelho do esforço que fez durante toda a corrida (vida).
Poupar nos gastos do dia a dia
Outro hábito muito típico dos portugueses passa por só reforçar as poupanças nas despesas do dia a dia em alturas de crise, ou quando os preços sobem de forma acentuada.
Esta deve ser uma prática regular, pois a margem para cortar nos custos é grande, sobretudo nas compras no supermercado, na energia, nos combustíveis, etc.. A lista de dicas para poupar é grande, só é preciso colocar em prática. Em alturas de crise, mas sobretudo quando a economia está a crescer.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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