Continuação de Charles Ponzi: O homem que deu nome ao esquema de pirâmide [Parte II]
Negócio assente no esquema de pirâmide
Na autobiografia, Charles Ponzi assegura nunca lhe ter passado pela cabeça pegar no dinheiro e fugir, como fizera Zarossi. Impedido de comprar cupões, o imigrante italiano tornado empresário tentou aguentar-se apenas com recurso ao princípio de “sacar a uns para dar a outros”. O dinheiro fresco que entrava servia para pagar aos investidores mais antigos; era o famoso esquema de pirâmide. Tudo, assegura, para manter o negócio à tona. “Por causa disso, já me chamaram um otimista, um sonhador, um visionário, e muito mais coisas, incluindo um trapaceiro, provavelmente pelo facto de não me ter safado, como aconteceu a muitos banqueiros e grandes empresários que conheço. Se me tivesse escapado, chamar-me-iam um génio”.
Começavam, no entanto, a correr zunzuns. A empresa estava, inclusive, sob investigação. “Tinham-me feito todo o tipo de perguntas. E eu conseguira responder a todas. Não tinha sido tomada nenhuma ação contra mim, e eu estava razoavelmente seguro de que nada fariam, desde que continuasse a cumprir os meus pagamentos”. Nessa luta pela sobrevivência, Mr. Ponzi colocou um anúncio no jornal em que até explicava, sucintamente, o seu esquema de negócio assente nos cupões internacionais de resposta. E, estranhamente, a imprensa viria a funcionar como uma preciosa e inesperada aliada.
Querida e aliada imprensa
O pico da fama de Charles Ponzi ocorreu após um artigo publicado num diário de Boston. A manchete assegurava que o dinheiro dos investidores duplicava após três meses; e, com milhares de clientes, o outrora homem pobre valia agora 8,5 milhões de dólares. Por norma, os sábados eram dias calmos no escritório de Charles, mas naquela tarde havia filas de gente que desejava investir. No domingo, o escritório inundou-se de telegramas e telefonemas. Gente graúda, gente pobre, todos queriam uma fatia no esquema. Afinal, a imprensa pintara Mr. Ponzi como um multimilionário com o toque de Midas.
Nascera uma estrela no mundo dos negócios. Na segunda-feira, a fila à porta da Exchange Co. serpenteava pela rua até dobrar a esquina, obrigando à suspensão do tráfego. Seis polícias montados a cavalo regulavam o fluxo da multidão no exterior; dentro do escritório, operavam 14 polícias. A atmosfera era tensa e excitante. Uma verdadeira loucura. “Para as pessoas ali reunidas, eu era a realização dos seus sonhos. Era o ídolo. O herói. O mestre e árbitro das suas vidas. Da sua esperança. Da sua sorte. O descobridor de riqueza e felicidade. O ‘feiticeiro’ que, da noite para o dia, podia tornar um pobretanas um milionário!”
Odiosa e inimiga imprensa
A aposta de risco parecia ganha. O dinheiro chovia. Os jornais não o largavam. Mr. Ponzi posou para fotografias, deu entrevistas, recebeu visitas ilustres. Foi então que alguém tratou de fazer as contas.
Mesmo cheio de dúvidas sobre o que pensar realmente do assunto, o editor de um dos jornais locais envolvera-se demasiado na procura pela verdade para conseguir retroceder. No início de agosto, o periódico publicava um artigo a defender que o rei ia nu: PONZI IRREMEDIAVELMENTE FALIDO. Segundo os cálculos feitos pelo repórter, Mr. Ponzi tinha de estar a movimentar cerca de 160 milhões de cupões para suportar o seu negócio. Ora, como só existiam 27 mil postais em circulação por todo o mundo… algo não batia certo. E, ainda assim, as pessoas queriam acreditar nele?
A promessa de riqueza falava mais alto. Os dias seguintes mantiveram-se frenéticos. Milhões de dólares injetados voluntariamente num esquema de fraude! O jornal, porém, apegara-se à história: aprofundou a investigação, recrutou novos aliados, publicou mais artigos. O extraordinário Mr. Ponzi via-se debaixo dos holofotes de banqueiros, imprensa, autoridades. Quando se descobriu que cumprira sentença no Canadá, por falsificação, Carlo Ponzi soube que estava irremediavelmente perdido.
“Vou ter de o prender”
O cerco do adjunto do procurador-geral dos Estados Unidos também apertara. A auditoria feita às contas da Exchange Co. revelara mais de 7 milhões de passivos pendentes. Sem forma de contrariar o óbvio, Charles estendeu a mão a um acordo. No escritório do procurador-adjunto, Mr. Ponzi ainda tentou afirmar que não lhe faltava tanto quanto diziam… Porém, os dados já tinham sido lançados.
“Está pronto a mostrar os ativos?”, insistiu o procurador-adjunto.
“Sim”, assentiu Charles. “Mas os meus ativos totalizam cerca de 3 milhões de dólares”.
“Então, faltam-lhe 4 milhões”.
“Sim, faltam. Mas isso é com base nos números do auditor. Os quais estou impedido de questionar, por causa do acordo que fiz”.
“Mediante as circunstâncias, Sr. Ponzi, tenho muita pena, mas sou obrigado a cumprir o meu dever”, anunciou o procurador-adjunto. “Vou ter de o prender”.
Milhares de investidores enganados
O castelo de cartas desmoronara-se. “Tinha perdido! Perdido tudo! Milhões de dólares. Crédito. Felicidade. E até a minha liberdade! Tinha perdido tudo, menos a minha coragem”. Eis a que se resume o último parágrafo das memórias de Charles Ponzi: aguentar o castigo imposto, sem tirar os olhos do futuro. “A vida, a esperança e a coragem são uma combinação que desconhece a derrota. Contratempos temporários, sim, talvez; mas derrota permanente e total, isso nunca!”
Charles Ponzi continuaria a defender a intenção de investir o dinheiro recebido para, eventualmente, conseguir pagar aos investidores. Porém, por estar tão ocupado a gerir o esquema de pirâmide, nunca conseguira chegar à parte do investimento. E que esquema aquele! Em apenas 8 meses, cerca de 40 mil pessoas tinham-lhe dado dinheiro para a suposta compra de cupões de correio, num valor total que ascendia aos 15 milhões de dólares.
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E 200% de lucro, acreditam?
Algumas fontes indicam que meia dúzia de bancos faliram na sequência da queda de Ponzi. Os clientes da Exchange Co. receberam menos de 30 cêntimos por cada dólar investido; muitos tinham preferido acreditar até ao fim nas promessas do seu herói financeiro. Um biógrafo defende, no entanto, que Charles Ponzi seria, quando muito, um génio em psicologia; nunca em finanças. E alguns analistas acreditam que o rapaz vindo de Itália não teria propriamente má índole. Talvez nem tivesse querido enganar ninguém; “apenas” acreditara demasiado na sua ideia milionária.
Devido ao acordo, Charles Ponzi foi condenado a uma pena reduzida de cinco anos, por fraude postal. Após três anos e meio na prisão, enfrentou um novo processo. Dessa vez, apanhou nove anos de prisão. Interpôs recurso e pagou uma fiança para aguardar em liberdade o resultado das suas diligências. No entretanto, terá tentado um novo esquema, na Flórida, no qual prometia 200% de lucro. Nada feito. Ainda tentou fugir do país, a bordo de um navio mercante. Apanhado no porto de Nova Orleães, Mr. Ponzi foi reenviado para a cadeia. Havia uma longa pena a cumprir. Atrás das grades, segundo um artigo da Time, manteve-se um tipo bastante popular, graças ao dom de inventar quadras divertidas sobre prisioneiros e carcereiros.
Indigência e imortalidade
Quando Charles Ponzi saiu em liberdade, em 1934, as autoridades deportaram-no para Itália. Rose manteve-se em Boston, embora talvez com a ideia de um dia se juntar ao marido. Tal nunca viria a acontecer, e o divórcio surgiu dois anos depois. Parece que continuaram a corresponder-se.
As informações sobre o resto da vida de Carlo Ponzi são escassas. Há quem sugira uma ligação aos fascistas de Mussolini, que o terão enviado para o Rio de Janeiro, no final da década, em trabalho para a companhia aérea italiana. A Segunda Guerra Mundial trouxe-lhe o desemprego e a miséria. Terá sobrevivido à custa de traduções; nos últimos anos, estava meio cego e paralisado. Morreu internado num hospital de caridade, em 1949, aos 66 anos; pusera de lado 75 dólares para pagar as despesas do seu enterro.
O funeral de Carlo não deve ter tido grande assistência. Mas, para os americanos, a fraude dos cupões eternizar-se-ia como símbolo dos esquemas de pirâmide: um esquema de Ponzi. É de crer que, mesmo confiante como era, nem sequer Mr. Ponzi imaginasse tamanha longevidade para o seu apelido.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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