Quando a crise energética atingiu o ponto mais agudo, no outono do ano passado, uma recessão na Europa era dada como certa e as perspetivas apontavam para um ano de 2023 com um dos crescimentos económicos mais fracos das últimas décadas a nível global.
Atualmente, uma recessão global já não é o cenário central da maioria dos economistas. As instituições internacionais, como o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, têm vindo a rever em alta as suas previsões de crescimento económico, afastando uma contração global do horizonte.
Foram várias as coisas que mudaram neste espaço de tempo, com destaque para a evolução dos preços da energia.
- A cotação do gás natural, no mercado europeu, está a menos de 10% do preço que chegou a atingir em 2022. O petróleo recuou cerca de 40% face a máximos.
- A China pôs fim às restrições agressivas para controlar a pandemia, colocando um ponto final no crescimento anémico da economia.
- A inflação começou a inverter a escalada que registava há uma série de meses consecutivos.
- O consumo das famílias mostrou-se muito mais resiliente do que o previsto na generalidade das economias, tendo em conta a pressão da alta dos preços no poder de compra.
Apesar deste cenário menos sombrio, os últimos desenvolvimentos evidenciam que a economia mundial ainda não abandonou a “zona de perigo”. O pessimismo não é tão agudo, mas é demasiado cedo para afastar o fantasma da recessão.
Economia chinesa já está a perder força
O que mais surpreendeu na reabertura da economia chinesa foi a velocidade com que Pequim decretou o fim da política de covid zero. Depois de restrições muito rigorosas desde o momento inicial da pandemia, no final do ano passado as autoridades chinesas surpreenderam com a abertura quase total do país, de um dia para o outro.
Os economistas apressaram-se a prognosticar que a China seria decisiva para atenuar o provável abrandamento da economia mundial em 2023. Após três anos de consumo reprimido pela pandemia e a atividade industrial penalizada pela redução da procura, este ano voltaria a ser de crescimento pujante para a segunda maior economia do mundo.
Os indicadores referentes ao primeiro trimestre comprovaram esta perspetiva. O PIB da China cresceu 4,5% nos primeiros três meses do ano, acima do que era estimado pelos economistas e que compara com a fraca expansão registada em 2022 (3%).
Logo a 18 de abril, quando este relatório foi publicado, os economistas começaram a alertar que o ritmo de crescimento poderia não ser sustentável. Os indicadores revelados nas últimas semanas reforçaram estas dúvidas sobre a real robustez da economia chinesa.
Os dados da produção industrial, vendas a retalho e investimento das empresas registaram variações homólogas positivas (há um ano, grande parte do país estava confinado), mas bem inferiores ao estimado pelos economistas. A taxa de desemprego jovem atingiu um máximo histórico em abril (20,4%) e o investimento imobiliário contraiu 16,2%, agravando as perspetivas daquele que continua a ser o setor mais débil na economia chinesa.
A economia chinesa enfrenta ainda outro problema, que diverge do que se passa na economia ocidental. A inflação homóloga baixou para 0,1% em abril, o nível mais baixo desde o início de 2021, evidenciando a evolução fraca do consumo das famílias. Os preços à saída das fábricas recuaram pelo sexto mês seguido, o que demonstra a débil procura externa.
Apesar da inflação reduzida e abrandamento da atividade económica, o banco central chinês tem uma margem de manobra limitada para avançar com estímulos de política monetária. Isto porque a moeda acumula um saldo negativo nos últimos meses, contrariando o objetivo de Pequim de ameaçar a liderança do dólar como moeda de referência internacional.
Alemanha com motor a gripar
O modelo da economia alemã assenta sobretudo no desempenho da indústria do país que, historicamente, tem beneficiado dos baixos preços da energia. Quando a Rússia fechou a torneira do gás, no verão do ano passado, esta estratégia ficou em causa. Os preços da energia dispararam para níveis recorde, ameaçando os custos das empresas e das famílias e levando os economistas a dar como certa uma recessão na maior economia europeia.
Um inverno bem mais ameno do que habitual e o sucesso da estratégia de Berlim em substituir o gás natural russo acelerou a queda das cotações da matéria-prima. A resiliência do consumo das famílias também contribuiu para um desempenho acima do esperado da economia alemã.
O PIB contraiu 0,5% no quarto trimestre de 2022 e o instituto de estatística reviu recentemente em baixa a evolução no primeiro trimestre. O PIB recuou 0,3% no primeiro trimestre, pior do que a projeção inicial que apontava para uma estagnação. Desta forma, a maior economia europeia já está em recessão técnica (dois trimestres consecutivos de variação negativa em cadeia).
Os últimos indicadores, referentes ao segundo trimestre, sugerem um agravamento da tendência negativa. E, na indústria, os sinais são mais preocupantes, espelhando os efeitos do abrandamento da economia global, que afeta as fábricas alemãs de forma pronunciada. A produção industrial caiu 3,4% em março e as encomendas recuaram mais de 10%. As exportações afundaram 5,2%, a confiança dos investidores recuou pelo terceiro mês para mínimos do ano e o sentimento dos empresários sofreu a primeira queda desde outubro.
A Zona Euro também conseguiu evitar uma recessão, com o PIB a estagnar no quarto trimestre e a crescer 0,1% no primeiro trimestre. Mas as perspetivas também são menos animadoras, como sugere o índice composto de gestores de compras (PMI), um dos principais indicadores avançados da evolução da economia. Desceu em maio pela primeira vez desde outubro, com a alta do setor dos serviços a não compensar o agravamento do setor industrial ao ritmo mais forte desde o início da pandemia.
Estados Unidos com segundo semestre complicado
A maior economia do mundo também tem resistido de forma notável à inflação elevada e subida agressiva dos juros. Sobretudo no mercado de trabalho, que persiste robusto, com a economia a criar em média mais de 200 mil postos de trabalho por mês ao longo de 2023.
O PIB dos Estados Unidos cresceu a um ritmo anual de 1,1% no primeiro trimestre, um desempenho que, embora abaixo do esperado, deixa a maior economia do mundo ainda longe da recessão (PIB cresceu 2,6% no quarto trimestre). Os economistas estimam que o segundo trimestre ainda será de crescimento, embora mais ténue, o que abrirá caminho para uma contração na segunda metade do ano.
O mercado de trabalho começa a dar sinais de inversão de tendência positiva, o consumo das famílias está a enfraquecer e a recente crise no setor bancário veio penalizar os índices de confiança das famílias e empresários.
Os sinais mais evidentes das perspetivas negativas para a economia norte-americana estão nos cortes de postos de trabalho que estão a ser anunciados por grandes empresas do país. Estes despedimentos ainda demoram a aparecer nas estatísticas, mas demonstram a cautela das empresas perante a retração nos gastos das famílias. A subida do desemprego é inevitável, o que, em conjunto com a perda de poder de compra, representa uma pressão adicional no consumo.
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Bancos vão apertar no crédito
A economia mundial tem sido suportada, nos últimos anos, por uma política monetária ultraconservadora, que permitiu aos bancos incrementarem o financiamento à economia. As taxas de juro em mínimos históricos foram decisivas para os bancos aumentarem o financiamento à economia com condições favoráveis, mas esta conjuntura está a mudar de forma célere.
Além de os bancos centrais terem subido os juros ao ritmo mais elevado das últimas décadas, a turbulência que eclodiu em março no setor financeiro nos Estados Unidos representa um ponto de viragem no acesso fácil ao crédito que tem dominado os últimos anos.
O colapso do Silicon Valley Bank (SVB) e outros bancos regionais norte-americanos, bem como a aquisição forçada do Credit Suisse, fizeram soar os alarmes na banca. Apesar de parecer estar afastada uma crise financeira semelhante à de 2008, será inevitável os bancos apertarem as condições de concessão de crédito.
Um relatório publicado pelo Banco Central Europeu (BCE) dá conta de que a tendência já é evidente. O inquérito realizado junto dos bancos da Zona Euro mostra que as condições de crédito apertaram no primeiro trimestre ao ritmo mais acentuado desde a crise de dívida soberana de 2011. Nos Estados Unidos, embora os dados ainda não o demonstrem, também são expectáveis condições de financiamento mais duras nos próximos meses.
Sendo o crédito um dos principais combustíveis para o crescimento de uma economia, a descida do financiamento, e com condições mais restritas, terá inevitavelmente impacto na atividade económica. Será mais difícil para as famílias obterem crédito para comprar casa e adquirir outros bens e serviços. Os projetos de investimento das empresas também terão acesso mais difícil a financiamento, complicando a sua viabilidade.
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Efeito da subida de juros ainda por sentir
O agravamento acentuado da inflação levou os bancos centrais em todo o mundo a subir as taxas de juro a um ritmo frenético. A Fed aumentou os juros por dez vezes, num total de 5 pontos percentuais (500 pontos base). O BCE agravou as taxas em 3,75 pontos percentuais, após sete aumentos consecutivos.
Enquanto as expectativas apontam para uma pausa no ciclo de aperto da política monetária nos EUA, o BCE tem sinalizado que serão necessários mais agravamentos na Zona Euro, com os economistas a aguardarem mais duas subidas de 25 pontos base, para uma taxa terminal de 3,75%.
Acresce que a inflação persiste em níveis elevados e sem sinais sustentados de recuo para a meta dos 2%, pelo que as autoridades monetárias podem deixar os juros em níveis restritivos para a atividade económica por mais tempo do que se estima atualmente.
O trabalho dos bancos centrais para pressionar a inflação é ingrato uma vez que as decisões de política monetária demoram a ter efeitos práticos. O diferencial oscilará entre seis e 12 meses, pelo que só agora se estarão a fazer sentir os efeitos dos primeiros aumentos de juros efetuados pelo BCE e pela Fed. Daí que muitos economistas alertem que o os bancos centrais estão a ir longe de mais no agravamento da política monetária.
Um estudo recente do BCE valida este desfasamento nos efeitos das decisões de política monetária sobre o rumo da inflação e a evolução da atividade económica. Segundo o banco central, só no próximo ano será sentido o impacto máximo do agravamento de juros na Zona Euro.
As estimativas dos economistas do BCE apontam que o aperto da política monetária (iniciou em dezembro de 2021 com o anúncio da redução do programa de compra de ativos) cortou 0,5 pontos percentuais à inflação da Zona Euro no ano passado, sendo que o efeito total ao longo de três anos será de 2 pontos percentuais.
O estudo dá conta de que o impacto mais acentuado no crescimento económico também ainda está por vir, estimando a subtração de dois pontos percentuais no PIB ao longo dos próximos três anos.
Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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