«Limonada? Eles querem limonada? Ao que este mundo chegou! Quero anúncios sobre hambúrgueres, em todos os canais, a cada 15 minutos.» Eis como começa a descrição do universo de Food Chain Magnate (2015), jogo de tabuleiro que nos põe na pele do CEO de uma cadeia de restauração rápida. Diga-se, desde já, que este é mesmo um jogo implacável. «Que quer dizer com isso de não termos staff suficiente?», prossegue o chefão. «O diretor de Recursos Humanos não reporta a si? Então contrate mais gente! Dê-lhes formação! Mas seja lá o que for que faça, não lhes pague ordenados como deve ser. Não entrei neste negócio para ficar pobre. E despeça aquela gestora de descontos, ela não passa de um desperdício de dinheiro. A partir de agora vamos passar a vender hambúrgueres gourmet. A mesma porcaria, mas pelo dobro do preço. Chame o diretor de marketing!»
Esta economia não é para principiantes
Este CEO fictício não será a figura mais simpática, mas, para se ser um magnata da restauração, pelo menos neste tabuleiro, é preciso um espírito aguerrido. Food Chain Magnate apela a estratégias de verdadeira guerra económica. O restaurante da esquina especializou-se em pizas? Toca de iniciar uma campanha publicitária intensiva para promover o consumo de hambúrgueres. Eles que fiquem com o stock pendurado!
Concebido para jogadores experientes (cada partida pode demorar até quatro horas), o objetivo final não poderia ser mais claro: vence quem faturar mais dinheiro. Para tal, será preciso derrotar as restantes cadeias de fast food, usando sabiamente o sistema de gestão de recursos humanos e recorrendo a manobras hostis de marketing e vendas. À partida, tudo parece relativamente pacífico, com um mapa de cidade quase vazio e empresas só com os seus respetivos CEO. Mas as decisões cruciais começam logo pela colocação do restaurante inicial e pela contratação dos primeiros funcionários.
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CEO já temos, agora falta o resto
Os recursos humanos constituem a mecânica central do jogo: serão eles a determinarem a estratégia de cada cadeia de restaurantes. E há vários caminhos – e carreiras – possíveis de seguir. As cartas de funcionários (com um design que nos remete para os anos 1950), incluem profissões como empregadas de mesa, gestores financeiros, gestores regionais, gestores de preço, coachs, gurus, formadores, motoristas de camião, estafetas, gestores de recrutamento, diretores de marca, gestores de campanhas publicitárias, estagiários de marketing e, claro, cozinheiros de hambúrgueres e chefs de pizas. Até há um piloto de zepelins!
Aos poucos, os jogadores vão acumulando cartas de pessoal, mas a cada nova ronda será preciso escolher quais os trunfos a usar. O organograma da empresa está assim em constante reestruturação, ora tentando solidificar uma estratégia de longo prazo, ora tentando responder rapidamente às ações promovidas pelas restantes cadeias. E é com um certo gozo que se começa a ver a nossa estrutura a aumentar, até chegar a três níveis diferentes (com o precioso auxílio dos gestores intermédios), numa pirâmide de recursos humanos que se espera tremendamente eficaz e produtiva. O livro de regras até refere qual será o horário de trabalho expectável: das 9 às 17.
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Aproveitar (todo) o poder do marketing
As ligações ao mundo da economia têm novos ecos nos salários pagos no fim de cada ronda (e os nossos funcionários baterão com a porta se por acaso não tivermos dinheiro para lhe pagar) e na interessante flutuação dos desejos dos clientes. Os consumidores deste tabuleiro são tremendamente suscetíveis aos efeitos das campanhas de marketing, que podem ir desde panfletos nas caixas de correio aos painéis publicitários, passando por publicidade na rádio ou mensagens aéreas. Basta um anúncio bem colocado e tudo pode mudar: em vez de refrigerantes, o pessoal passa a ansiar por limonada ou cerveja.
Food Chain Magnate brilhará sobretudo quando os jogadores estiverem ao mesmo nível. A premissa ideal será que todos comecem do zero, apanhando os truques do jogo em curvas de aprendizagem simultâneas. Esta simulação económica não vem servida com paninhos quentes; os erros pagam-se muito caro. E o conflito direto com os interesses dos outros jogadores pode não se enquadrar em todas as personalidades.
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Prémio para o melhor gestor: ser o magnata dos restaurantes
Estamos perante um jogo tenso, muito interativo, a exigir espírito competitivo. É preciso estofo para amparar golpes, pois o vizinho do lado não é um compincha: é um concorrente que não hesitará um segundo em levar-nos à falência. Piscamos os olhos e é vê-lo a alterar as condições do tabuleiro, adicionando estrategicamente moradias e jardins ao bairro, reposicionando ou acrescentando restaurantes, ou até criando uma guerra de preços. À partida, o cliente tenderá a ir comer o que pretende ao sítio mais perto de sua casa. Mas, e se passar a existir um hambúrguer dois dólares mais barato, num restaurante que fica só duas ruas mais distante?
No final, a glória ou a bancarrota será fruto das decisões tomadas e não do fator sorte. O melhor CEO, a melhor gestão e a melhor estratégia cavalgarão uma só cadeia de restaurantes até à vitória. Cada sucesso até pode resultar num processo mentalmente esgotante; mas também trará altas doses de euforia. Até trememos só de pensar que o nosso império começou com a simples contratação de uma rapariga para a área do recrutamento…
Em alternativa, podemos abrir uma banca num mercado…
Se a descrição anterior vos pareceu demasiado complexa ou ameaçadora, talvez valha a pena espreitar outra proposta relacionada com comida. Em Mercado de Lisboa (2021), assumimos o papel de empreendedores que procuram obter o maior lucro possível no movimentado mercado lisboeta. O jogo assenta em ações básicas, como abrir uma banca (de tomate, peixe, carne, uvas ou flores), instalar um restaurante (há bares de vinho, estabelecimentos de sushi e hambúrgueres, casas de chá, pizarias) ou trazer clientela para as entradas do mercado. Neste típico jogo de colocação estratégica de peças, o principal desafio reside na criação de um conjunto de negócios capaz de gerar sinergias, obtendo-se assim o máximo rendimento por cada cliente.
Fácil de aprender e rápido de completar (partidas entre 30 a 45 minutos), Mercado de Lisboa não deixa de requerer decisões táticas de alguma profundidade. Mas talvez o principal apelo seja o cenário, tão conhecido pelos lisboetas e agora pelos turistas, e que o jogo conte com a coassinatura de um famosíssimo designer de jogos de tabuleiro português: Vital Lacerda. Será nome de que voltaremos, certamente, a falar.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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