Com a entrada em vigor em maio da Lei n.º 13/2023, foram introduzidas novas alterações no Código do Trabalho e muitas dessas abrangem o trabalho doméstico. Assim, se tem uma empregada doméstica ou pensa contratar uma em breve, deve ter em conta que existem várias obrigações que precisa de cumprir.
Afinal, os trabalhadores que prestam este tipo de serviço estavam até maio de 2023 menos protegidos pela legislação e nem sempre beneficiam de condições dignas de trabalho. Assim, a legislação vem garantir que o empregador tem de assegurar vários direitos laborais a um trabalhador doméstico. Em causa estão questões como: períodos de descanso, período máximo de trabalho semanal de 40 horas, um contrato de trabalho, descontos para a Segurança Social, seguro de trabalho, entre outras proteções.
Caso não cumpra os direitos que constam na legislação, saiba que está a incorrer num crime que pode ser punido com pena de prisão e com o pagamento de uma multa que pode chegar aos 180 mil euros.
Assim, conheça neste artigo os principais direitos e deveres que abrangem o trabalho doméstico.
Contrato de uma empregada doméstica: é sempre obrigatório?
Sim. Embora não esteja sujeito a uma forma especial, exceto nos contratos a termo, é obrigatório realizar um contrato, mesmo que este seja verbal. Contudo, para que os direitos e deveres das duas partes sejam claros, o contrato por escrito é a melhor solução, uma vez que pode ser consultado a qualquer altura.
Se o objetivo for contratar uma empregada doméstica para um período de trabalho temporário ou com uma duração específica, então tem a opção de realizar um contrato a termo certo ou a termo incerto. Também existe a possibilidade de celebrar um contrato a termo certo, se ambas as partes aceitarem, desde que a duração do contrato (incluindo as suas renovações) não exceda o período de um ano.
Outro ponto a ter em consideração é quando o contrato de trabalho é alvo de renovações. De acordo com a legislação, um contrato a termo certo pode ser renovado duas vezes. No entanto, se o trabalhador doméstico continuar a prestar o seu serviço após 15 dias do termo da última renovação ou após ter renovado o contrato por duas vezes, o contrato de trabalho passa a ser sem termo.
Por fim, em termos de condições/modalidades, o contrato pode ser celebrado a tempo inteiro ou a tempo parcial e com ou sem alojamento e/ou alimentação.
Leia ainda: Conheça os tipos de contrato de trabalho que existem
Ambas as partes podem pôr termo ao contrato, mas há procedimentos a cumprir
Por norma, os contratos relativos ao contrato doméstico são a termo certo ou incerto e podem ser cessados por acordo entre ambas as partes, por caducidade, por rescisão de uma das partes quando há justa causa ou por rescisão unilateral do trabalhador, desde que seja cumprido o pré-aviso.
No entanto, quando existem casos em que o empregador precise que o contrato cesse devido a motivos de insuficiência económica ou alteração substancial da vida familiar, precisa de comunicar os motivos da cessão do contrato ao trabalhador. Além disso, a nova lei estipula um pré-aviso para a comunicação da cessação do contrato que varia consoante a duração deste.
Nos contratos até seis meses, o pré-aviso tem de ser de sete dias. Já se o contrato for de seis a dois anos, então tem de avisar o seu trabalhador com a antecedência de 15 dias. Nos contratos superiores a dois anos, o pré-aviso é de 30 dias.
Outra das novidades implementadas pela nova legislação para proteger estes trabalhadores, é que passa a existir a possibilidade de rescindir contrato devido à praticada de assédio (pelo empregador, membros do agregado familiar ou outros trabalhadores) com direito a uma indemnização. Esta indemnização apenas é concedida caso seja reconhecida a justa causa. Em termos de valor, o montante a receber equivale a um mês de retribuição por cada ano completo de serviço ou em termos proporcionais ao tempo de trabalho prestado.
Tenho de inscrever um empregado doméstico na Segurança Social e fazer descontos?
Sim. Sempre que contrata um trabalhador doméstico tem de comunicar a admissão do mesmo à Segurança Social. Esta comunicação deve ser feita até 15 dias antes do início da prestação da atividade.
Caso tenha dúvidas em como se processa esta comunicação, saiba que pode fazê-la presencialmente, mas também por e-mail ou por correio para o Centro Distrital da Segurança Social da sua área de residência. A comunicação é feita através do preenchimento do Modelo RV 1009/2023 – DGSS, tendo ainda que enviar os documentos de identificação de ambas as partes, documentos pedidos e cópia do contrato, caso se aplique.
Se a pessoa não estiver inscrita na Segurança Social, este registo tem de ser efetuado em primeiro lugar. Neste caso é necessário o NISS (número de identificação da Segurança Social) e informar sobre os serviços que vão ser prestados de acordo com o contrato de trabalho. O mesmo se aplica caso a pessoa já tenha trabalhado, mas nunca como trabalhadora doméstica.
Quanto ao trabalhador, este tem de comunicar o início da prestação de trabalho. Esta comunicação pode ser feita juntamente com a comunicação do empregador ou no prazo de 48 horas após começar a iniciar as novas funções.
Estando a admissão feita, então tanto o trabalhador doméstico como o empregador vão ter de pagar as devidas contribuições à Segurança Social. Contudo, é sempre da responsabilidade do empregador efetuar o pagamento de ambas as contribuições entre o dia 10 e o dia 20 do mês seguinte àquele a que estas dizem respeito.
No entanto, um dos pormenores mais importantes a ter em consideração quanto aos descontos dos trabalhadores domésticos é que estes podem escolher se querem pagar as suas contribuições com base no salário real ou com base numa remuneração convencional equivalente ao IAS (Indexante dos Apoios Sociais).
Leia ainda: Indexante de Apoios Sociais sobe para os 480,43 euros. Qual o impacto?
Como são feitos os cálculos das contribuições à Segurança Social?
Os cálculos do valor das contribuições à Segurança Social vão depender se o trabalhador prefere descontar sobre a remuneração convencional ou real.
Quando a opção passa pelos descontos sobre a remuneração real, esta remuneração não pode ser inferior ao Salário Mínimo Nacional, que em 2023 é de 760 euros. Supondo que a sua empregada doméstica ganha 760 euros, os descontos vão ser aplicados de acordo com as seguintes percentagens:
- Entidade empregadora: 22,30%
- Trabalhador doméstico: 11%
- Total dos descontos: 33,30%
Logo, tendo em conta a remuneração de 760 euros, os descontos a pagar à Segurança Social têm os seguintes valores:
- Entidade patronal: 169,48 euros;
- Trabalhador doméstico: 83,60 euros;
- Total dos descontos por mês: 253,08 euros.
Já se o trabalhador escolher descontar sobre a remuneração convencional, as contribuições vão incidir sobre o valor do IAS, que em 2023 é de 480,43 euros, mesmo que a remuneração mensal seja superior. Neste caso, os descontos são aplicados da seguinte forma:
- Entidade empregadora: 18,90%
- Trabalhador doméstico: 9,40%
- Total dos descontos: 28,30%
Isto significa, que os valores pagos à Segurança Social seriam os seguintes:
- Entidade empregadora: 90,80 euros;
- Trabalhador doméstico: 45,16 euros.
- Total de descontos de 135,96 euros por mês.
Contratação de um seguro de acidentes de trabalho para a empregada doméstica
Todos os empregadores estão obrigados a contratar um seguro de acidentes de trabalho para os seus trabalhadores domésticos. Este seguro garante a proteção do trabalhador caso ocorra alguma lesão durante o serviço ou no trajeto entre a residência e o local de trabalho.
Assim, caso seja necessário, este seguro vai pagar despesas médicas, de tratamentos, transportes para esses tratamentos, indemnizações perante a incapacidade temporária ou permanente do trabalhador e no pior dos cenários o subsídio por morte e as despesas de funeral.
É importante salientar que é obrigatório contratar este seguro mesmo para os trabalhadores domésticos que apenas prestem algumas horas por semana de serviço.
Leia ainda: Seguro acidentes de trabalho: Quando acionar e qual o valor a receber?
Que outros direitos tem um trabalhador doméstico?
Tendo em conta o que consta na nova legislação, os empregadores devem assegurar vários direitos a um trabalhador doméstico. Dado que a lista é extensa, fique a conhecer um resumo dos direitos essenciais dos trabalhadores domésticos:
- Período normal de trabalho de 40 horas semanais: A nova legislação altera o período normal de trabalho de um trabalhador doméstico de 44 horas para 40 horas semanais. Este período apenas pode ser alterado para outra carga horária em caso de acordo entre ambas as partes.
- Direito a intervalos para refeições e descanso diários: Deve assegurar que o seu trabalhador tem direito a intervalos para fazer as devidas refeições como descansar durante o período de trabalho. No entanto, o período de refeições e descanso não pode prejudicar as funções de vigilância e assistência ao agregado familiar.
- Os trabalhadores domésticos alojados têm direito a um repouso noturno de, pelo menos, onze horas consecutivas. Embora este não deva ser interrompido, a lei abre exceções apenas para motivos graves, imprevistos ou de força maior quando o contrato preveja a assistência a doentes ou a crianças até aos 3 anos de idade.
- Todos os trabalhadores domésticos têm direito a pelo menos um dia de descanso semanal.
- O direito a férias e a subsídios: Tal como acontece com todos os trabalhadores por conta de outrem, os trabalhadores domésticos têm direito a férias (22 dias úteis pagos), subsídio de férias (equivale a um mês de trabalho) e subsídio de natal (equivale também a um salário bruto sem subsídio de alimentação). Quando os trabalhadores têm direito a alojamento e alimentação, estes têm direito a receber o valor equivalente àquelas prestações.
- Menores de 16 anos podem exercer trabalho doméstico, desde que tenham completado a escolaridade obrigatória ou estejam a frequentar esse grau de ensino.
- Proteção social nas situações de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte. O subsídio de desemprego apenas está contemplado para os trabalhadores domésticos que paguem contribuições com base na sua remuneração real. Estas proteções são asseguradas pela Segurança Social com base nos descontos e não pelo empregador.
No caso de um trabalhador querer calcular o seu subsídio de desemprego, pode utilizar o simulador de subsídio de desemprego 2023.
Quais as atividades englobadas no trabalho doméstico?
Embora o trabalho doméstico seja associado à contratação de uma empregada doméstica, é preciso ter em conta que existem atividades que se enquadram nesta atividade que não costumam ser desempenhadas por uma empregada doméstica.
Assim, a lei esclarece que o trabalho doméstico engloba "a pessoa que presta serviços remunerados a outrem tendo em conta a satisfação das necessidades de todo um agregado familiar". E dentro desta definição tão ampla, podem inserir-se atividades como cozinhar, tratar da roupa, limpar e arrumar uma casa, cuidar de um jardim, tratar de animais de estimação, cuidar de pessoas dependentes, sejam estas pessoas idosas, incapacitadas ou crianças, entre outras atividades necessárias a um agregado familiar.
Dito isto, e tendo todos estes fatores em consideração, antes de contratar um trabalhador doméstico informe-se bem sobre as suas obrigações para evitar o pagamento de indemnizações elevadas ou até ser considerado culpado de um crime.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário