Lucros em forte alta, rácios de capital confortáveis, níveis de liquidez robustos, remuneração atrativa aos acionistas, perspetivas de manutenção de taxas de juro em máximos. A banca europeia vive um momento de ventos favoráveis como há muitos anos não se assistia, o que se tem traduzido em retornos muito positivos para quem detém ações das instituições financeiras.
Depois de um longo período de desempenhos negativos, sobretudo durante a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas de há dez anos, a banca está agora numa fase bem diferente, focando naquilo que é a sua principal atividade: emprestar dinheiro e captar recursos de clientes.
A evolução da política monetária é a principal responsável por este desenvolvimento positivo para os bancos. Para combater a subida rápida da inflação, os bancos centrais estão a efetuar a campanha mais agressiva de subida de juros em 40 anos, o que contrasta com um longo período de taxas próximas de zero que deprimiram o negócio dos bancos.
Esta melhoria está refletida nos resultados do setor bancário, sobretudo na margem financeira, o indicador que mede a diferença entre os juros que os bancos cobram aos clientes no crédito e pagam pelos depósitos. Com os bancos centrais a subirem as taxas de juro, as instituições financeiras estão a ser muito céleres a agravar os juros dos empréstimos e muito lentas a melhorar a remuneração dos fundos captados junto dos clientes.
Os resultados do segundo trimestre evidenciam como este efeito está a impulsionar a margem financeira e os lucros dos bancos europeus, que estão a conseguir facilmente superar as estimativas dos analistas com valores que comparam de forma muito favorável com números já fortes de 2022.
As previsões apontavam para um aumento de 24,5% nos lucros dos maiores bancos europeus, para 43,1 mil milhões de euros, quase um terço dos resultados líquidos de todas as cotadas do Stoxx600. Neste índice europeu, as perspetivas apontam para uma evolução negativa (-5,8%).
Para o terceiro trimestre, as estimativas indicam um fosso ainda maior, com os bancos a alcançarem um crescimento de 28,9%, o que contrasta com a queda de 9,2% para todas as companhias do índice que engloba as 600 maiores cotadas da Europa. Na banca portuguesa, também é evidente o bom momento, com os maiores grupos portugueses registarem lucros recorde de 2 mil milhões de euros na primeira metade do ano.
Os testes de stress conduzidos recentemente pelo Banco Central Europeu são outra prova do bom momento do setor. Num cenário adverso simulado pelo regulador, com uma recessão profunda e uma subida acentuada do desemprego, os bancos europeus sofreriam perdas conjuntas de 496 mil milhões de euros. Mesmo assim, apresentariam um rácio de capital CET1 de 10,4% que ficaria tranquilamente acima dos mínimos exigidos.
Estes bons resultados também são fruto do “caminho das perdas” percorrido durante diversos anos pelos bancos, que tiverem de “limpar” os seus balanços de ativos tóxicos como créditos de cobrança duvidosa e abandonar negócios de risco que pesaram nas contas no passado.
Melhorias com reflexo na bolsa
Esta evolução favorável dos bancos europeus tem tido reflexo no comportamento das ações das cotadas do setor. 2023 está a ser o terceiro ano consecutivo em que os bancos conseguem um desempenho acima da média, contrariando a tendência dos anos anteriores.
O índice Stoxx Banks valoriza 14,8% em 2023, depois de ter cedido “apenas” 3,2% no ano passado. O Stoxx600, que mede o desempenho de cotadas dos mais variados setores, sobe menos este ano e perdeu bem mais em 2022. No caso do BCP, único banco português cotado em bolsa, regista já o terceiro ano seguido de ganhos, destacando-se com uma valorização expressiva em 2023 (67%).
No espaço de três anos, os bancos europeus registam uma valorização acumulada de 74%, cerca de três vezes mais do que o generalista Stoxx600 no mesmo período. O BCP dispara mais de 140%, tendo recentemente atingido máximos de 2019.
Apesar deste desempenho superior em bolsa, os bancos europeus continuam a negociar com múltiplos bem inferiores e que podem ser considerados mais atrativos. O Stoxx Banks negoceia com uma cotação que equivale a 6,4 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, cerca de metade do PER registado pelo Stoxx600 (12,7 vezes). O BCP tem um múltiplo (5,6 vezes) ainda mais reduzido do que a média dos bancos europeus.
Se os bancos conseguirem continuar a apresentar lucros acima do esperado, estes múltiplos vão baixar, evidenciando que as cotações persistem em níveis atrativos. Contudo, não será garantia de que as ações continuem numa trajetória positiva, pois os ventos que sopram em direção contrária também são relevantes.
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Ventos contrários
Com a economia europeia a abrandar de forma evidente, é expectável uma deterioração da qualidade dos ativos dos bancos, desde logo um aumento do crédito malparado. Se as taxas de juro elevadas beneficiam as contas do setor, também representam uma ameaça, pois deixam as empresas e famílias com maiores dificuldades em cumprir o pagamento das prestações dos empréstimos.
Se a economia europeia sofrer uma recessão, o aumento do incumprimento será mais pronunciado, o que pode colocar em causa a trajetória de alta dos lucros e a manutenção dos rácios de capital em níveis elevados. Nos resultados do segundo trimestre, foi já evidente um reforço das provisões por parte dos bancos para fazer face a perdas potenciais no crédito, mas com níveis ainda controlados e bem longe dos registados nas últimas crises.
A forte subida dos lucros, numa altura em que as famílias sofrem com o aumento das taxas de juro, tem gerado uma onda de críticas e vários países recorrem a impostos para restringir estes resultados considerados excessivos. O Governo italiano surpreendeu nos últimos dias com uma taxa adicional sobre o setor, gerando receios de que a estratégia volte a ser utilizada por outros países europeus.
A regulação é outra ameaça que paira sobre a banca, sobretudo depois da crise que assolou a banca regional dos Estados Unidos em março e acelerou o colapso do histórico Credit Suisse. Os reguladores querem assegurar que os bancos europeus estão bem preparados para enfrentar cenários adversos e não hesitarão em lançar requisitos mais apertados para impedir a repetição de crises do passado.
A lentidão em rever em alta a remuneração dos depósitos beneficia os resultados, mas também tem o “reverso da medalha”. Os clientes estão a procurar alternativas mais atrativas fora dos tradicionais depósitos, o que pode ameaçar os recursos e níveis de liquidez dos bancos, caso o movimento se intensifique. Até agora, a fuga de depósitos não atingiu níveis preocupantes.
A evolução futura da política monetária também pode representar um revés para os bancos. Está longe de ser o cenário central atualmente, mas o BCE pode encetar uma redução acelerada das taxas de juro em 2024 se a economia sofrer uma recessão acentuada e a inflação ceder de forma célere em direção à meta dos 2%.
A banca é um setor muito específico, sendo mesmo o único onde uma instituição pode cair de um dia para o outro. Basta uma crise de confiança que gere uma corrida aos depósitos e um banco pode entrar em colapso no espaço de horas, mesmo que apresente indicadores financeiros saudáveis e níveis de capital e liquidez adequados.
Basta ver o que aconteceu com o colapso do Silicon Valley Bank e outros bancos regionais dos Estado Unidos no mês de março. A crise acabou por não travar a tendência ascendente das cotações dos bancos, mas serviu de lembrete dos riscos relacionados com o investimento no setor bancário. Resta saber se os ventos favoráveis vão continuar a soprar de forma mais forte do que os contrários.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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