Já todos sentimos na pele, ou lemos nas notícias, que temos em mãos um problema habitacional. Não há soluções fáceis. Temos pela frente uma maratona, antes de começarmos a sentir o efeito desejável. No entretanto, podemos fazer alguns corta-matos para que quem quer comprar casa tenha uma solução viável.
Comprar qualquer casa, seja a primeira, a segunda ou a décima, requer ter fundos próprios. Este é um ponto assente. Mas é na compra da primeira casa que não há um bem que se possa vender para ficar com alguma margem. Além disso, a compra da primeira casa ocorre, por regra, numa fase da vida mais inicial. Ainda não houve tempo para acumular poupanças.
Para chegarmos às soluções, precisamos de recuar um pouco e perceber o que está em causa.
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O peso da entrada e dos impostos
Para comprar uma casa é preciso ter capitais próprios, ou seja, ter um montante de dinheiro que viabilize a operação. Neste contexto, analisemos os números:
- A entrada inicial ronda os 15% do valor do imóvel.
Tendo em consideração que o preço médio de venda de um imóvel em Portugal se situa em torno dos 1.500 euros por metro quadrado, uma casa de 100 metros quadrados custa 150 mil euros. Comprar um imóvel deste valor implica ter poupanças de 22,5 mil euros. E isto apenas para iniciar a compra.
- Os impostos
No final do processo, é preciso pagar o Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e o Imposto do Selo. Num imóvel de 150 mil euros, o IMT corresponde a 1.575,50 euros e o Imposto do Selo ascende a mais 1.200 euros.
Contas feitas, e sem pensarmos noutro tipo de despesas, comprar uma casa de 150 mil euros requer que tenhamos um fundo superior a 25 mil euros. E estou a usar os dados medianos do país, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Se fizer o mesmo exercício para Faro, onde o preço do metro quadrado está muito perto dos 2.300 euros, um imóvel de 100 metros quadrados, eleva os custos totais para quase 43 mil euros (34,5 mil entrada e quase 8,4 mil de IMT e Imposto do Selo). E o cenário pode complicar, considerando que alguns concelhos da área metropolitana de Lisboa têm preços medianos superiores a 3.000 euros por metro quadrado.
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Problema: Não haver financiamento a 100%
O principal problema na compra de um imóvel, aos dias de hoje, é não termos acesso a um financiamento a 100%.
Desde 2018 que o Banco de Portugal implementou uma medida que inibe os bancos de financiarem a compra de imóveis a 100%. No máximo, as instituições financeiras podem emprestar até 90% do valor do imóvel. Uma medida que tem como objetivo a proteção de consumidores e sistema financeiro.
Na verdade, se não imputarmos ao consumidor a necessidade de ter capitais próprios, há um nível de desresponsabilização que não é benéfico. Ainda assim, há situações em que o peso é desproporcional. E é aqui que devíamos fazer valer as exceções.
Pensando que estamos a falar da compra da primeira casa, será a compra menos arriscada, nem que seja porque será a de menor valor.
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Identificadas as principais raízes do problema, como é que se resolve o acesso à primeira casa?
Consciente de que é preciso que o mercado de arrendamento funcione e que os preços do imobiliário sejam mais acessíveis, concentro-me apenas no tema do financiamento. Não vale a pena diabolizar a banca, que não é ela que decide subir ou descer os juros, mas podemos pensar em conjunto e encontrar soluções que resolvam o tema.
E há três passos que podemos dar, e sobre os quais me debrucei no artigo que escrevi para o Expresso (Três ideias para resolver a compra da primeira casa), e que podem ajudar a sanar parte do problema no imediato:
- Financiamento a 100% para perfis específicos, como os jovens;
- Prazos máximos de crédito habitação alargados para os mais jovens;
- Bonificação de impostos, com o Estado a conceder um benefício fiscal de 50% do montante dos impostos iniciais.
Há muito mais medidas que podem ser implementadas para agilizar o acesso à habitação, neste artigo debrucei-me apenas sobre medidas de efeito imediato. A discussão tem de ir mais longe, tem de ser mais profunda, mas tudo o resto precisará de tempo que as novas gerações não têm.
Em alguns casos será preciso abrir mão de uma parte de receitas imediatas, mas acredito que esse “custo” será muito menor do que a fatura que vamos receber se deixarmos aprofundar a crise que está hoje instalada.
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Cláudio Santos, iniciou carreira no setor da banca em 1992 no Loyds Bank, terminando em 2012 no Deutsche Bank após passar por Banco Fomento Exterior e Banco BPI. Após uma experiência internacional de 3 anos como Diretor Comercial, ingressou em 2016 no Doutor Finanças. Atualmente é Partner, Board member e Chief Commercial Officer (CCO).
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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