Os sovinas, os pão-duro, os somíticos, os forretas, eis alguns nomes para quem cultiva a avareza. Se não faltam sinónimos para os mais avaros, os provérbios portugueses também lhes dedicam inúmeras entradas. E, desta vez, nota-se uma certa unanimidade em punir este traço de caráter.
Juntar, juntar, juntar e juntar
Recordemos o Tio Patinhas e a sua caixa-forte atulhada de moedas. Para que queria ele tanta riqueza? Ora, para subir a uma prancha e mergulhar num mar dourado, nada mais.
Comecemos, então, pela caracterização dos que acumulam dinheiro compulsivamente. Há quem queira acumular dinheiro só por… querer acumular dinheiro. São aqueles que nem se lembram de o utilizar, pois «a avareza é madrasta de si mesma», refere-se no Dicionário de provérbios, locuções e ditos curiosos das Seleções do Reader’s Digest, com a nota de tratar-se de uma adaptação da moralidade de uma das fábulas escritas pelo romano Fedro. De facto, a fama dos avarentos vem de longe. Podem ter muito, mas isso de pouco lhes serve. «Ferro que não se usa, gasta-o a ferrugem», diz-se num adágio; «do faminto avarento o mundo ri, pois nada do que ajunta é para si», sentencia-se noutro.
«Depois de morto, nem vinha nem horto», já avisava António Delicado, em 1651. Para o povo, na verdade, «não há maior tolice que viver pobre para morrer rico». É caso para dizer «abre o poço antes que tenhas sede». Que mal terá gastar um pouco dessa água abundante? Para alguns, muito mal. Assim, o unhas-de-fome é definido pelo colecionador de provérbios Paulo Perestrello da Câmara, no seu livro de 1848, como um «homem mesquinho, vil, avaro». O povo também os acha pouco inteligentes, já que «quem tem burro e anda a pé, ainda mais burro é». Como procura sintetizar o conselheiro José Joaquim Rodrigues de Bastos, são pessoas presas às suas próprias ideias: «A avareza é uma tirana mui cruel: ela ordena que se junte, e proíbe o uso do que se junta; ela irrita o desejo, e veda o gozo.»
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Ah, não gastas nada? Os filhos agradecem
Se não for gasto, que será feito do dinheiro amalhado? Caso haja filhos, o assunto parece resolvido. «Os avarentos acumulam sempre, para depois fazerem rir os seus herdeiros.» E, se voltarmos a folhear o dicionário do Reader’s Digest, encontramos a sentença de «pai avarento, filho pródigo», com direito a explicação: «Mostra o provérbio que os filhos se revoltam contra o regime de severas economias que os pais lhes impõem, esbanjando, logo que podem, o dinheiro por eles acumulado.»
Mais valia terem aproveitado, não era? Não, segundo eles, não. Nos ditados populares, a mesquinhez até pode vir de mãos dadas com a inveja ou a ganância. «A avareza tira aos outros o que recusa a si própria», lista o Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios. No fundo, há sempre algo mais para ajuntar, pois «ao avaro, tanto lhe falta o que tem, como o que não tem». Já em 1302, Ramon Llull compilava opiniões sobre o assunto: «O homem avaro inveja todos os seus vizinhos», adianta-se numa; «Nenhum homem possui tanta necessidade quanto o avaro», acrescenta-se noutra. Mas nada como o nosso já bem conhecido Conselheiro para uma máxima diferente das restantes: «A ambição e a avareza são dois elementos que entram na composição de quase todos os crimes: uma é insaciável, a outra não tem limites.»
Consegue um pobre ser pior do que um avarento?
Fechado na sua masmorra, eis que nos surge a imagem de um homem solitário. «O avarento rico não tem parente, nem amigo», afirmava-se, num provérbio que, com o tempo, perdeu a palavra “rico”. A existir companhia, também não será a melhor: «Na arca do avarento, o Diabo jaz dentro.» Razões de sobra para se pintar um retrato negro daqueles que pensam excessivamente nas formas de aumentarem a sua fortuna: «Não acharás um avarento que não viva num tormento.»
Mas eis que, de repente, surge uma luz ao fundo do túnel. Poderá haver vilão ainda maior? O pobre, à partida, não será com certeza. «Muitas cousas faltam à pobreza, à avareza todas», defende-se, nesta disputa comparativa. E que o primeiro não pense em ir bater à casa do segundo, pois «pedir a avarento, é cavar no mar». O assunto parece resolvido, mas os anexins conseguem sempre encontrar uma forma de virar o bico ao prego… «Mau é o rico avarento, mas pior é o pobre soberbo», defende-se no livro dos Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns.
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Viver num mundo meio ilusório
Este provérbio que prefere bater no pobre será a exceção à regra. No resto, os avarentos são os maus da fita e, na verdade, são capazes de andar a viver num mundo de ilusões. A ideia tem séculos, como fica demonstrado por mais estes anexins indexados por Ramon Llull, em 1301:
«Não existe lugar para a satisfação do homem avaro.»
«O homem avaro tardiamente ri.»
Por querer sempre mais e não querer gastar nada do que tem, muitos dicionários avançam que «o avarento, por um real, perdeu cento», ou que «o avarento jamais será rico». E, mesmo quando um pão-duro pensa em si como um ser de economias, o povo tem outra leitura: «O homem mais rico, é o económico, e o mais pobre, o avarento.» Assim, «o dinheiro do avarento duas vezes vai a feira», porque poupou em demasia, não comprando tudo o que era necessário. Caro Conselheiro, quer ter a gentileza da última palavra? «A vida do avarento é uma comédia, de que se não aplaude senão a última cena.»
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