Para o ajudar a calcular o seu IRS, vamos usar exemplos práticos e percorrer todas as etapas até ao apuramento do imposto relativo a 2022, que terá que declarar até 30 de junho de 2023. Vamos tentar descomplicar, passo a passo, e perceber os cálculos que a Autoridade Tributária (AT) faz com os nossos rendimentos e despesas.
Passo 1: Apuramento do rendimento coletável
O rendimento coletável é o rendimento do contribuinte ou do agregado familiar (o "rendimento global" da sua nota de liquidação), abatido das chamadas deduções específicas. Isto, simplificando sem perdas a recuperar, abatimentos ou deduções ao rendimento.
Vejamos então, com o exemplo da Carolina e do António, como chegamos ao rendimento coletável. São casados (tributação conjunta), residentes no continente, trabalhadores dependentes, com um filho (mais de 3 anos).
A Carolina tem um ordenado bruto de 1.200 euros mensais e, o António, de 800 euros. Os rendimentos de ambos são multiplicados por 14 meses para termos o valor anual. Abatemos as deduções específicas e obtemos o rendimento coletável do casal: 19.792 euros.
Descritivo | Carolina | António | casal |
Rendimento Anual Bruto (A) | 16.800 € | 11.200 € | 28.000 € |
Deduções Específicas (B) | 4.104 € | 4.104 € | 8.208 € |
Rendimento Coletável (A - B) | 12.696 € | 7.096 € | 19.792 € |
Quais as deduções específicas consideradas? No nosso exemplo, consideramos 4.104 euros para a Carolina e para o António, ambos trabalhadores dependentes (Categoria A).
Como exemplo, indicamos as deduções específicas das categorias A e H, previstas no Código do IRS.
Categoria A:
- 4.104 euros ou o valor dos descontos para a Segurança Social, se este for superior; pode ser de 4.275 euros se a diferença resultar de quotas para associações profissionais (atividade por conta de outrem);
- Indemnizações pagas pelo trabalhador por rescisão unilateral do contrato de trabalho sem aviso prévio;
- Quotas para sindicatos, até 1% do rendimento bruto, acrescidas de 50%.
Categoria H:
- 4.104 euros por titular;
- Contribuições obrigatórias para sistemas de proteção social ou sub-sistemas legais de saúde, na parte que exceda 4.104 euros;
- Quotas para sindicatos, até 1% do rendimento bruto, acrescidas de 50%.
Passo 2: Apuramento do total do rendimento
Se não existirem rendimentos de anos anteriores (linha 7 da nota de liquidação) ou rendimentos isentos englobados (linha 8), então o rendimento coletável vai ser igual ao "total do rendimento para aplicação da taxa" (linha 9). Estamos nos nossos 19.792 euros.
Na linha 10, a nota de liquidação apenas lhe diz que o coeficiente é 2 (casais com tributação conjunta, caso contrário não existe) e a taxa aplicável. Não terá qualquer valor na coluna da direita (que aqui está oculta):
Vamos agora encontrar a taxa de IRS para, depois, poder calcular o valor do imposto devido.
Passo 3: Identificação do escalão e da taxa de imposto, com a parcela a abater
Esta é a tabela, com os escalões, taxas e parcelas a abater, aplicável aos rendimentos de 2022:
Rendimento coletável | Taxa normal | Parcela a abater (€) |
até € 7.116 | 14,50% | - |
Mais de € 7.116 até € 10.736 | 23,00% | 604,86 € |
Mais de € 10.736 até € 15.216 | 26,50% | 980,62 € |
Mais de € 15.216 até € 19.696 | 28,50% | 1.284,99 € |
Mais de € 19.696 até € 25.076 | 35,00% | 2.565,21 € |
Mais de € 25.076 até € 36.757 | 37,00% | 3.066,79 € |
Mais de € 36.757 até € 48.033 | 43,50% | 5.455,84 € |
Mais de € 48.033 até € 75.009 | 45,00% | 6.176,56 € |
Superior a € 75.009 | 48,00% | 8.426,51 € |
Esta tabela prática é divulgada através de Ofícios Circulados da AT e permite apurar o imposto de uma forma bem mais simples que o método descrito no art.º 68.º do CIRS (taxas normais e taxas médias).
Este é também o método usado pela AT nos cálculos do nosso IRS. Repare na linha 12 da sua nota de liquidação. É a "parcela a abater".
Continuando com o nosso exemplo, vamos identificar o escalão onde estamos, a taxa de IRS e a correspondente parcela a abater:
- Total do rendimento = 19.792 euros
- Quociente familiar = 2
- Rendimento coletável do casal = 9.896 euros
- Escalão a que pertence: entre 7.116 e 10.736 euros
- Taxa normal deste escalão: 23%
- Parcela a abater do escalão: 604,86 euros
Já temos os dados todos para calcular a "importância apurada" (linha 11 da nota de liquidação).
Passo 4: Da importância apurada à coleta total
Voltando à nossa nota de liquidação, vamos agora calcular a "importância apurada" e seguir até à coleta total. Por simplificação, vamos assumir que nada há a considerar nas linhas 13 a 17:
Então, temos:
- Importância apurada (linha 11): 19.792 ÷ 2 x 23% = 9.896 x 23% = 2.276,08 euros
- Parcela abater (linha 12): 604,86 euros
- Linhas 13 a 17 = 0
- Coleta Total (linha 18): (2.276,08 - 604,86) x 2 = 3.342,44 euros
Ou seja, antes de apurarmos a taxa de imposto, dividimos o rendimento do casal por dois. Com isso obtivemos um rendimento médio. Agora, para obter a coleta total, tivemos que voltar a multiplicar por dois.
A coleta total é de 3.342,44 euros.
Notas:
Com este método, o "valor de imposto" é obtido de forma muito simples: rendimento coletável x taxa normal - parcela a abater
- algo como 9.896 x 23% - 604,86 = 1.671,22 (depois, apenas tivemos que multiplicar por dois, para ter a coleta total)
- com o cálculo do CIRS teria que chegar aos mesmos 1.671,22 euros.
- Se, por exemplo, existirem rendas, ou outros rendimentos em que tenha optado pela tributação autónoma (o mais comum), o correspondente imposto ia para a linha 17 e seria adicionado aos 1.671,22. Só depois, multiplicaria por dois para obter a coleta.
Os 3.342,44 euros são "uma espécie de imposto devido". Na verdade, ainda não chegamos lá. O imposto efetivamente devido ao Estado é a coleta líquida.
Passo 5: Da coleta total à coleta líquida
À coleta total, o Estado permite o abatimento de uma série de despesas, as chamadas deduções à coleta. Têm regras e limites. Dependem muito da situação familiar de cada um.
Consideremos as seguintes despesas do António e da Carolina. E o facto de terem um único dependente com mais de 3 anos:
Categoria | Casal | Filho | Total |
Desp. Saúde | 300 € | 1.000 € | 1.300 € |
Desp. Educação | - | 3.000 € | 3.000 € |
Desp. Gerais Famil. | 5.000 € | 0 € | 5.000 € |
Despesas Agreg. (A) | 9.300 € | ||
Descendentes | - | 600 € | 600 € |
Saúde | 45 € | 150 € | 195 € |
Educação | - | 800 € | 800 € |
Desp. Gerais Famil. | 500 € | - | 500 € |
Deduções Agreg. (B) | 2.095 € | ||
Coleta Líquida (A - B) | 1.247 € |
Este agregado tem direito a várias deduções fiscais. Estas incluem uma dedução de 600 euros por um dependente com mais de 3 anos, 500 euros em despesas gerais e familiares (35% das despesas totais, até um limite de 250 euros por pessoa), 195 euros em despesas de saúde (15% das despesas totais, até um limite global de 1.000 euros), e 800 euros em despesas de educação (30% das despesas totais, até um limite de 800 euros).
Depois de aplicar todas as deduções, a coleta líquida é de 1.247 euros: a coleta (3.342 euros) - as deduções à coleta (2.095 euros). Para simplificar, consideramos que não existem benefícios municipais ou acréscimos à coleta).
Estas deduções podiam ter sido consideradas na totalidade?
Tivemos de fazer outra conta. É que o CIRS estabelece um limite global máximo às deduções à coleta, por agregado familiar:
- Rendimento coletável menor que 7.116 euros: sem limite;
- Rendimento coletável superior a 80.000 euros: limite global de 1.000 euros;
- Rendimento coletável entre 7.116 e 80.000 euros: limite global entre 1.000 e 2.500 euros, resultando de uma fórmula.
No nosso exemplo, tivemos que aplicar a fórmula:
- + 1.000 + [(2.500 - 1000) X (80.000 - rend. coletável) / (80.000 - 7.116)]
- 1.000 + [1.500 x (70.104 / 72.884)] = 2.443 euros (arredondado)
- O teto máximo para as deduções do casal é 2.443 euros, pelo que podem deduzir os 2.095 euros, integralmente.
- Para este efeito, considera-se o rendimento coletável após aplicação do quociente familiar (9.896 euros).
Passo 6: O "acerto de contas" (imposto a liquidar ou a reembolsar)
Para terminar, sabemos que o imposto devido ao Estado é de 1.247 euros. Mas, será que a Carolina e o António vão ter que pagar todo este valor ao Estado?
O Estado vai fazer um "um acerto de contas" com esta família, considerando os "pagamentos por conta de IRS" e/ou as "retenções na fonte de IRS". As linhas 23 e 24 da nossa nota de liquidação.
Na verdade, se o casal fez retenção na fonte e/ou pagamentos por conta de imposto ao longo de 2022, então parte do imposto já foi pago ao Estado.
Retomando o nosso caso prático. Vamos considerar as retenções na fonte efetuadas pelo casal ao longo de 2022 e concluir se esta família terá que entregar imposto adicional, ou se o Estado lhe vai devolver dinheiro:
Descritivo (valores arredondados) | Carolina | António |
Rendimento mensal bruto em 2022 | 1.200 € | 800€ |
Taxa de retenção na fonte IRS | 12,4% | 5,1% |
Retenção mensal IRS em 2022 | 148,8 € | 40,8 € |
Retenção anual de IRS em 2022 | 2.083,2 € | 571,2 € |
Montante retido pelo casal | 2.654,4 € | |
IRS devido (apurado em 2023) | 1.247 € | |
Imposto "pago a mais" (2022) | 2.654 - 1.247 = 1.407,4 € | |
Reembolso de IRS em 2023 | 1.407,40 € |
O Estado terá que devolver o valor de imposto que foi "adiantado a mais". Caso se verificasse a situação inversa, estes nossos contribuintes hipotéticos teriam que liquidar um adicional de imposto no mesmo montante.
Nota: por simplificação, foram utilizadas apenas as taxas em vigor entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2022, para apuramento dos valores de retenção na fonte.
Vamos agora considerar um exemplo mais simples e re-calcular todos os passos.
Apuramento do imposto de um solteiro, sem filhos
Tomemos agora um exemplo completo para o caso de um solteiro, sem dependentes, residente no continente. As contas ficariam mais simples, logo porque não teríamos a aplicação do quociente conjugal.
O João auferiu, em 2022, um rendimento bruto mensal de 3.500 euros.
Descritivo | Valor / Taxa | Notas |
Rendimento anual bruto | 49.000 € | 3.500 € x 14 |
Dedução específica | 5.390 € | descontos SS superiores a 4.104 € |
Rendimento coletável | 43.610 € | 49.000 € - 5.390 € |
Taxa normal de IRS do escalão | 43,5% | "mais de € 36.757 até € 48.033" |
Parcela a abater do escalão | 5.455,84 € | - |
Coleta Total | 13.515 € | 43.610 € x 43,5% - 5.456 € |
Dedução saúde | 75 € | desp. 500 €: deduz 15%; limite 1.000 € |
Dedução despesas gerais famil. | 250 € | desp. 3.000 €: deduz 35%; limite 250 € |
Coleta líquida | 13.190 € | 13.515 € - 75 € - 250 € |
Retenção na fonte em 2022 | 14.014 € | 3.500 € x 28,6% x 14 |
Reembolso de IRS em 2023 | 824 € | 14.014 € - 13.190 € |
Nota sobre teto máximo de deduções à coleta:
- Teto máximo: 1.000 + [1.500 x (80.000 - 43.610) / 72.884] = 1.000 + [1.500 x (36.390 / 72.884)] = 1.000 + 1.500 x 0,5 = 1.750 euros
- É possível abater todas as despesas do João (75 + 250), considerando que o limite máximo é bastante superior.
Nota: por simplificação, foram utilizadas as taxas em vigor entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2022, para apuramento dos valores de retenção na fonte.
E agora, não esqueça, prazo de entrega do IRS de 1 de abril a 30 de junho de 2023.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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