O código do IRS considera criptoativo toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outra semelhante (n.º 17 do art. 10.º). Os criptoativos únicos e não fungíveis com outros criptoativos (NFTs) estão excluídos desta definição (n.º 18 do art. 10.º).
Criptoativos fungíveis são os que podem ser trocados por outros idênticos, como é o caso das criptomoedas e das stablecoins.
Criptoativos não fungíveis (ou NFTs - Non-Fungible Tokens) são direitos de propriedade sobre ativos digitais únicos e autênticos, criptografados, irreplicáveis, que não podem ser trocados ou divididos. São exemplos de NFTs uma obra de arte digital ou uma música registada numa plataforma de blockchain.
É frequente os criptoativos serem designados por “moedas virtuais”. No entanto, não podem ser considerados moedas no verdadeiro sentido, uma vez que não têm curso legal em Portugal, não são garantidas pelo Banco de Portugal nem por qualquer autoridade nacional ou europeia, o seu valor pode flutuar muito num curto espaço de tempo e não existe proteção legal para quem as detém como sucede, por exemplo, no caso dos depósitos bancários com o Fundo de Garantia de Depósitos.
Tributação em sede de IRS de criptoativos
Os criptoativos assentam num sistema de peer-to-peer, ou seja, as transações são efetuadas entre membros de uma comunidade virtual, sem intervenção de um intermediário financeiro como um banco, por exemplo.
Portugal, até ao final do ano de 2022, não tinha qualquer regulamentação de âmbito fiscal sobre tributação destas operações. A Lei do Orçamento de Estado de 2023 (Lei n.º 24-D/2022 de 30 de dezembro) veio inverter essa ausência de regras, classificando os ganhos com criptoativos que passaram a ser tributados em sede de IRS.
Para efeitos de IRS, a lei distingue duas formas de obtenção de rendimentos com criptoativos:
- Provenientes de operações a título pessoal;
- Provenientes de atividade empresarial.
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Rendimentos com criptoativos provenientes de operações a título pessoal
Os rendimentos provenientes de operações relativas a criptoativos efetuadas por membros da comunidade virtual (players), que não façam delas uma atividade profissional, podem ser classificados como rendimentos de capitais ou mais-valias:
- Se estas operações forem efetuadas apenas com a finalidade de aplicação de capital e daí resultar alguma remuneração, esta enquadra-se na Categoria E, ou seja, Rendimentos de Capitais (al. u) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS).
Porém, o mais comum é esta remuneração ser, também ela, em criptoativos e, neste caso, passa a enquadrar-se na Categoria G, sendo tributada como mais-valia no momento em que estes criptoativos forem alienados (n.º 11 do art. 5.º do CIRS). - O valor obtido com a venda de criptoativos adquiridos ou ganhos, detidos há menos de 365 dias, que não sejam valores mobiliários, enquadra-se na Categoria G (al. k) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS).
A tributação incide sobre a mais-valia à taxa autónoma de 28% (al. c) do n.º 1 do art. 72.º do CIRS), com opção pelo englobamento segundo as regras estabelecidas no Código do IRS.
Note que, se o rendimento coletável for superior ao último escalão do IRS, o englobamento das mais-valias é obrigatório e a taxa aplicável é 48%.
Para determinação da mais-valia, o valor e a data de aquisição considerados são os dos criptoativos adquiridos há mais tempo. Esta regra baseia-se no método de custeio FIFO - First In First Out, muito usado na gestão de stocks nos armazéns, e que significa, literalmente, “primeiro a entrar primeiro a sair”. O valor de alienação presume-se que é o valor de mercado à data da venda.
Se vender criptoativos (Bitcoin, por exemplo) e em troca receber criptoativos (Ethereum, por exemplo), não há lugar a tributação.
Se durante o ano não for efetuada qualquer transmissão onerosa de criptoativos e estes valorizarem, não há nada a declarar à AT nem há lugar ao pagamento de imposto.
Rendimentos com criptoativos provenientes de atividade empresarial
Para efeitos de IRS, são consideradas atividades comerciais as que são desenvolvidas em nome individual e que estão relacionadas com a emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações através de mecanismos de consenso como o PoW - Proof of Work e o PoS - Proof of Stake (al. o) do n.º 1 do art. 4.º do CIRS).
Os rendimentos empresariais, ou profissionais, relativos a operações com criptomoedas são rendimentos da Categoria B e podem estar enquadrados no regime simplificado ou no regime de contabilidade organizada (neste caso, o rendimento tributável é apurado com base na contabilidade e requer a contratação dos serviços de um Contabilista Certificado).
Se a atividade estiver enquadrada no regime simplificado, o rendimento tributável é determinado com base nos seguintes coeficientes (n.º 1 do art. 31.º do CIRS):
- 0,95 para rendimentos provenientes de mineração de criptoativos;
- 0,15 para rendimentos provenientes de operações com criptoativos (trading).
Na prática, a aplicação destes coeficientes funciona como o “lucro” da atividade, ou seja, a parte do rendimento obtido considerada para efeitos de apuramento do IRS corresponde a 95% na mineração e a 15% no trading.
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Exclusões de tributação sobre operações com criptoativos
Existe uma norma transitória que salvaguarda os criptoativos adquiridos antes da entrada em vigor da Lei do OE de 2023 e os números 18 a 20 do artigo 10.º do CIRS preveem as seguintes exclusões de tributação:
- NFTs, que não são considerados criptoativos para efeitos do IRS;
- Ganhos obtidos e perdas incorridas com operações com criptoativos detidos por período igual ou superior a 365 dias. Para os criptoativos adquiridos antes da entrada em vigor da lei é considerada a data de aquisição para contagem dos 365 dias;
- Alienações de criptoativos cujo pagamento é, também, efetuado com criptoativos. Esta situação é considerada uma mera troca, atribuindo-se aos criptoativos recebidos o valor de aquisição dos criptoativos entregues.
Medida Antiabuso
Existem duas exceções às exclusões de tributação que foram aditadas ao artigo 10.º do CIRS (n.ºs 21 e 22) como medida antiabuso.
Assim, independentemente de os criptoativos serem detidos há mais de 365 dias e as alienações terem como contrapartida criptoativos, estão sujeitos a tributação:
- Rendimentos auferidos por cidadãos não residentes fiscais noutro Estado-membro da União Europeia, no Espaço Económico Europeu ou noutro Estado com o qual Portugal tenha convenção de dupla tributação internacional ou acordo que preveja troca de informação fiscal;
- A perda da qualidade de residente em território português, que é equiparada a uma alienação onerosa dos criptoativos detidos.
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Anexos à Declaração de IRS a entregar relacionados com criptoativos
Rendimentos da Categoria E
Para os rendimentos de capitais relacionados com criptoativos, deve entregar o Anexo E.
Preencha o Quadro 4 A - Rendimentos sujeitos a taxas especiais, indicando o código E21 para os rendimentos.
Na opção pelo englobamento escolha a situação que lhe for mais favorável.
Rendimentos da Categoria G
Para as mais-valias obtidas com operações com criptoativos, deve entregar o Anexo G.
Preencha o Quadro 18 A se alienou criptoativos que não constituam valores mobiliários, detidos por um período inferior a 365 dias.
Preencha o Quadro 18 B se alienou criptoativos que não constituam valores mobiliários e se perdeu a qualidade de residente em território português.
Na coluna “Entidade Gestora” deve colocar o NIF (número de contribuinte) da pessoa, sociedade, organismo ou entidade que preste serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou tenha a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos.
No Quadro 15 deve indicar se opta, ou não, pelo englobamento. Escolha a situação que lhe for mais favorável.
Rendimentos da Categoria B
Para os rendimentos profissionais obtidos com criptoativos, deve entregar o Anexo B.
No Quadro 3 A deve indicar o código da atividade.
A questão do código de atividade tem levantado muitas dúvidas uma vez que a tabela das atividades do art. 151.º do CIRS em vigor à data deste artigo ainda não inclui o código “1338 - Prestadores de serviços conexos com criptoativos”, que se estima vir a ser aditado em Portaria futura.
A classificação portuguesa das atividades económicas em vigor (CAE-Revisão 3) também não contempla um código específico para as atividades relacionadas com criptoativos, pelo que, nas suas obrigações declarativas, os empresários têm recorrido a códigos já existentes, como:
- 66300 Gestão de fundos – para declarar a atividade a gestão de criptomoeda;
- 63110 Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas;
- 64190 – Outra intermediação monetária;
- 66190 – Outras atividades auxiliares de serviços financeiros.
Em todo o caso, o CAE a indicar no Anexo B deve corresponder ao que consta da declaração de início de atividade e da sua informação cadastral na AT.
Os campos a preencher do Quadro 4 A são:
- 419 - Rendimentos de operações com criptoativos, onde deve indicar o valor bruto total obtido com o trading;
- 422 - Rendimentos provenientes de mineração de criptoativos, onde deve indicar o valor bruto total obtido com a mineração.
Deve ainda preencher os campos do Quadro 13 G, indicando se realizou, ou não, operações relacionadas com criptoativos e se perdeu, ou não, a qualidade de residente em território português no ano a que respeita a declaração de IRS.
Documentação de suporte e meio de prova
A legislação relacionada com criptoativos é recente e ainda há questões práticas que necessitam de esclarecimento como, por exemplo, o que pode ser aceite como documentação de suporte às operações e como meio de prova. Por enquanto, e até estes aspetos serem clarificados, à falta de outra documentação, os print screen das vendas de criptoativos servirão de documentação de suporte.
Complementarmente, os registos na blockchain, por serem datados, seguros, transparentes, imutáveis e permanecerem na cadeia de blocos, também poderão, no futuro, vir a ser aceites como meio de prova.
Obrigações acessórias
O código do IRS prevê ainda uma obrigação declarativa, a cumprir até ao final do mês de janeiro de cada ano, para as pessoas singulares que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos (art. 124.º-A).
A forma como esta comunicação será efetuada ainda precisa de esclarecimento por parte das Finanças mas um Despacho da AT de 18 de fevereiro de 2022 refere a “Declaração modelo 59 - Declaração de Comunicação de Operações com Criptoativos” como o modelo a usar.
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Economista e Contabilista Certificada, licenciada em Organização e Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Exerce atividade na área da Consultoria para os Negócios e a Gestão desde 1997. Desempenha as funções de Consultora Sénior e CEO na sociedade VVL Consultores da qual é sócia fundadora.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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