Ser residente num país e auferir rendimentos oriundos de outro, frequentemente, origina dúvidas relacionadas com a fiscalidade.
Uma questão muitas vezes levantada é se há necessidade de declarar rendimentos obtidos no estrangeiro sendo reformado ou pensionista residente em Portugal.
A resposta é sim, uma vez que existem mecanismos de troca de informação fiscal entre Portugal e as autoridades fiscais de outros países.
Não declarando os rendimentos do estrangeiro, está a incorrer numa infração e será, mais tarde ou mais cedo, chamado a corrigir a situação perante o fisco.
Um dos aspetos fundamentais na forma como os rendimentos são tributados é a residência fiscal.
São considerados residentes em território português para efeitos fiscais os cidadãos que no ano a que respeitam os rendimentos (art. 16.º do CIRS):
- Tenham permanecido em Portugal mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
- Tenham permanecido em Portugal menos de 183 dias, mas disponham de habitação no território nacional em condições de ser considerada habitação permanente e que mostrem intenção de a ocupar.
São igualmente considerados residentes os cidadãos portugueses que deslocalizem a sua residência para países com regimes fiscais mais favoráveis (os designados paraísos fiscais), ficando sujeitos às regras de tributação de Portugal durante o ano da mudança e os quatro anos seguintes. Esta obrigação constitui uma forma de combate por parte do Estado à fuga de capitais e à evasão fiscal.
São ainda considerados residentes os cidadãos que desempenhem funções ou comissões de caráter público ao serviço do Estado Português e os tripulantes de navios ou aeronaves que se encontrem ao serviço de entidades portuguesas em 31 de dezembro.
Os cidadãos que, num período do ano, sejam residentes em Portugal e, noutro período do mesmo ano, sejam residentes no estrangeiro são considerados residentes parciais para efeitos fiscais.
Aqueles que não reunirem as condições para serem enquadrados como residentes ou residentes parciais são considerados não residentes.
Tenha em conta que a residência fiscal é aferida para cada sujeito passivo do agregado familiar. Se é casado ou unido de facto e o seu cônjuge tem residência fiscal noutro país, vigora a tributação separada, ou seja, cada um é tributado segundo as regras do país onde se encontra. Só poderá optar pela tributação conjunta em Portugal se, pelo menos, 90% dos rendimentos do agregado sejam obtidos em Portugal e se forem ambos residentes num Estado-membro da UE ou do Espaço Económico Europeu.
Ter a residência fiscal atualizada é importante para evitar a dupla tributação dos rendimentos, ou seja, evitar que estes estejam sujeitos ao pagamento de imposto no país de origem e no país de residência.
Portugal tem convenções com diversos países para mitigar o efeito da dupla tributação internacional que permitem isentar de imposto, total ou parcialmente, os rendimentos obtidos no estrangeiro que aí tenham sido tributados. A convenção entre Portugal e o país de origem dos rendimentos tem de ser acionada, mediante o preenchimento de formulários próprios, para evitar pagar imposto duas vezes sobre o mesmo rendimento.
Na ausência de acordo de dupla tributação, o Código do IRS prevê um mecanismo unilateral que consiste num crédito de imposto. Este método não isenta os rendimentos de serem tributados em Portugal, mas evita que o contribuinte pague mais imposto do que o que seria devido se os rendimentos fossem obtidos em Portugal.
Leia ainda: Residência fiscal e a sua importância em sede de IRS
Reformados residentes fiscais em Portugal com rendimentos do estrangeiro
Os pensionistas residentes fiscais em Portugal são tributados sobre os seus rendimentos a nível global, ou seja, tanto os rendimentos obtidos em Portugal como no estrangeiro estão sujeitos a IRS (n.º 1 do art. 15.º do Código do IRS).
Exemplo 1:
O José foi emigrante no estrangeiro e regressou a Portugal há cinco anos. É casado, ambos residentes fiscais em Portugal. Recebe uma reforma do país estrangeiro sobre a qual paga imposto nesse Estado e é proprietário de um imóvel em Santarém que está arrendado e do qual recebe rendas mensais.
O José declara a pensão do estrangeiro no Anexo J e as rendas do imóvel no Anexo F da declaração anual Modelo 3 de IRS.
Portugal não tem convenção de dupla tributação com o país de origem da pensão. Como o José pagou imposto no estrangeiro, aplica-se o método do crédito de imposto, sendo este valor deduzido ao imposto a pagar em Portugal até ao limite do valor do imposto devido em território nacional por esse rendimento estrangeiro.
Exemplo 2:
A Ana, residente fiscal em Portugal, recebe uma reforma de um país estrangeiro. Não paga imposto sobre o rendimento obtido nesse Estado. Recebe também uma pensão da Segurança Social.
A Ana declara a reforma do estrangeiro no Anexo J e a pensão da Segurança Social no Anexo A da declaração anual Modelo 3 de IRS.
Como não houve imposto pago no estrangeiro, este rendimento é englobado com o valor da reforma de Portugal para determinar o escalão e a taxa de IRS a aplicar.
Exemplo 3:
O Rui, residente fiscal em Portugal, recebe uma pensão da Segurança Social e trabalha remotamente para uma empresa sediada e a operar no estrangeiro da qual aufere um ordenado mensal. Paga imposto no estrangeiro sobre o rendimento que obtém nesse Estado e acionou a convenção de dupla tributação que Portugal tem com esse território.
O Rui declara o rendimento do trabalho dependente do estrangeiro no Anexo J e a pensão da Segurança Social no Anexo A da declaração anual Modelo 3 de IRS.
Como pagou imposto no estrangeiro, à luz da convenção de dupla tributação entre Portugal e esse Estado, o rendimento do estrangeiro está isento de imposto, mas é englobado com a pensão para determinação do escalão e da taxa de IRS a aplicar a este rendimento obtido em Portugal (isenção com progressividade).
Exemplo 4:
A Luísa é residente fiscal em Portugal e o único rendimento que aufere é uma pensão de um país estrangeiro. Paga imposto no estrangeiro sobre a pensão e acionou a convenção de dupla tributação entre Portugal e esse Estado.
A Luísa declara a pensão do estrangeiro no Anexo J da declaração anual Modelo 3 de IRS.
Como pagou imposto no estrangeiro, pela convenção de dupla tributação entre Portugal e esse território, a pensão do estrangeiro está isenta de imposto em Portugal (isenção total).
Leia ainda: Dispensa de entrega do IRS e rendimentos não sujeitos a imposto
Reformados residentes fiscais no estrangeiro com rendimentos em Portugal
Os rendimentos dos pensionistas residentes fiscais no estrangeiro apenas estão sujeitos a imposto em Portugal quando têm origem em fonte portuguesa (art. 18.º do CIRS).
Enquanto para os residentes a taxa de imposto é progressiva, por ser determinada em função do somatório dos rendimentos obtidos durante o ano, para os não residentes a taxa de imposto é fixa e incide apenas sobre os rendimentos obtidos em Portugal.
Os rendimentos obtidos em Portugal por residentes fiscais no estrangeiro estão sujeitos a taxas liberatórias ou taxas especiais que variam consoante a natureza dos mesmos (artigos 71.º e 72.º do CIRS).
As pensões, por exemplo, estão sujeitas a uma retenção na fonte à taxa liberatória de 25%. A retenção na fonte consiste na cobrança do imposto à cabeça, ou seja, quando o rendimento é colocado à disposição do sujeito passivo (artigos 71.º e 72.º do CIRS). No entanto, para o caso concreto das pensões, é deduzido ao rendimento bruto o valor de 4.104 euros (art. 53.º do CIRS), sendo a taxa aplicada sobre o rendimento líquido.
Nas situações em que exista retenção na fonte a título definitivo mediante taxas liberatórias, não há obrigação de entrega da declaração Modelo 3 de IRS por se tratarem de taxas de liquidação de imposto.
Nas situações em que seja necessária a entrega da declaração anual de rendimentos Modelo 3 de IRS, esta pode ser efetuada via Portal das Finanças ou por nomeação de um representante fiscal que fique responsável por proceder à sua entrega dentro do prazo legal (1 de abril a 30 de junho do ano seguinte). Deve indicar na declaração Modelo 3 que se trata de um não residente fiscal.
Exemplo 1:
O Pedro, emigrante há décadas num país estrangeiro e residente fiscal nesse território, aufere uma pensão do país onde reside e é sócio remunerado de uma empresa com sede e operação em Portugal, da qual recebe um ordenado mensal.
No seu recibo de ordenado é efetuada uma retenção na fonte à taxa liberatória de 25% na parte que excede o valor do salário mínimo nacional (n.º 5 do art. 71.º do CIRS) e a empresa entrega a declaração Modelo 30 (comunicação à AT dos rendimentos pagos a não residentes - n.º 7 do art. 119.º do CIRS).
O Pedro está dispensado de entregar a declaração Modelo 3 e declarar o ordenado que recebe da empresa portuguesa porque este já foi tributado à taxa fixa de 25%, no entanto, no seu país de residência estará sujeito às regras de tributação locais.
Exemplo 2:
O Jorge é residente fiscal no estrangeiro, recebe um ordenado mensal de uma empresa sediada e a operar nesse país. Recebe, ainda, uma pensão da Segurança Social.
A pensão da Segurança Social está sujeita em Portugal a retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, pelo que não há obrigação de entrega da declaração anual Modelo 3 de IRS. O ordenado mensal obtido no estrangeiro não é tributado em Portugal.
O Jorge estará sujeito às regras de tributação do país onde é residente fiscal.
Exemplo 3:
A Sofia, residente fiscal num Estado-membro da União Europeia, recebe uma pensão da Segurança Social e rendas de imóveis destinados a comércio que possui em Portugal. No país onde reside, faz trabalho esporádico como guia intérprete em viagens turísticas.
Os rendimentos obtidos em Portugal pela Sofia correspondem a 93% do total auferido anualmente, apenas 7% advêm da atividade de guia no estrangeiro. Neste caso, a Sofia pode optar por ser tributada em Portugal pelas taxas gerais.
Com esta opção, a Sofia deve entregar a declaração anual Modelo 3 e declarar a pensão no Anexo A, e as rendas dos imóveis no Anexo F. O imposto será determinado sobre os rendimentos declarados e em função do escalão e respetiva taxa de IRS (art. 68.º do CIRS).
Sem esta opção, aplicar-se-ia à pensão a taxa liberatória de 25% e às rendas a taxa especial de 28%.
O rendimento obtido com a atividade de guia será tributado no país de residência e a Sofia sujeita às regras de tributação locais.
Exemplo 4:
O João, é residente fiscal num país extracomunitário, onde trabalha numa empresa de construção civil. Aufere também uma pensão da Segurança Social. A esposa do João é residente fiscal em Portugal onde tem atividade como empresária em nome individual.
O João e a esposa, sendo residentes em estados diferentes, são tributados separadamente.
A pensão da Segurança Social está sujeita a retenção na fonte em Portugal à taxa liberatória de 25%, dispensando a entrega da declaração anual Modelo 3 e o rendimento do estrangeiro é tributado no país de residência do João e sujeito às regras locais.
A esposa do João declara os seus rendimentos no Anexo B da sua declaração Modelo 3 de IRS.
Exemplo 5:
A Eva, professora aposentada com pensão auferida em Portugal, foi convidada para dar aulas no estrangeiro. Alterou a sua residência fiscal para esse Estado no início de julho. Neste ano de mudança, a Eva é considerada residente parcial em Portugal.
Deve entregar a declaração anual Modelo 3 de IRS relativa ao período do ano em que foi residente em Portugal, declarando a pensão desse período no Anexo A e entregar outra Modelo 3, e respetivo Anexo A, relativa à pensão recebida no período em que foi não residente, caso não tenha havido retenção na fonte segundo a taxa liberatória nesses meses.
O rendimento do estrangeiro será tributado no país de origem e a Eva sujeita às regras de tributação locais.
Se a Eva não tivesse atualizado a sua morada fiscal, continuaria a ser tributada em Portugal pela totalidade dos rendimentos auferidos, tendo, neste caso, de entregar apenas uma declaração Modelo 3 com o Anexo A relativo à pensão e o Anexo J relativo aos rendimentos do estrangeiro.
A forma como os rendimentos são tributados e declarados depende de vários fatores como a residência fiscal, o agregado familiar, a natureza dos rendimentos e onde são gerados, se existe e é aplicável convenção de dupla tributação ou crédito de imposto, se há ou não pagamento de imposto no estado da fonte do rendimento, etc.
Os exemplos apresentados ilustram apenas algumas das situações possíveis de forma simplificada. Há casos de maior complexidade que podem necessitar dos serviços de um especialista na área.
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Economista e Contabilista Certificada, licenciada em Organização e Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Exerce atividade na área da Consultoria para os Negócios e a Gestão desde 1997. Desempenha as funções de Consultora Sénior e CEO na sociedade VVL Consultores da qual é sócia fundadora.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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