Cultura e Lazer

Pobres e ricos em iates e moradias de luxo

Dois filmes multipremiados que abordam com alta nota artística – sem esquecer o entretenimento - a divisão de classes sociais. Caso para rir, chorar ou gritar?

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Pobres e ricos em iates e moradias de luxo

Dois filmes multipremiados que abordam com alta nota artística – sem esquecer o entretenimento - a divisão de classes sociais. Caso para rir, chorar ou gritar?

Vindo da Coreia do Sul, Parasite (Parasitas, 2019) arrecadou prémios em Cannes e em Hollywood. Ganhou até o Oscar para Melhor Filme e para Melhor Filme Estrangeiro, para que não houvesse dúvidas sobre qual tinha sido a película do ano. O realizador Joon-ho Bong, que também teve direito a estatueta pela realização, serviu-nos uma excitante parábola sobre a divisão entre classes sociais, aqui transposta para a vida de três famílias: os super-ricos Park, os pobres Kim, os ainda mais pobres (miseráveis?) criados dos Park. Para ilustrar a diferença entre todos, recorreu à verticalidade. Se uns moram em vivendas ensolaradas de vários pisos – projetadas por arquitetos famosos e depois edificadas no topo de colinas e equipadas com a mais avançada tecnologia –, outros vivem em rés-do-chão, caves ou subcaves, onde a luz do dia é diminuta ou inexistente. E se surgir uma chuvada mais calamitosa, conseguem adivinhar quem é que ficará com a casa inundada? Quem sobreviverá incólume ao dilúvio?

A simpatia ou antipatia vem com o dinheiro?

O sol, de facto, não nasce para todos e, neste filme, a ascensão social só se torna possível através da metáfora de subir escadas. Ou então, se esse acesso estiver vedado, pela arte do engano. O thriller, porém, está tão cheio de peripécias e volte-faces que qualquer sinopse pode estragar a experiência de visionamento. Digamos apenas que os membros do clã Kim se vão conseguindo infiltrar na mansão dos Park, fazendo-se passar por quem não são. Nessa mudança de cenário, os novos servidores contactam diretamente com aquilo de que só tinham ouvido falar. Tudo pode ser motivo de espanto, desde um caixote do lixo que custa mais de 2 mil dólares (e fecha a tampa de forma silenciosa), até às personalidades e atitudes dos endinheirados. «Eles são ricos, mas ainda assim são simpáticos», diz Ki-taek, o patriarca da família pobre. «São simpáticos porque são ricos», apressa-se a clarificar a mulher.

Noutra cena, quando Ki-taek se mostra mais compreensivo, talvez até admirador, dos seus novos patrões, achando-os pessoas um bocadinho ingénuas, «sem ressentimentos», «sem vincos», a mulher lá está para lhe mostrar outra perspetiva: «Fica tudo passado a ferro. O dinheiro é um ferro-de-engomar. Todos esses vincos acabam por ser amaciados pelo dinheiro.» Para ela, tudo se reduz ao facto de se ser rico ou pobre. «Se eu tivesse isto tudo, seria mais bondosa.» Seria mesmo?

Parasite

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Nem o oligarca russo deve ser um estereotipo…

Cada um tirará as suas conclusões após a montanha-russa em que Parasite se transforma a partir de metade do filme. Mas, se perguntássemos a opinião sobre o assunto a Ruben Ostlund, o realizador de Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza, 2022, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes), ele provavelmente discordaria de uma visão estereotipada. Pelo menos foi o que disse à revista Vanity Fair, sobre as suas intenções relativamente às personagens do filme: «Uma das ideias que tinha era que queria retratá-los a todos como sendo simpáticos. Não queria fazê-los ignorantes ou maus, pois acho que essa é a maneira mais convencional de olhar para as classes. Quando descrevemos as pessoas do fundo dizemos que são genuínas e generosas, enquanto as pessoas ricas são egoístas e superficiais. Como acho que isto não é verdade, não queria seguir por esse caminho.»

O trajeto de Triangle of Sadness passa por um cruzeiro de luxo para os super-ricos. Ao leme do iate, encontramos um capitão meio tresloucado (Woody Harrelson) impassível a qualquer tormenta e capaz de conversar com o mais culto dos passageiros, respondendo-lhe com adequadas citações filosóficas ou literárias. Entre os passageiros, há oligarcas russos, celebridades da indústria da moda, fabricantes de armas…

Triangle of Sadness

No iate que foi dos Onassis, manda um capitão socialista

À tripulação, pede-se apenas que sirva os convidados com a maior cortesia, proporcionando-lhes as melhores experiências, satisfazendo-lhes todos os caprichos. Para as cenas do barco, fretou-se a peso de ouro o antigo iate da célebre família Onassis. Os nove dias de filmagens a bordo terminaram mesmo antes de ser decretado um novo período de confinamento. Tempo suficiente para o capitão Harrelson brilhar no mar alto, com as suas tiradas: «Na sociedade capitalista, a liberdade mantém-se sempre mais ou menos igual ao que era na Grécia Antiga. Liberdade para… os que têm escravos.»

Se encara o oligarca, diz compreender que o comportamento ganancioso do russo é apenas o resultado da posição que ele ocupa na hierarquia financeira. Mas e quanto ao dilema moral: existirá naquele homem rico? «Enquanto você nada em abundância, o resto do mundo afoga-se na miséria. Não deveria ser assim. E eu sei que você tem um bom coração aí, algures. Você tem um bom coração, não é apenas um russo maluco... E eu não sou ótimo. Sou um socialista de merda porque tenho demais. Tenho demasiada abundância na minha vida. Não sou um socialista digno. Sou um socialista de merda.»

Tal como o realizador desejava, o capitão de espírito socialista, mesmo que alcoolizado, até consegue mostrar algum sentido de autocrítica. Mas que sentido faria a luta de classes se aquilo que parecia uma viagem idílica, cheia de belas ocasiões para colocar mais uma foto no Instagram, se tornasse uma luta pela sobrevivência? Se todos fossem parar a uma ilha deserta, as classes continuariam a fazer sentido? Continuariam os mesmos a servir os mesmos ou inverter-se-iam os papéis? 

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Um triângulo que fica entre as sobrancelhas

Talvez o capitão saiba a resposta, mas vamos terminar o texto com algumas frases do fleumático casal inglês formado por Clementine e Winston. Para eles, aconteça o que acontecer, o mundo deverá permanecer igual. Ei-los à mesa, com outro casal de passageiros, a sorver as suas ostras e a responder à curiosidade alheia sobre a empresa que detêm em conjunto.

Winston: Oh, é um negócio de família. Fabrico de produtos de engenharia de precisão.

Carl: Que é que fabricam?

Winston: Bem, os nossos produtos têm sido empregues na defesa da democracia pelo mundo inteiro.

Carl: E qual é esse produto?

Winston: Basicamente, o nosso produto campeão de vendas é a granada de mão.

Yaya: Desculpe, é o quê?

Clementine: A granada de mão, querida.

[silêncio constrangedor.]

Winston: Hmmm, durante bastante tempo foi o aparelho explosivo pessoal, mas depois vieram aqueles regulamentos das Nações Unidas e estragaram tudo.

Clementine: [algumas palavras impercetíveis por estar a comer ao mesmo tempo que fala] Desculpem… É uma palavra muito complicada para mina.

Winston: [risos] Essa regulamentação cortou 25% dos nossos lucros. Sim, foram tempos difíceis para nós, mas... hum... juntos conseguimos superar. Não foi?

Clementine: Pois conseguimos. E ainda nos amamos. Um brinde!

Winston: Ah… hum... ao amor!

Clementine: Ao amor!

Ao amor, pois. E se estiverem a questionar-se sobre a razão do título do filme, a resposta vem logo no início, quando o jurado de um casting de modelos masculinos faz um pedido a um dos candidatos: «Consegue relaxar o seu triângulo da tristeza? Tipo aqui, entre as suas sobrancelhas? Um pouco mais. Isso. E abra a boca, para que possa parecer um pouco mais disponível. Bom, também não é preciso tanto; um bocadinho menos.» 

Assim está bem? ☹

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