O euro está a registar uma desvalorização acentuada face ao dólar nas últimas sessões, refletindo a alteração de perspetivas para a evolução das taxas de juro e da economia nos dois lados do Atlântico. A moeda europeia desvaloriza perto de 3% em outubro, transaciona em mínimos de agosto já perto de quebrar em baixa a fasquia dos 1,08 dólares e cada vez mais longe do pico do ano fixado há dois meses nos 1,12 dólares.
A negociação no mercado cambial é condicionada sobretudo pelas variáveis da política monetária e dos indicadores de atividade económica, pelo que é provável que esta debilidade do euro se mantenha nas próximas semanas.
Enquanto na Zona Euro as perspetivas para a economia são sombrias, nos Estados Unidos os sinais continuam positivos. A forte subida da taxa de desemprego em julho ainda fez acordar o fantasma da recessão, mas os indicadores revelados entretanto confirmam que a maior economia do mundo continua robusta e de boa saúde. O mercado de trabalho norte-americano está a abrandar, mas de forma controlada, sendo que a contração do PIB é algo que não está agora no horizonte de curto prazo.
O mesmo não se pode dizer da Zona Euro. A maior economia da região continua fraca e as previsões do governo germânico apontam para que 2024 seja o segundo ano consecutivo de quebra no PIB. França não está muito melhor, com a segunda maior economia da Zona Euro a braços com uma grave crise orçamental que obrigou o Governo gaulês a avançar com medidas de austeridade que terá reflexos no crescimento económico. Défice orçamentais elevados e crescimentos económicos anémicos continuam a ser o destaque em Itália. Entre as maiores economias, só Espanha pode reclamar alguma evolução positiva.
As últimas projeções do FMI, publicadas esta semana, evidenciam o momento bem diferente nos dois lados do Atlântico. As estimativas para os EUA foram revistas em alta, com o FMI a ver o PIB crescer 2,8% este ano e 2,2% em 2025. As previsões para a Zona Euro foram revistas em baixa, com o PIB a crescer apenas 0,8% em 2024 e 1,2% no próximo.
Juros do BCE abaixo de 2,5% na Primavera
Com a inflação na Zona Euro a reforçar os sinais de que está controlada (já baixou da fasquia dos 2% em setembro), o Banco Central Europeu (BCE) está agora a dar maior atenção aos indicadores de atividade económica, para evitar uma recessão na região. Já baixou a taxa dos depósitos por três vezes, do máximo histórico de 4% para os atuais 3,25%.
A autoridade monetária sugeriu que não vai ficar por aqui e os economistas estão agora a apontar para cortes semelhantes de 25 pontos base em todas as próximas reuniões, com o objetivo de chegar (pelo menos) a uma taxa de juro neutral. A confirmarem-se estas previsões, a taxa dos depósitos vai fechar o ano nos 3%, baixará para 2,5% em março e chegará ao início da Primavera (17 de abril) já abaixo deste patamar. Os economistas mais pessimistas com a evolução da atividade económica já antecipam que a taxa de depósitos estará nos 2% quando chegar o Verão.
A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) também já iniciou o ciclo de alívio da política monetária, tendo até dado o tiro de partida com um surpreendente corte de 50 pontos base. Contudo, a taxa de juro está num nível bem superior e os próximos cortes deverão ser mais contidos. Os economistas estimam que a taxa permaneça acima de 3% no final do próximo ano, numa redução de pouco mais de 1 ponto percentual face ao nível atual (4,75%-5,00%).
Mantendo as taxas de juro num patamar superior ao que se verifica na Zona Euro, os Estados Unidos reforçam a capacidade de atrair investimento devido à remuneração mais elevados dos títulos de taxa fixa, o que beneficia a sua moeda. O dólar também tira partido de outros fatores que jogam a favor da valorização da divisa. Dado ter um forte estatuto de reserva de valor e ativo de refúgio, o dólar beneficia com o agravamento das tensões geopolíticas. A proximidade das eleições nos Estados Unidos também potencia a moeda, pois o candidato republicano Donald Trump tem propostas que são favoráveis à valorização do dólar (protecionismo, tarifas, etc.).
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Bom ou mau?
Tal como a descida mais célere de juros do BCE, também a desvalorização do euro tem fatores positivos e negativos para os europeus. O alívio da política monetária representa um desenvolvimento favorável para as empresas e famílias com dívidas, pois vão baixar os seus custos de financiamento. Contudo, para as famílias aforradoras, esta baixa dos juros traduz-se numa diminuição do potencial do retorno das suas poupanças, sobretudo as que estão aplicadas em produtos de baixo risco.
Embora menos abrangentes, as movimentações no mercado cambial também podem ter impacto relevante no bolso das famílias e resultados das empresas. Os cinco tópicos descritos em baixo têm em consideração a desvalorização do euro face ao dólar, que é a tendência atual. Caso a situação se inverta, o efeito será o contrário. Embora não seja expetável atualmente, pode suceder se a economia norte-americana entrar numa espiral negativa de forma acelerada, ao mesmo tempo que a economia da Zona Euro começa a recuperar. O mais importante a reter é que as movimentações no mercado cambial, mesmo que pouco expressivas, têm impacto no dia a dia das empresas, famílias e outros agentes económicos, muitas vezes de forma quase invisível.
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Impulso às exportações
Começando pelas boas notícias, o efeito mais direto e evidente está na vantagem competitiva que traz às empresas da Zona Euro que vendem produtos e serviços para países fora da região. Quando as companhias convertem as receitas obtidas em dólares (ou outras moedas mais fortes) para euros, arrecadam um valor mais elevado somente devido ao efeito cambial. Podem também baixar os preços sem danificar as margens, para assim conquistar quota de mercado.
Um exemplo: se uma empresa vender 15 mil unidades de um produto a 50 dólares cada, arrecada 670 mil euros com uma taxa de câmbio EUR/USD de 1,12 dólares. Se o euro desvalorizar para 1,08 dólares, já encaixa 695 mil euros. Este ganho cambial de 25 mil dólares por ser utilizado para reforçar os resultados, ou vender mais unidades através da baixa de preços sem penalizar as margens.
O impulso que é dado às exportadoras tem potencial para contaminar toda a economia de um país ou região, pois o aumento das vendas irá beneficiar as empresas fornecedoras e os todos os trabalhadores através de salários mais altos e mais emprego.
Turismo em alta
O turismo, que na prática é exportações de serviços, também é beneficiado com um euro fraco. Os preços ficam mais atrativos para os clientes no exterior, pelo que o potencial de as empresas atraírem mais turistas é elevado, sobretudo comparando com destinos onde a taxa de câmbio da moeda local está mais forte face ao dólar.
Sendo a economia portuguesa cada vez mais dependente das exportações, sobretudo do turismo, esta desvalorização do euro pode dar um impulso relevante à atividade económica nacional. O mesmo se pode dizer para outros países periféricos da Zona Euro, como Espanha e Grécia, onde o turismo tem um peso substancial no PIB.
Férias e compras mais dispendiosas
A debilidade do euro também tem o reverso da medalha, pois os produtos em dólares ficam mais caros. Se vai fazer uma viagem aos Estados Unidos e outros locais onde o dólar é a moeda relevante, o valor a pagar será mais elevado. O mesmo se pode dizer nas compras em sites de comércio eletrónico que funcionam em dólares. Um telemóvel de mil dólares custa 893 euros a uma família da Zona Euro com o EUR/USD a 1,12 dólares, ou 926 euros se a taxa de câmbio baixar para 1,08 dólares.
Combustíveis mais caros
O impacto nos preços dos combustíveis é ainda mais direto e neste caso não existe a opção de escolher outro destino para fazer férias ou site de outro país para efetuar compras. Como o petróleo e derivados são transacionados em dólares nos mercados financeiros, a valorização da moeda norte-americana face ao euro aumenta os preços dos combustíveis de forma quase imediata. O preço do barril de Brent até pode desvalorizar de 80 para 78 dólares, se o EUR/USD baixar de 1,12 para 1,08 dólares, para os europeus o barril aumenta de 71 para 72 euros.
Pressão na inflação
O BCE vê a desvalorização do euro com bons olhos porque reforça a atividade económica da Zona Euro. Mas também representa uma ameaça aquele que é o principal mandato do banco central: estabilidade dos preços. Como já se descreveu em cima, se os preços dos produtos exportados ficam mais atrativos, os produtos importados ficam mais caros. Se as empresas gastarem mais na aquisição da mesma quantidade de produtos e serviços em dólares, vão refletir este aumento de custos no valor final dos bens e serviços que cobram aos seus clientes.
A menos que se verifica uma alteração muito acentuada na taxa de câmbio, a depreciação do euro não representará um revés que leve o BCE a abrandar ou suspender o ciclo de alívio das taxas de juro. Até porque se a economia continuar a evoluir de forma débil, a pressão da procura nos preços também será mais baixa. De qualquer forma, é uma variável a monitorizar com atenção pelo BCE.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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