Outubro trouxe consigo chuvas intensas e ventos fortes, que causaram estragos em várias localidades do país, com diversos relatos a chegarem às autoridades sobre os danos provocados pelas intempéries. Paralelamente, é comum nesta altura do ano ouvirmos alguém dizer que tem um problema de infiltrações na sua fração com origem na cobertura de um prédio. Este fenómeno não só afeta a qualidade de vida dos residentes, como pode também, em muitos casos, comprometer a própria estrutura dos edifícios. Neste tipo de situações é crucial saber como agir.
Tendo em conta que a maior parte da população portuguesa reside em prédios em regime de propriedade horizontal, onde, regra geral, os fundos de maneio são escassos e por vezes existem até dívidas de condóminos, quem mais sofre são os proprietários das frações superiores, onde maioritariamente se fazem notar as extensões deste tipo de danos. Nesse sentido, analisamos os procedimentos que devem ser adotados pelos proprietários de frações em prédios em regime de propriedade horizontal quando confrontados com este tipo de situações.
Desde logo, por forma a enquadrar juridicamente o presente tema, o regime legal aplicável aos prédios constituídos em propriedade horizontal consta dos artigos 1414º e seguintes do Código Civil. Nesse âmbito, importa salientar que o artigo 1421.º determina que, entre outras, “O telhado ou terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração (…)” (n.º 1 alínea b)) são parte integrante das zonas comuns do edifício, ou seja, em qualquer circunstância a cobertura de um edifício é sempre considerada uma parte comum do mesmo e, nessa medida, a sua manutenção e reparação recairá sempre na alçada do condomínio com o seu custo a ser imputado a todas as frações na proporção e permilagem que cada uma tenha no título constitutivo da propriedade horizontal.
Posto isto, a primeira recomendação passa naturalmente pela correta identificação da origem do dano e sendo este efetivamente proveniente de uma zona comum do edifício, constitui-se a necessidade de promover uma qualquer obra de manutenção, melhoria ou reparação das partes comuns, devendo para esse efeito o(s) condómino(s) interessado(s) dirigir essa pretensão à administração do condomínio que, por sua vez, tem o dever de agir prontamente e deverá contratar serviços de diagnóstico para confirmar o dano, a causa e o tipo e extensão de intervenção a realizar e, posteriormente, deverá obter orçamentos distintos para essa obra, os quais deverão ser objeto de discussão, eleição e aprovação em Assembleia de Condomínio convocada para o efeito.
No entanto, é frequente que a administração do condomínio não atue com a diligência e rapidez necessárias. Nesses casos, e quando as infiltrações prejudicam a fração de um ou mais condóminos, pode ser alegada a urgência da obra.
Entende-se que uma infiltração, na maioria dos casos, constitui uma circunstância que justifica uma obra urgente em que, dada a sua natureza, e face à inação da administração do condomínio, o artigo 1427.º do Código Civil prevê que qualquer condómino possa realizar, por sua conta, as obras urgentes, e posteriormente exigir o reembolso das mesmas ao condomínio. Contudo, para não correr o risco de recusa desse reembolso pelo condomínio, convirá seguir à risca um caminho que deixará poucas ou nenhumas hipóteses de recusa ou defesa por parte da administração do condomínio.
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Passos recomendados para assegurar o reembolso
Documentação
O primeiro passo prende-se necessariamente com a necessidade de documentar a existência dos danos, sendo aconselhável que o condómino registe exaustivamente e documente exaustivamente os danos, tanto quanto possível, através de fotografias e/ou vídeos, quer da cobertura do edifício, quer do interior da fração afetada.
Interpelação à Administração do Condomínio
Com base neste registo, deverá em seguida ser remetida uma carta à administração do condomínio a dar conhecimento da existência do problema e deve igualmente estabelecer-se um prazo (necessariamente curto, tendo em consideração a urgência da situação) para que a administração do condomínio possa solicitar a uma empresa especializada um relatório técnico com o diagnóstico da situação existente de onde constem quais as obras ou medidas corretivas aconselhadas para reparar e resolver a infiltração.
Fase de Diagnóstico
No caso de a administração do condomínio não atuar no tempo devido nem providenciar resposta em tempo útil, aconselha-se então ao(s) condómino(s) afetado(s) pela infiltração a contratar(em) diretamente esse serviço de diagnóstico, cujo custo poderá ser também imputado e reclamado ao condomínio. Na posse do resultado desse diagnóstico, deverá a administração do condomínio ser interpelada novamente para que possa obter orçamentos para a realização da obra aconselhada de reparação e resolução do problema existente, seja nas suas causas como nos seus efeitos.
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Orçamentos
O condómino pode igualmente providenciar dois ou mais orçamentos para a realização das obras referidas no relatório técnico, para assim garantir que a intervenção seja realizada com maior celeridade.
Assembleia Extraordinária
Na eventualidade de não ser a própria administração de condomínio a agendar uma assembleia geral de condóminos, podem e devem os condóminos afetados submeter à administração os orçamentos por si obtidos, solicitando que, face à urgência da circunstância e sem necessidade de juntar um quórum mínimo, seja convocada uma assembleia de condomínio com a maior brevidade possível com vista à análise, discussão, aprovação e consequente adjudicação de um dos orçamentos da obra urgente.
Execução da Obra
Se por qualquer eventualidade a obra não for aprovada em assembleia, ou se a administração não convocar a reunião, pode o condómino(s) afetado(s) adjudicar a obra à empresa que tenha apresentado o orçamento mais eficiente, dando ainda assim, à administração do condomínio a possibilidade de esta assumir desde logo a posição de dono de obra nessa empreitada.
Não assumindo o condomínio a posição de dono de obra, poderá, então, o condómino(s) afetado(s), promover a obra, devendo para o efeito suportar o custo da mesma e, posteriormente, exigir o reembolso dos montantes adiantados à administração do condomínio.
Reembolso e Via Judicial
Caso o condomínio não assuma voluntariamente a obrigação de pagamento, poderá o condómino(s) afetado(s), reclamar o pagamento do custo da obra e outras despesas documentadas.
Se o condomínio não assumir voluntariamente o ressarcimento dos custos, o condómino pode exigir o pagamento, primeiro extrajudicialmente, através de uma nova interpelação para o efeito dirigida à administração do condomínio e, em último caso, recorrer a tribunal, nos termos do artigo 1436.º do Código Civil.
De salientar que todas e quaisquer comunicações com a administração do condomínio devem ser realizadas por escrito e, sempre que possível, através de correio registado com aviso de receção. É ainda aconselhável que todo este processo seja acompanhado por advogado para minimizar ao máximo a possibilidade de defesa ou de recusa de pagamento por parte da administração do condomínio.
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Miguel Ramos Ascensão, Of Counsel na Antas da Cunha ECIJA & Associados SP RL., com mais de 20 anos de experiência na área Imobiliária onde foi reconhecido, em 2015, pela WWL como um dos advogados de referência em Portugal no direito Imobiliário e na assessoria em transações imobiliárias.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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