No âmbito da relação laboral, a aplicação de uma sanção disciplinar está dependente da verificação de requisitos objetivos e subjetivos, sendo imperativo a existência de um procedimento disciplinar.
Um caso prático
A foi contratado como comissário de bordo por B. Na nota de culpa, era-lhe imputado o seguinte comportamento:
“No dia 8/11/2023, estava hospedado num hotel, por conta de B, após um período de voo, iniciando o repouso que devia terminar pelas 5 horas do dia seguinte, uma vez que teria de comparecer no aeroporto cerca das 6h. Apesar disso, no período compreendido entre as 23 horas daquele dia 8 e as 5 horas do dia seguinte, A não dormiu, antes permaneceu no bar do hotel onde ingeriu pelo menos dois whiskies até às 3 horas do dia 9.
A foi identificado por vários hóspedes como comissário de bordo, tendo o seu comportamento sido objeto de crítica e comentário.” A veio a ser despedido em 18/1/2024.
Pronuncie-se quanto à licitude deste despedimento, bem como quanto aos meios de reação contra o despedimento ao dispor de A?
Resolução
No nosso caso prático, tínhamos um despedimento com justa causa por iniciativa do empregador (art.351.º/ss CT). Prescreve o art.338.º que é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou por motivos ideológicos. Estatuindo o art.351.º nº 1 a definição de justa causa, por sua vez, o nº 2 da mesma disposição legal, a título exemplificativo, concretiza alguns dos comportamentos do trabalhador que poderão constituir eventualmente justa causa de despedimento. Segundo doutrina e jurisprudência pacíficas, a existência de justa causa de despedimento, nos termos do citado preceito, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos.
- de natureza subjetiva traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
- de natureza objetiva que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
- a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
A justa causa de despedimento pressupõe uma ação ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito. Deveres esses, emergentes do vínculo contratual cuja observância é requerida pelo cumprimento da atividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa atividade se insere ou ainda pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato.
Sendo o despedimento a mais grave das sanções para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa, é necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral. A gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjetivo do empregador, devendo atender-se a critérios de razoabilidade considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o caráter das relações entre as partes e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Tanto a gravidade como a culpa devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face do caso concreto e segundo critérios de objetividade e razoabilidade. Sendo certo que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.
Cumpria perceber se, em face destes pressupostos, o comportamento de A constitui justa causa para despedimento. A verdade é que o comportamento de A é um comportamento culposo e grave, já que não dormiu e ainda passou a noite a ingerir bebidas alcoólicas sendo que exerce uma profissão de grande responsabilidade. Tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, parece inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da instabilidade do vínculo laboral. Para que haja despedimento, tem de haver um procedimento disciplinar sendo que o princípio determinante é o princípio da proporcionalidade da sanção disciplinar ao comportamento. Ou seja, sendo o despedimento um facto socialmente grave, porque lança o trabalhador no desemprego, a justa causa só deve operar quando o comportamento do trabalhador é de tal modo grave em si mesmo e nas suas consequências que não permite a manutenção da relação laboral, sendo que a sanção disciplinar deve ser sempre proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (art.330.º nº1 CT).
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Procedimento disciplinar
Para que o empregador possa aplicar uma sanção disciplinar ao empregador, é imperativo a existência de um procedimento disciplinar.
O prazo para o exercício do poder disciplinar está previsto no art.329.ºCT. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias após o conhecimento da infração por parte do empregador ou de um superior hierárquico. Se não forem cumpridos estes prazos, o despedimento será ilícito - remissão do art.329.º para o art.382.º nº1 CT - (consequência da inobservância dos prazos). Além do mais, nos termos do art.329.º nº 6 CT, a sanção não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador, podendo haver ainda lugar a inquérito prévio que serve para fundamentar a nota de culpa.
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Meios ao dispor de A para reagir
No decurso do procedimento, A teria ao seu dispor a resposta à nota de culpa (art.355.º CT). Se ainda assim, o procedimento terminar com o despedimento, poderá intentar uma ação de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento (art.98.ºB/ss do CPT). E poderia ainda ser intentado um procedimento cautelar de suspensão de despedimento (art.33.ºA/ss CPT).
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