O regime de transparência fiscal é uma norma para as empresas portuguesas. Saiba neste artigo como influência as suas vidas.
O que é o regime da transparência fiscal?
De forma simplificada, o chamado regime de transparência fiscal (“RTF”), previsto no artigo 6.º do Código do IRC, não é mais do que uma norma prevista no regime fiscal português que obriga à imputação aos sócios de certas sociedades da parte do lucro que lhes corresponder, nos termos do respectivo pacto social (ou em partes iguais, na falta de definição do mesmo), independentemente da distribuição desses mesmos lucros.
Ou seja, a matéria colectável apurada pela sociedade é imputada aos sócios independentemente de ter sido paga ou colocada à disposição qualquer importância.
Por outras palavras, o RTF caracteriza-se pelo facto de o lucro apurado pela sociedade que está abrangida nesse regime não ser tributado na esfera desta, mas sim na esfera dos seus sócios.
Não obstante este regime especial de tributação, as sociedades abrangidas pelo RTF estão sujeitas às diversas obrigações fiscais e contabilísticas a que estão obrigadas todas as empresas. Nomeadamente de possuir contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística vigente e de entrega das diversas declarações fiscais (declaração periódica de rendimentos modelo 22, Informação Empresarial Simplificada (“IES”), Modelo 10, etc.).
Importa também salientar, pela sua relevância, de que este regime de tributação é de aplicação obrigatória para todas as sociedades que caiam no respectivo âmbito de aplicação.
De facto, com o RTF, exercer uma actividade profissional em nome individual ou exercer essa mesma actividade profissional através de pessoa colectiva torna-se inócuo do ponto de vista da tributação.
De referir ainda que este regime é igualmente aplicável aos agrupamentos complementares de empresas (“ACE”) e aos agrupamentos europeus de interesse económico (“AEIE”).
Qual o objetivo do regime de transparência fiscal?
O RTF foi instituído em Portugal aquando da entrada em vigor do Código do IRC, na década de 80, em particular com o objectivo de aproximar as nossas regras no domínio da fiscalidade às regras existentes na Comunidade Económica e Europeia, onde este regime já vigorava em alguns países.
Com efeito, um dos objetivos do regime de transparência fiscal em Portugal é a de evitar que a forma de tributação condicione a forma como os agentes económicos estabelecem a sua actividade.
Em termos gerais, o objectivo da introdução deste regime foi:
- A Neutralidade fiscal;
- O combate à evasão fiscal;
- A eliminação da Dupla Tributação Económica.
De uma forma muito resumida, o primeiro conceito relaciona-se com a ideia de que rendimentos idênticos devem originar uma tributação idêntica. No fundo, parte do princípio-padrão de que as pessoas singulares são as únicas que têm capacidade contributiva e, por isso, devem ser consideradas as grandes protagonistas de qualquer sistema fiscal.
A segunda ideia subjacente à criação do RTF prende-se com a preocupação do legislador em criar normas anti-abuso para evitar a criação de sociedades apenas com o intuito de afastar dos seus sócios a tributação sobre o rendimento, transferindo-a dessa forma para o rendimento da sociedade, por se revelar mais vantajosa.
Por fim, o RTF impede que o rendimento das sociedades seja tributado em sede de IRC, imputando-o antes aos sócios que as compõem e tributando-o na respectiva esfera individual. Pelo que assim se garante que a tributação desse rendimento ocorre uma só vez (eliminação da Dupla Tributação Económica).
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A quem se aplica?
O RTF é aplicável a:
- Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
- Sociedades de profissionais;
- Sociedades de simples administração de bens detidas por grupos familiares ou cujo capital social pertença a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.
Considera-se as Sociedades civis não constituídas sob forma comercial de sociedades que não poderão ter como objetivo social a prática de actos de comércio, pese embora possam ter finalidade lucrativa (a definição da mesma pode ser consultada no artigo 980.º do Código Civil)
Sociedades profissionais
Já as Sociedades de profissionais são "constituídas para o exercício de uma actividade profissional especificamente prevista na lista de actividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS. Falamos, por exemplo, de Arquitectos, Massagistas ou Escultores, entre muitos outros, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade. Ou então as sociedades cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de actividades profissionais previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS. Desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público e, pelo menos, 75% do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas actividades, total ou parcialmente, através da sociedade.
Exemplificando, imaginemos uma sociedade de massagistas, com cinco sócios, todos massagistas, todos a exercer na sociedade, onde 100% dos rendimentos provêem da prestação de massagens. Esta sociedade ficaria claramente abrangida pelo RTF, e logo sujeita às suas regras específicas.
Sociedades de simples administração de bens detidas por grupos familiares
Por fim, falamos das Sociedades de simples administração de bens detidas por grupos familiares ou cujo capital social pertença a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público. Estas são as sociedades que limitam a sua actividade à administração de bens ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquelas que conjuntamente exerçam outras actividades e cujos rendimentos relativos a esses bens ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos.
Neste conceito, ficam excluídas as denominadas SGPS (Sociedades Gestoras de Participações Sociais), as quais se regem por um regime próprio.
Quanto à interpretação a dar ao conceito de “simples administração de bens”, defende a doutrina que "(…) a prestação de serviços designadamente, a nível de limpeza das partes comuns, telefones, iluminação, escadas rolantes, elevadores, etc., não é compatível com a simples administração de bens ou valores" (Parecer n.º 33/89 do Centro de Estudos Fiscais), pelo que uma empresa que preste este tipo de serviços – por exemplo, uma empresa de administração de condomínios – não estará abrangida pelo RTF.
Já no que respeita ao conceito de “grupo familiar”, entende-se como o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adopção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha recta ou colateral até ao 4.º grau, inclusive. Neste campo, irão cair muitas daquelas sociedades por quotas familiares que se constituíram para administrar um património herdado de Pais ou Avós.
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A distribuição de lucros por parte de uma sociedade abrangida pelo RTF é tributada?
Numa sociedade abrangida pelo RTF, a distribuição de lucros ou o adiantamento por conta de lucros não está sujeita a retenção na fonte.
Neste sentido, os sócios poderão fazer retiradas de dinheiro durante o ano, a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, sem que se despolete a obrigação de retenção na fonte ao nível da sociedade, na medida em que esses lucros irão ser tributados na sua esfera, através da Declaração de Rendimentos de IRS (também conhecida por Modelo 3) dos sócios.
No entanto, se os adiantamentos efectuados ao longo do ano aos sócios forem superiores à matéria colectável da sociedade será esse montante a ser imputado ao IRS dos sócios. O que é o mesmo que dizer que se o valor auferido pelos sócios a título de adiantamento por conta de lucros for de montante superior ao resultado imputado, então, este prevalece sobre o primeiro.
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O Apuramento do resultado tributável ao nível da sociedade e critérios de imputação
As sociedades sujeitas ao RTF devem apurar a respectiva matéria colectável segundo os critérios gerais definidos no Código do IRC, i.e., tal como qualquer outro sujeito passivo (i.e., Empresa) desse imposto.
Assim, ao resultado contabilístico do período, obtido pela diferença entre rendimentos e ganhos e gastos e perdas, serão adicionadas e subtraídas, respectivamente, as variações patrimoniais positivas e negativas não reflectidas naquele resultado, e demais correcções resultantes do Código, determinando-se assim o resultado tributável (lucro tributável ou prejuízo tributável).
A esse resultado tributável apurado pela sociedade serão deduzidos os prejuízos fiscais nas condições previstas no artigo 52.º do Código do IRC e eventuais benefícios fiscais que operem por dedução ao resultado tributável, obtendo-se assim a matéria colectável.
É o montante assim apurado que será imputado aos sócios, caso seja positivo. No entanto, caso seja negativo, os resultados apurados não são imputados na esfera dos respectivos sócios, apesar de esses prejuízos poderem ser deduzidos aos lucros tributáveis de períodos de tributação futuros, com os limites quantitativos e temporais previstos no Código do IRC para as empresas no geral.
Já o tratamento aplicável aos ACE e AEIE difere substancialmente do anteriormente explicitado, uma vez que os resultados negativos são, neste caso, imputados aos respectivos sócios.
Como calcular os rendimentos a imputar aos sócios no âmbito do RTF?
Tratando-se de sócios ou membros pessoas singulares, o rendimento a imputar é considerado como rendimento líquido da categoria B do IRS, pelo que será englobado conjuntamente com os rendimentos das restantes categorias e tributado de acordo com o a respectiva situação tributária de cada sócio.
No caso de sócios que sejam pessoas colectivas, o rendimento a imputar será tratado como um rendimento tributável sujeito a IRC às taxas em vigor previstas no Código deste imposto.
Como declarar às Finanças os rendimentos imputados no âmbito do RTF?
Os rendimentos a imputar no âmbito do RTF devem ser declarados no Anexo D da Declaração Modelo 3 dos sócios, sendo que a sociedade abrangida pelo RTF terá de entregar o Anexo G (Regimes especiais – sociedades e outras entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal) da IES.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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