Mudanças inesperadas na vida podem alterar todo o contexto relativamente ao momento em que pediu o crédito. Temos o exemplo da crise económica ou até mesmo da crise pandémica. Estas situações podem levar a que muitas famílias sintam quebra nos seus rendimentos. Contudo, em muitos casos, as despesas continuam a cair na conta bancária.
Por isso é fundamental avaliar a sua situação financeira e perceber o que pode fazer para evitar cenários mais extremos.
O que é estar sobreendividado?
Uma pessoa sobreendividada tem despesas que superam os seus rendimentos. De forma simples, este é o significado de sobreendividamento. Há pessoas que estão nesta situação, mas que, de uma forma ou de outra, vão conseguindo contornar a situação e conseguem cumprir com os compromissos que assumiram (seja com credores, seja com fornecedores), e há outras pessoas que chegaram a uma situação limite em que já entraram em incumprimento.
Se está numa destas situações, saiba o que pode (e deve) fazer para conseguir recuperar a sua situação financeira.
Está com receio de entrar em incumprimento?
Se está a antecipar problemas num futuro próximo, não espere que eles se materializem. Ponha em prática as várias dicas que surgem mais abaixo e entre em contacto com as instituições financeiras com quem tem crédito as decorrer.
Atualmente tem mecanismos que garantem que as instituições o ouvem e analisam a sua situação. Se alertar o banco sobre a possibilidade de entrar em incumprimento, a instituição tem o dever de apresentar um plano de ação para o risco de incumprimento (PARI). Este instrumento está à disposição dos clientes em situações que antecedem a entrada em incumprimento.
E, tal como já referido anteriormente, renegoceie tudo o que é contrato. Antecipe-se aos problemas e não deixe que a situação se complique.
Já entrou em incumprimento?
Se já está em incumprimento a sua situação é mais complicada. Mas não é impossível de resolver. Contudo, não pode adiar mais, tem de agir e já!
Nestas situações há um outro instrumento, que é o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), que tem o objetivo de obrigar clientes e instituições a negociarem soluções que permitam que os clientes saldem as suas dívidas, evitando o recurso ao tribunal. Nestes casos, as instituições, desde que considerem que o cliente tem capacidade para pagar, têm de apresentar uma ou mais soluções para que os clientes consigam regularizar as suas dívidas.
Saiba ainda que, se a sua situação é já de incumprimento, há algumas medidas, como transferir crédito para outras entidades, que não são uma opção. Terá de resolver os problemas diretamente com as instituições com quem tem esses financiamentos. Ainda assim, há uma séria de medidas que pode pôr em prática de forma a resolver a sua situação financeira o mais depressa possível.
Renegoceie contratos
A maioria das famílias tem vários contratos a decorrer, que vão desde os serviços básicos, como a água, a luz e o gás, passando pelas telecomunicações, pelos créditos e pelos seguros. E muitas famílias terão ainda outros serviços contratados.
De todas estas despesas identificadas acima, poucas não podem ser revistas. Vai precisar de ter paciência e, em algumas situações, ser perseverante, mas não perca o entusiasmo. No final, vai sentir um alívio financeiro significativo.
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Contrato de energia
Comece por avaliar quanto paga de eletricidade e qual a tarifa que tem contratada? E tem o melhor fornecedor de eletricidade? Será que não há no mercado soluções melhores para o seu caso? A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) tem um simulador de eletricidade que poderá ajudar a perceber qual a melhor opção para o seu consumo. Pode ainda alargar estas simulações e comparar os preços de gás natural ou de uma oferta integrada (gás e eletricidade).
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Contrato de telecomunicações
A escolha do pacote de telecomunicações tem a capacidade de lhe poupar algum dinheiro. Quantas pessoas, do seu agregado familiar, têm telemóvel? E quanto paga mensalmente por estas telecomunicações? E tem televisão (com canais que nunca mais acabam) e internet?
Se tem tudo isto, já aderiu a um pacote completo que lhe garante todos estes serviços? Se ainda não tem pegue no telefone e tente negociar com a sua operadora, ou com a operadora do lado. Negoceie, avalie as propostas que lhe apresentam e renegoceie. Nada como ter mais do que uma oferta para ter mais força perante um fornecedor. Terá de ter em conta se está no período de fidelização, mas, mesmo que esteja, comece já a avaliar soluções.
Subscrição de serviços de streaming
Muitas são as famílias que subscreveram plataformas de streaming. Netflix, Spotify, HBO, Amazon, Diney, são apenas alguns exemplos. Mas há muitas ofertas. Estas despesas estarão entre as mais fáceis de cortar numa situação mais difícil. Dependendo da sua situação financeira até pode não precisar de eliminar por completo estes gastos. Já pensou em dividir estes encargos com outras pessoas? Há plataformas que têm pacotes que permitem que mais do que uma pessoa aceda ao mesmo tempo, o que pode ser a solução ideal para manter o serviço e reduzir os encargos.
Crédito habitação
Um dos encargos mais avultados de uma família é a casa. Se tem um crédito habitação, saiba que pode (e deve!) renegociar as condições com alguma regularidade. Comece por contactar o seu banco e questione se as condições podem ser revistas. Avalie tudo: o spread, mas também produtos associados, como os seguros.
Se, ainda assim, não ficar satisfeito com as condições que o seu banco lhe apresentar, peça propostas à concorrência. Se lhe oferecerem melhores condições noutra instituição pode transferir o seu crédito. Se esta for a solução, tenha apenas em atenção que para pôr fim à sua relação com o banco terá de pagar uma comissão por reembolso antecipado (0,5% do valor em dívida se o contrato estiver indexado a uma taxa variável - Euribor -, ou de 2% do valor em dívida se tiver uma taxa fixa). Contudo, há instituições que, para captarem novos clientes, assumem estes custos (ou parte deles). É uma questão de perguntar.
Para ter uma noção do que pode conseguir, só através da revisão das condições do seu crédito habitação, imagine que tem um financiamento de 100 mil euros, com um spread de 1,5%, e que ainda tem cerca de 20 anos para concluir o contrato de crédito. Neste caso terá uma prestação de 466 euros (se o contrato estiver indexado a uma taxa Euribor). A revisão do spread para 1,1% reduz a prestação em mais de 18 euros. Ao longo de um ano são mais de 200 euros que ficam na sua conta.
E aqui estamos apenas a avaliar a alteração do spread, porque é possível que consiga outras reduções, nomeadamente no que aos seguros diz respeito. Faça simulações da sua situação. Veja quais são as condições que estão a ser anunciadas pelos bancos e perceba qual o impacto que pode ter no seu orçamento. Use a Calculadora de Transferência de Crédito Habitação e veja qual pode ser a redução dos seus encargos.
Contratos de seguros
Quantos seguros está a pagar atualmente? E quais são as suas coberturas? Se não sabe responder as estas perguntas tem de encontrar as respostas. Porque, dependendo das respostas, pode conseguir reduzir os seus encargos de forma considerável.
No caso dos seguros associados ao crédito habitação, há quanto tempo os subscreveu e há quanto tempo não os revê? E estes seguros foram contratados através do banco que financiou a compra da casa ou através de outra entidade? No caso dos seguros da casa, saiba que é possível renegociá-los mesmo que o contrato de financiamento esteja a decorrer. E também é possível transferir os seguros para outra seguradora. Mais uma vez, faça uma análise do que está a ser praticado no mercado e faça contas. Até é possível que se os seguros estiverem associados ao crédito à habitação e decidir transferi-los para outra entidade sinta uma subida da prestação da casa, devido ao aumento do spread. Mas não desista logo. Mais uma vez faça contas e perceba se, mesmo assim, não compensa.
Para ter uma noção do que pode significar transferir os seguros do seu crédito habitação, conheça o caso da família Rodrigues (nome fictício), que comprou casa e subscreveu os seguros no banco que financiou a operação. Esta família pagava 93 euros por mês nos seguros associados à casa. Depois de fazer algumas simulações, perceberam que compensava mudar o seguro. Resultado: os seguros passaram a representar uma mensalidade de 43,83 euros, o que representou uma poupança de 49,17 euros por mês. Por outro lado, a família perdeu a bonificação que tinha no spread do crédito habitação. Assim, a taxa aumentou em 0,5% para 1,7%, o que, neste caso, correspondeu a um aumento de 8,86 euros na prestação, o que significa que, para esta família, mais do que compensou a mudança dos seguros para outra entidade. São estas contas que terá de fazer para perceber se no seu caso compensa mudar os seguros ou não.
Além dos seguros da casa, é muito possível que tenha um carro, por isso também tem de ter um seguro automóvel. É possível que tenha também um seguro de saúde, bem como outros. Todos estes seguros devem ser revistos, analisados e renegociados.
Tem algum cartão de crédito? É possível que o seu cartão de crédito tenha alguns seguros associados, por isso, confirme tudo o que tem, para depois poder eliminar o que tem em duplicado ou o que já não faz sentido manter. Analise tudo a fundo. Há coberturas que pagamos nos seguros de saúde, por exemplo, que fazem sentido em determinadas alturas da nossa vida, mas que não fazem noutras. E essa revisão pode implicar poupanças consideráveis.
Os encargos com os seguros podem ser avultados. Mas não os elimine de forma cega, porque pode tomar uma decisão que lhe vai gerar uma poupança imediata e um encargo muito avultado no futuro. Pese todos os prós e contra.
Ainda no que aos seguros diz respeito, deixamos aqui uma dica extra: se tem vários seguros negoceie em pacote.
Leia ainda: Poupar nos seguros? 11 dicas que podem ajudar a sua carteira
Consolidação de créditos
Outra solução que lhe permitirá reduzir os seus encargos é a consolidação de créditos. Esta opção está disponível para todas as pessoas que tenham mais do que um crédito e que não tenha entrado em incumprimento.
Quantos créditos tem o seu agregado familiar, entre automóvel, cartões de crédito, cartões de fidelização e créditos pessoais? Uma forma de "arrumar" a casa é contrair um crédito que permita pôr fim a todos os outros créditos, ficando apenas com uma única prestação. Na maior parte das vezes conseguem-se condições melhores do que a média de todos os créditos. Peça simulações e avalie esta solução.
Para ter uma ideia do que pode representar uma consolidação de crédito, a família Gonçalves (nome fictício) recorreu ao Doutor Finanças para consolidar os seus créditos. À chegada tinha um encargo total de quase 1.300 euros. Após a consolidação de crédito esta família passou a ter um encargo mensal de quase 530 euros. A poupança mensal superou os 700 euros. Claro que a dimensão da poupança vai depender do nível de endividamento de cada pessoa. Mas, seja qual for a sua situação, se tiver mais do que um crédito a decorrer, avalie as vantagens e desvantagens do crédito consolidado e perceba se esta pode ser a solução para o seu caso.
Soluções extremas para reduzir os encargos com créditos
Se está numa situação limite, saiba que soluções podem estar à sua disposição para reduzir os encargos de forma imediata. Antes de avançar para alguma delas, deve ter em atenção duas questões: estas soluções têm de ter a aprovação da instituição financeira com quem contratos de crédito a decorrer, e qualquer uma delas torna o custo final do crédito mais elevado. Ainda assim, pode ser a solução para evitar que entre em incumprimento ou que, já tendo entrado em incumprimento, consiga regularizar as suas dívidas.
Aumente o prazo do contrato
Prolongar o período do contrato pode ser a solução para reduzir os seus encargos de forma imediata. Imagine que tem uma dívida de 100 mil euros, de um crédito habitação, que ainda vai decorrer por mais 250 meses e que conta com um spread de 1,3%. Este empréstimo corresponde a uma prestação de 456,82 euros. Se aumentar o prazo do contrato em 50 meses, para 300 meses, vai sentir uma redução superior a 65 euros. Isto apenas alterando o prazo do contrato. Neste caso, deverá ter em consideração que a fatura total dos juros passará de 14 mil euros para mais de 17 mil. Esta é a "contrapartida" de aumentar o prazo do empréstimo.
Carência de capital
Esta é uma solução que existe há muito tempo e que é igual às conhecidas moratórias. A carência de capital é uma solução que permite adiar o pagamento do crédito, seja a parte do capital, seja dos juros. Mais uma vez, esta é uma solução que só pode ser aplicada se o banco concordar. E que é disponibilizada a clientes que revelem problemas financeiros, mas com perspetivas de recuperarem.
Na prática, com a carência de capital permite que um cliente suspenda o pagamento das prestações de crédito, durante um período. Por regra, as instituições financeiras permitem que um cliente beneficie desta solução durante um período entre 6 e 24 meses. Mas, claro, dependerá sempre da situação do cliente. Esta opção dá algum tempo aos clientes para recuperarem a estabilidade financeira e conseguirem voltar a cumprir com os seus compromissos.
Leia ainda: Carência de capital: o que é e como pode representar um alívio financeiro
Diferimento de capital
Esta é uma solução que permite reduzir o encargo imediato com o crédito. Ainda assim, implica que deixe para o final do contrato uma parte significativa do empréstimo.
Neste caso, se está a prever problemas financeiros, fale com o seu banco e avaliem a possibilidade de deixar para o fim uma fatia do seu empréstimo. Há uns anos (antes da última crise financeira) alguns bancos tinham produtos de crédito habitação, mais direcionados para os jovens, que contemplavam o diferimento de capital, permitindo que os clientes pagassem menos no imediato, deixando para o fim um valor significativo do empréstimo. Esta solução estava desenhada a pensar nos mais jovens, que estavam a começar a sua vida profissional.
Atualmente já não ouvimos falar deste tipo de produtos, mas a solução continua a existir e que pode ser considerada num período de maiores dificuldades financeiras.
Claro, que como há uma parcela significativa que fica para pagar só no final, o custo do empréstimo é mais elevado.
Como evitar entrar em incumprimento?
A primeira coisa a fazer é ter plena noção do estado das suas finanças. Este tem de ser o seu primeiro passo. Terá de apontar todas as suas despesas. E a seguir poderá agir de forma a voltar a ter as rédeas do seu orçamento.
Por mais complicado que possa pensar que é fazer um orçamento, na verdade é algo que pode ser muito simples. Não precisa de perceber de excel, nem ter aplicações complicadas (e que custam dinheiro). Tudo o que precisa é de uma folha de papel.
Aponte tudo o que são despesas (e não, não pode apenas anotar os grandes encargos, tem de apontar tudo, mesmo aqueles cafezinhos que toma fora de casa) e tudo o que são rendimentos.
Depois de perceber qual a real situação da sua carteira estará preparado para fazer o que é preciso. Quais são as suas despesas? Comece por rever as despesas que lhe provocam menos dor. Esta será a estratégia mais fácil. Pelo menos para começar.
Avalie a sua taxa de esforço
Um dos indicadores relevantes para perceber qual o estado das suas finanças é a sua taxa de esforço. Sabe qual é a sua?
A taxa de esforço é o valor das suas despesas com créditos face aos seus rendimentos. Ou seja, se ganha 1.000 euros por mês e as prestações de crédito ascendem a 600 euros, a sua taxa de esforço é de 60%. E se este for o seu caso, é urgente que reduza esta percentagem. O recomendado é que os seus encargos com os créditos não superem os 30% dos seus rendimentos. Este é o limite ideal, para que fique com margem financeira para algum contratempo.
Ainda assim, as instituições de crédito poderão aprovar financiamentos que, no conjunto de todas as suas obrigações financeiras, correspondam até 50% dos seus rendimentos líquidos. Contudo, recomenda-se que tome decisões que limitem ao mínimo este patamar.
Se tem dúvidas sobre qual a sua situação recorra ao simulador de taxa de esforço e avalie a sua situação. E, neste caso, se está a beneficiar de alguma moratória de crédito ignore-a para fazer estes cálculos. Preencha os valores como se não estivesse com moratória ativa. Desta forma, terá uma noção exata de qual é a sua situação financeira e do que poderá ter de fazer para se antecipar ao fim da moratória, evitando uma situação de incumprimento.
Peça ajuda!
Independentemente da situação em que se encontra, se tem dúvidas ou se não sabe o que pode fazer peça ajuda. Fale com o seu banco e procure soluções alternativas. A única coisa que não pode fazer é deixar que a situação se complique. É possível que tenha de tomar decisões que lhe vão custar, como ter de abdicar de algumas coisas. Mas pense que é algo temporário, até que consiga recuperar a sua estabilidade financeira.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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