Quando ouvimos falar de bancos centrais, nem sempre temos a noção da importância que as decisões e declarações dos seus responsáveis têm nas nossas vidas. São entidades "distantes", mas que acabam por ter um papel determinante no nosso dia a dia.
Os principais bancos centrais do mundo são a FED ( Reserva Federal Americana), o BCE (Banco Central Europeu), o BOJ (Banco Central do Japão), o BOE (Banco Central do Reino Unido) e o PBOC (Banco Central da Republica Popular da China).
Duas das principais funções dos bancos centrais passam pela estabilização dos preços (controlo da inflação) e criação de condições para que a taxa de desemprego seja reduzida.
O bê-à-bá do investimento
Os bancos centrais têm ferramentas que permitem ir ao encontro dos seus objetivos a cada momento. Por exemplo, no ano de 2020 com o surgimento do Covid-19 e com o confinamento geral, assistimos a uma convergência de política monetária global, que passou pela redução das taxas de referência para zero ou próximo de zero. Ou seja, os bancos centrais, cada um no seu "território", implementaram medidas que tinham como objetivo apoiar as economias dos países.
A decisão de descer as taxas de juro de referência para zero ou próximo, teve um impacto direto nas nossas vidas. E em dois eixos fundamentais: poupança e crédito. Ao longo dos últimos anos, mas especialmente em 2020, verificámos que as taxas de retorno dos depósitos a prazo convergiram para zero, sendo uma repercussão da política monetária implementada pelo BCE. Por outro lado, verificámos que a prestação que pagamos do crédito a habitação também baixou. Estes são dois exemplos da forma como o nosso dia a dia foi impactado pela política dos bancos centrais.
Queixamo-nos muitas vezes que os bancos já não pagam juros atrativos pelos nossos depósitos. E a justificação é esta: as taxas de juro de referência do BCE (que é a referência para a Zona Euro) estão há vários anos em níveis historicamente baixos. Logo, não se pagam juros atrativos pelas poupanças, mas também não cobram juros elevados por se emprestar dinheiro. Apesar de não nos queixarmos de termos juros no crédito baixos, a verdade é que as taxas praticadas nos depósitos e nos empréstimos costumam andar de mãos dadas.
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O objetivo dos bancos centrais
Mas afinal, qual é o objetivo que o Bancos Centrais pretendem alcançar reduzindo as taxas de referência?
Tendo em conta a forma como abruptamente o mundo parou, o objetivo dos bancos centrais foi criar condições para que as empresas e famílias tivessem capacidade para cumprir com as suas obrigações, reduzindo o peso dos compromissos financeiros. Complementarmente, os bancos centrais encetaram mais um programa de compra de ativos (compra de dívida dos Estados e de empresas – ver gráfico) de larga escala, com o objetivo de manter a estabilidade no mercado de capitais, garantindo que os Estados e empresas tinham a capacidade de ir ao mercado financiar-se em condições muito benéficas (garantindo liquidez).
E como é que estes programas de compra de ativos influenciam o mercado? O tema não é simples. Mas, simplificando, por um lado, quando os bancos centrais lançam estes programas estão a dar um sinal de que as taxas de juro vão manter-se baixas por mais tempo, Por outro lado, ao comprarem estas dívidas, os bancos centrais acabam por encorajar os bancos a concederem novos financiamentos. É como se os bancos ficassem com mais dinheiro para emprestarem.
Em conjunto, estas duas medidas (redução das taxas de referência + compra de ativos), permitiram que as empresas e os Estados se conseguissem financiar a custos muito reduzidos ou negativos, gerando liquidez para implementar políticas de crescimento económico ou que permitissem dinamizar a economia.
OS ATIVOS DETIDOS PELOS BANCOS CENTRAIS DESDE 2008:
Estas duas forma de intervir na economia (taxas de referência + compra de ativos) passam uma mensagem clara para a economia: tornar o “dinheiro barato”, incentivando o consumo ou investimento (reduzindo o incentivo à poupança). E isto para que o aumento do consumo possa gerar maior produção que, por sua vez, vai gerar mais emprego.
Em teoria, tudo parece fácil e bater certo. Na prática, surgem alguns obstáculos que devem ser geridos com perspicácia e como não existem medidas perfeitas, temos de estar sempre atentos aos efeitos secundários da “cura”.
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Contexto atual: Inflação
Depois de um confinamento geral, estamos a assistir a uma progressiva reabertura da economia. Importa realçar que ao longo do último ano, em função da maior parte das economias terem estado confinadas, a taxa de poupança aumentou substancialmente, uma vez que o consumo estava limitado. Com a reabertura, este cenário muda drasticamente. E é aqui que pode surgir o foco de instabilidade que os agentes económicos mais temem: a inflação!
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E, neste momento, os receios estão a ser fomentados por vários fatores. Se por um lado é expectável que se observe um aumento do consumo, por outro, o preço das matérias-primas tem vindo a aumentar, o que encarece os preços do produto final, Além disso, estamos a assistir a alguns problemas no transporte de bens e mercadorias de uma zonas do globo para outras, o que está a fazer com que a oferta de bens e produtos não acompanhe a procura de bens e serviços. De uma forma simples, se todos quisermos comprar um produto específico e a oferta desse produto for limitada, o preço do mesmo acabará por subir pela pressão dos compradores.
Conforme foi referido anteriormente, o papel dos bancos centrais é o controlo da inflação e a maximização do emprego. A questão é que as medidas implementadas para dinamizar a economia, a que se junta a política orçamental por parte dos Estados, nomeadamente através de apoios financeiros diretos à população, estão a ter como efeito secundário um aumento da inflação que já não assistíamos há, pelo menos, dez anos. E é aqui que residem as dúvidas dos Bancos Centrais.
Para controlarem a inflação, os bancos centrais têm de subir as taxas de referência. Mas se o fizerem, os custos de financiamento vão aumentar, podendo gerar um conjunto de falências que podem colocar em causa a recuperação económica.
Adicionalmente, assistimos ao aumento generalizado dos preços dos ativos financeiros (ações e obrigações), que estão assentes na liquidez fornecida pelos bancos centrais. Se os bancos centrais inverterem a atual politica monetária, com a redução dos programas de compras de ativos e o aumento de taxas de referência, também os mercados financeiros poderão ser muito afetados e podemos assistir a uma tempestade perfeita: queda abrupta dos mercados financeiros e degradação das condições de financiamento, a que se vai juntar um sentimento negativo por parte dos agentes económicos (que de uma forma prática somos todos nós: famílias, empresas, banca).
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Reações em cadeia
A constituição de uma carteira de investimento
Para se perceber melhor o impacto que as decisões dos bancos centrais podem ter na nossa vida, há umas semanas Janet Yellen (ex-presidente da FED e atual secretária do Tesouro Americano) referiu que as taxas de referência poderiam subir mais cedo que o esperado. Nesse dia, a reação dos mercados foi fortíssima, com os índices bolsistas a caírem 2% e 3%. Os investidores ouviram as palavras desta responsável e reagiram de forma imediata. De tal forma que, nesse mesmo dia, Janet Yellen acabou por "refazer" as suas declarações, tendo acalmado a reação dos mercados. Estas declarações podem ter sido um teste para perceber a reação que os mercados financeiros teriam, uma vez que com a experiência que Yellen tem, dificilmente iria cometer um erro de comunicação.
A realidade é que os Bancos Centrais estão cada vez mais reféns dos seus próprios mecanismos, chegando a um ponto em que terão de inverter as atuais politicas monetárias e “esvaziar” o balão dos estímulos. A “ressaca” poderá ser difícil de gerir, mas terá de ser concretizada e sobretudo bem comunicada.
Em termos práticos, torna-se importante e fundamental analisarmos as guidelines dos bancos centrais e os efeitos que poderão ter no caminho que a economia irá seguir, de forma a nos podermos posicionar para as oportunidades e obstáculos que irão surgir pela frente. Tudo o que é dito e escrito pelos responsáveis dos bancos centrais deve ser tido em consideração quando investimos, A maior parte das vezes, estes responsáveis vão preparando os investidores de forma a evitar movimentos mais brusco.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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