Os perfis profissionais do futuro precisam de ter uma elevada capacidade de aprendizagem, adaptação e flexibilidade para corresponder aos desafios de um mundo em constante mudança e evolução tecnológica. Os multipotenciais e os polímatas possuem estas características e podem ser uma mais-valia para as organizações, mas nem todas estão preparadas para os seus perfis curiosos e inquietos.
Ao analisar a nossa educação e a sociedade em que estamos inseridos, existe uma enorme pressão para seguir um caminho especializado. Na escola deve-se escolher uma vocação para poder avançar para um curso académico e posteriormente entrar no mercado de trabalho.
Nas escolhas profissionais, espera-se que o indivíduo construa uma carreira dentro de uma área na qual se especializa ao longo da vida, até ser o especialista daquele tema.
A própria Revolução Industrial traçou o caminho da hiperespecialização, no pressuposto de que, quanto mais profunda a especialização e o conhecimento numa área, mais facilmente se encontra um emprego.
O caminho da especialização é uma opção. Mas existe outra: o caminho da multiplicidade de interesses.
O que é a Multipotencialidade e a Polimatia?
Multipotencialidade é um termo educacional e psicológico que se refere às pessoas que têm tendência para desenvolver interesses em áreas distintas, em vez de se focarem apenas numa.
Multipotencialidade é a capacidade de selecionar e desenvolver qualquer número de opções de carreira por causa de uma grande variedade de interesses, aptidões e habilidades.
Frederickson & Rothney, 1972
O multipotencial (indivíduo com esta tendência) é o oposto de um especialista. Tem uma verdadeira necessidade de explorar interesses e curiosidades, e muita dificuldade em escolher apenas uma coisa. Dificuldade esta que se pode transformar em angústia e ansiedade.
No livro “Refuse to Choose!” a autora Barbara Sher fala das características do indivíduo multipotencial (designando este como scanner), e como pode utilizar todos os interesses, paixões e hobbies para construir a vida e a carreira dos seus sonhos.
Já Emilie Wapnick, inspirada por Barbara Sher, desmistifica na talk “Why some of us don’t have one true calling” o que é ser multipotencial e partilha o seu caminho de autodescoberta.
Emilie fala sobre a dificuldade em perceber qual era a sua vocação, a ansiedade por andar sempre a saltar de projeto em projeto e o sentimento de que algo estava errado consigo própria por querer muitas coisas e não conseguir identificar um propósito para a sua vida, tendo encontrado conforto na multipotencialidade para justificar esta necessidade de variedade.
Os multipotenciais são também designados de almas renascentistas.
Foi no período do Renascimento que nasceu a polimatia, ou seja, a capacidade que algumas pessoas têm de alcançar excelência em duas ou mais áreas de conhecimento, distintas entre si.
O polímata é um perito em vários domínios do conhecimento humano e contraria a tendência que se instalou desde a Revolução Industrial, segundo a qual se promove a especialização em vez da generalização.
Um exemplo histórico é Leonardo da Vinci que se destacou em vários campos das ciências e das artes, através das suas invenções.
Multipotencial e polímata, apesar de não serem conceitos novos, são dois perfis que estão a ganhar relevância no mercado de trabalho atual pela sua multiplicidade de interesses, surgindo como uma evolução social das gerações expostas ao excesso de informações.
A economia digital como impulsionadora de múltiplos interesses
A universidade espanhola Deusto Business School, em conjunto com a empresa 3M, especializada em inovação, investigou a importância deste fenómeno que terá impulsionado a civilização durante o Renascimento, e que emerge como um aspeto fundamental na era digital: a polimatia.
O estudo revela que, hoje em dia, “um polímata é um profissional com conhecimentos técnicos e humanísticos (ou empresariais ou científicos), uma mente flexível e a capacidade de contribuir com soluções criativas.”
O mercado do trabalho tem sido forçado a adaptar-se rápida e constantemente, graças à enorme competitividade e evolução tecnológica.
Contrariando o paradigma da hiperespecialização, os polímatas revelam talento e experiência em áreas muito distintas, assegurando, não só, grandes conhecimentos técnicos, mas também a “capacidade de compreender as necessidades da empresa e dos seus clientes, resolver problemas complexos, com pensamento crítico e capacidade de negociação, entre outras.”
Como exemplo, temos Elon Musk, doutorado em Física e economista, que junta a sua paixão pela tecnologia e pela ciência à sua capacidade para ser empresário.
A tecnologia permite ter acesso a uma diversidade de conhecimento, despertando a curiosidade e o interesse sobre diferentes assuntos, levando a que cada vez mais pessoas queiram prosseguir uma carreira múltipla, mais do que uma carreira especializada.
As características do perfil Multipotencial
Os indivíduos que possuem esta diversidade de interesses, aptidões e habilidades apresentam algumas características específicas como a curiosidade, o espírito inquisitivo e a inquietação.
São pessoas que procuram saber um pouco de tudo, mas não se especializam sobre cada tema (pois isso significaria desistir de tudo o resto), e que após a dedicação a um tema ou projeto, e passada a fase de novidade, movem-se para explorar outra descoberta.
Emilie Wapnick, após ter descoberto a multipotencialidade, identificou os três “super poderes” dos multipotenciais:
- Síntese de ideias – a capacidade de combinar um ou mais temas, ainda que improváveis, permite a criação de algo novo na interseção, gerando algo útil e inovador;
- Aprendizagem rápida – quando o multipotencial se interessa por um tema, procura saber tudo acerca do mesmo e aprende rapidamente pois consegue transferir muitas das suas capacidades entre áreas;
- Adaptabilidade – a capacidade de assumir diversos papéis em diferentes contextos, ou seja, de se transformar e ser flexível para responder às necessidades que existem em determinado ambiente em que se insere.
Características essenciais no mercado de trabalho atual que exige a rápida adaptação dos profissionais às constantes mudanças e evoluções tecnológicas.
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Os desafios e a pressão social
Como referido antes, a sociedade atual ainda é muito marcada pela especialização: estudar, trabalhar e desenvolver a carreira em uma área apenas.
Este é um dos principais desafios do perfil multipotencial: a escolha de um único caminho, o que vai totalmente contra a sua natureza curiosa e a sua necessidade de variedade e de constante descoberta.
O facto de não seguir o padrão da sociedade leva a que o indivíduo se sinta desintegrado, culpado por não saber qual a sua vocação, ansioso e rodeado de incertezas, levando à apatia, à falta de propósito e por vezes à depressão.
O multipotencial também sente que perde rapidamente o foco e que está constantemente a iniciar projetos, nem sempre os conseguindo finalizar.
Esta perda rápida de interesse tem a ver com a sua inquietação natural, pois após a fase de novidade sobre determinado tema, o indivíduo sente necessidade de avançar para outra descoberta.
Apesar de o indivíduo não se especializar, a sua alta capacidade de aprendizagem faz com que esteja constantemente a adquirir novas competências, muitas delas transferíveis para as oportunidades que decide explorar a seguir.
A paralisia por análise é outro dos desafios do multipotencial.
Se por um lado o indivíduo encontra satisfação numa vida pautada pela diversidade, por outro lado, fica bloqueado perante muitas opções, não conseguindo tomar uma decisão.
Este bloqueio deve-se ao medo de cometer erros e a uma tendência para o perfeccionismo, pelo que, limitar o número de opções e conter a curiosidade podem ser soluções para evitar a procrastinação.
A tomada de consciência de ter um perfil multipotencial é o primeiro passo para resolver alguns destes desafios e poder começar a construir uma carreira em que o indivíduo possa alavancar as suas capacidades.
A realização profissional numa carreira portefólio
A geração millennial é a primeira geração de nativos digitais e já reflete esta necessidade intrínseca de novas aprendizagens e mudança rápida de projetos.
Valoriza, acima de tudo, oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional e a garantia de que as suas capacidades estão sempre em constante desenvolvimento porque acredita que é a melhor forma para avançar na carreira.
Mudar de trabalho faz parte do desenvolvimento dos indivíduos desta geração, o que está a causar uma revolução na gestão de recursos humanos.
Começam assim a surgir modelos alternativos à carreira tradicional.
Ao invés de uma carreira única e linear, para estes perfis atípicos, a realização passa por uma carreira portefólio.
O autor e filósofo Charles Handy criou o conceito “portfolio life” em 1989, no seu livro “The Age of Unreason”, segundo o qual defende a reinvenção de carreiras como portefólios preenchidos com diferentes trabalhos e projetos.
Uma carreira portefólio é no fundo um estilo de vida profissional que permite explorar a multiplicidade de interesses e vivenciar diferentes talentos, afastando a rotina e o comodismo.
É um estilo de vida que permite que o indivíduo construa a sua própria carreira, assegurando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, explorando a criatividade e a curiosidade, e investindo na aprendizagem contínua para se manter atualizado em mais do que uma área.
A organização e disciplina são essenciais para assegurar os compromissos, assim como a capacidade para lidar com a incerteza e novos desafios.
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No fundo, este modelo vai ao encontro das necessidades e das características dos multipotenciais e dos polímatas, oferecendo a possibilidade de realização profissional que dificilmente encontram nas empresas mais conservadoras, já que muitas ainda não estão preparadas para lidar com estes perfis que têm uma vontade constante de aprender e de fazer coisas novas e diferentes.
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