O Banco Central Europeu (BCE) iniciou, em julho, o ciclo de agravamento das taxas de juro no âmbito do processo de normalização da política monetária. Foi a primeira subida em 11 anos, sendo que, aquele que foi o maior aumento desde 2000, fica ainda marcado por colocar um ponto final no período de sete anos de juros negativos na Zona Euro. A taxa dos depósitos subiu 50 pontos base (0,5 pontos percentuais) para 0%.
A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) iniciou o ciclo de subida de juros em março, com um aumento de 25 pontos base, seguido de uma subida de 50 pontos base em maio. O banco central norte-americano carregou no acelerador em junho, com um agravamento de 75 pontos base, que decidiu agora repetir no final de julho. Desde 1980 que a Fed não aumentava tanto os juros num espaço de tempo tão curto (150 pontos base em dois meses). A taxa de referência está atualmente entre 2,25% e 2,5%.
Esta agressividade dos bancos centrais está longe de ser um exclusivo do BCE e da Fed – mais de 80 autoridades monetárias já subiram os juros em todo o mundo este ano – e tem um motivo comum: o combate à forte subida dos preços. A inflação atingiu um recorde na Zona Euro em julho (8,9%), enquanto nos EUA situa-se em máximos de 40 anos (9,1% em junho).
Tendo em conta que a inflação teima em não dar sinais de abrandar e os responsáveis dos bancos centrais estão focados em contrariar a alta dos preços, à partida seria de esperar que os juros continuem a subir fortemente ao longo dos próximos meses.
Recessão complica vida dos bancos centrais
Sendo a subida de juros ainda a expectativa de muitos economistas, começa a ganhar força a perspetiva de que não será bem assim. Tudo porque a economia mundial está a acentuar os sinais de debilidade, elevando a probabilidade de uma recessão global já na segunda metade deste ano, ou o mais tardar em 2023. Apesar do foco no combate à inflação, os bancos centrais vão perder margem para continuar a subir os juros de forma agressiva.
A crise energética que se vive na Europa é mais um fator de pressão sobre a inflação, pois faz disparar os preços da energia. Mas se a Rússia fechar completamente a torneira do gás natural, será inevitável uma recessão na Alemanha e muito provável o racionamento de energia na maior economia europeia.
Irá o BCE subiu os juros de forma agressiva, no inverno, quando os alemães enfrentam um forte aumento do custo de vida e dificuldade para aquecer as suas casas? Também não será provável a Fed anunciar aumentos de 50 ou 75 pontos base nos juros se a maior economia do mundo estiver em recessão.
É um cenário difícil de antever, pelo que a janela dos bancos centrais está a começar a fechar-se. Depois de muitos meses de complacência enquanto a inflação disparava, as autoridades monetárias têm agora uma margem de manobra muito curta para um agravamento acentuado nos juros. É por isso que Fed e BCE já optaram por aumentos de juros de dimensão pouco habitual, numa estratégia que é conhecida por frontloading. Ou seja, antecipar já as subidas de juros para poder fazer uma pausa mais à frente, caso se confirmem os sinais de recessão.
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Habitualmente os mercados têm a capacidade de antecipar a evolução da economia. E têm sido vários os sinais transmitidos nesta frente, como a queda das cotações das matérias-primas, das bolsas e a inversão da curva de taxas de juro das obrigações (os títulos de prazos mais curtos apresentam taxas de juro mais elevadas do que nas maturidades longas).
Mas os indicadores económicos avançados também já apontam para uma deterioração acelerada da atividade económica. Os inquéritos aos gestores estão a apontar para recessão na Europa e nos Estados Unidos e os índices de confiança dos consumidores estão em mínimos históricos nos dois lados do Atlântico. Confirmando que o forte aumento do custo de vida está a ter impacto acentuado nas famílias, que assim deverão travar o consumo.
Os dados dos Estados Unidos já apontam para uma recessão técnica na maior economia do mundo, pois o PIB registou uma contração de 0,9% no segundo trimestre, depois da quebra de 1,6% nos primeiros três meses do ano. No entanto, o mercado de trabalho continua muito robusto e o consumo das famílias continua a subir. Apesar de ser pouco credível dizer que os Estados Unidos já estão em recessão, os dados do PIB vieram agravar a probabilidade de esta ser evidente na segunda metade do ano.
Na Zona Euro, as perspetivas de recessão no segundo semestre também estão a crescer de dia para dia. O PIB do segundo trimestre até surpreendeu pela positiva, com um crescimento de 0,7% que superou as estimativas dos economistas (0,2%). Mas a economia alemã estagnou e o consumo das famílias já está em queda em países como França e Espanha, pelo que as perspetivas para os próximos trimestres são negativas.
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Os sinais dos bancos centrais
Os responsáveis dos bancos centrais têm repetido o foco total no combate à inflação, mas estão já a dar sinais de abrandamento no agravamento da política monetária. Jerome Powell, presidente da Fed, disse isso mesmo após a reunião de 27 de julho, admitindo subidas mais brandas nas taxas de juro.
O BCE está numa posição bem mais complicada, uma vez que ainda só efetuou uma subida de juros. A autoridade monetária optou por aumentar a taxa dos depósitos em 50 pontos base em julho, em vez dos 25 pontos base prometidos em junho, precisamente para recuperar o tempo perdido. Tendo em conta que a inflação atingiu um novo recorde em julho, será expectável uma nova subida de 50 pontos base na reunião de setembro, ficando os agravamentos seguintes dependentes da evolução da atividade económica e dos preços.
Para não repetir o erro de pré-anunciar o rumo da política monetária, Christine Lagarde deixou tudo em aberto para as próximas reuniões, assinalando que o Conselho do BCE vai tomar decisões em função dos dados económicos, o que valida a ideia de que apesar destes primeiros aumentos de juros agressivos, as taxas podem acabar por não subir tanto como se esperava há algumas semanas.
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Mercados descontam subidas mais contidas
Quando a inflação começou a disparar, em meados de 2021, os responsáveis da Fed e do BCE classificaram o aumento de preços como transitório, sinalizando que as taxas de juro iriam continuar em mínimos históricos para apoiar a evolução da economia, que ainda recuperava dos efeitos da pandemia. Mas os mercados começaram desde logo a precificar um agravamento das taxas de juro, que só se concretizaram em 2022.
Agora que Powell e Lagarde adotaram um discurso agressivo de combate à inflação, os mercados estão a antecipar subidas de juros bem mais contidas. Os futuros apontam para que o BCE suba os juros para 1% até ao final do ano, quando em junho os investidores viam o pico dos juros em 2%.
No mercado de obrigações esta perspetiva também é evidente. A taxa de rendibilidade (“yield”) das obrigações alemãs a 10 anos já se situa abaixo de 1%, depois de em junho ter atingido um máximo desde 2013 perto dos 2%. As taxas Euribor, que servem de referência para o crédito à habitação em Portugal, também estão a aliviar. O indexante a 12 meses já cedeu cerca de 20 pontos base desde a última reunião do BCE, estando agora em redor de 1%.
Nos Estados Unidos a tendência é semelhante. O mercado antecipa que a taxa de juro da Fed vai atingir um pico de 3,25% no final deste ano, já pouco acima do nível atual (2,25%-2,5%), quando há algumas semanas o máximo era visto mais perto dos 4%. A yield das obrigações dos EUA a 10 anos está atualmente em redor de 2,8%, já bem abaixo do máximo de 2018 que fixou em junho, próximo de 3,5%.
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Inflação alivia?
A incerteza é muito grande e a visibilidade sobre o rumo da economia e da inflação muito escassa, pelo que é ainda uma incógnita saber como os bancos centrais vão desatar este “nó górdio” de travar a alta dos preços sem colocar a economia em recessão.
2022 também já mostrou que as expectativas dos mercados mudam rapidamente, pelo que os vários indicadores que medem as previsões para o nível das taxas de juro podem inverter de forma brusca caso os indicadores económicos sejam desfavoráveis.
A chave está na inflação. Se o agravamento dos preços moderar de forma consistente nos próximos meses, os bancos centrais ganham margem de manobra para fazer uma pausa na subida de juros caso a economia acentue os sinais de arrefecimento. Caso contrário, se a inflação persistir em máximos, BCE e Fed ficam de mãos atadas, correndo o risco de agravar a política monetária e acentuar o movimento negativo da atividade económica.
Para já, os sinais de abrandamento da inflação ainda não são visíveis, sendo a subida em julho na Zona Euro um exemplo disso mesmo. Mas a evolução dos preços das matérias-primas tem sido favorável, com a generalidade das commodities cotadas em bolsa a desvalorizar de forma acentuada desde o início de junho.
O Brent (o petróleo de referência para a Europa) já corrigiu mais de 20% desde o máximo que atingiu há dois meses perto dos 130 dólares. O índice que mede a evolução das matérias-primas energéticas cotadas desce 12% desde o início de junho, apesar de ainda marcar um ganho superior a 40% em 2022.
As matérias-primas agrícolas (milho, trigo, etc.) já desvalorizam 21% desde o início de junho, anulando todos os ganhos de 2022, enquanto os metais (cobre, alumínio, etc.) caem 14% em dois meses e 13% desde o início do ano. Se os sinais de recessão se acentuarem, é provável que os preços das matérias-primas continuem a cair, o que acabará por se refletir nos preços de venda ao consumidor final.
A redução da atividade económica vai penalizar a procura de bens e serviços em geral, pelo que acabará por pressionar em baixa a inflação. Resta saber se será o suficiente para que os bancos centrais possam fazer uma pausa no agravamento de juros, ou só retirar o pé do acelerador.
Muitos economistas mostram pessimismo com a possibilidade de a inflação persistir em níveis elevados, o que conjugado com uma recessão, colocaria a economia mundial num temido cenário de estagflação prolongada. Fica a questão: o que farão os bancos centrais neste caso?
A forma como aproveitarem a janela de oportunidade que ainda está aberta pode ser decisiva. Parece certo que setembro será marcado por mais subidas acentuadas nos juros por parte do BCE e da Fed, mas depois disso a incerteza é muito elevada.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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