Pela primeira vez em quase 50 anos, a economia mundial vê-se perante a ameaça da chamada estagflação, uma condição económica caracterizada pela estagnação do crescimento e pela inflação elevada.
Em termos simples, esta conjugação implica que as empresas combatem, simultaneamente, quebras nas receitas e custos crescentes, ao passo que os consumidores – potencialmente afetados pela alta do desemprego e pela degradação das condições económicas – podem perder parte dos seus rendimentos, tendo de pagar mais pelos bens e serviços.
Neste contexto, impõe-se a questão: é possível proteger os meus investimentos? Ainda que não possamos prever o rumo da economia global, é importante adotar uma estratégia de defesa para minimizar riscos e até beneficiar de boas oportunidades – que as há – num cenário de crise.
O que é a estagflação?
Em primeiro lugar, importa compreender o conceito de estagflação, que deriva da combinação dos termos “estagnação” com “inflação”. Trata-se de um ciclo económico em que a desaceleração do crescimento e subida do desemprego vêm acompanhadas por um aumento persistente dos preços, com forte impacto na vida das famílias e empresas.
No entanto, este é um fenómeno pouco habitual - as recessões e a inflação elevada tendem a ocorrer, com maior frequência, separadamente – e muito desafiador para as autoridades, já que a tentativa de resolver um dos problemas pode exacerbar o outro.
A última vez que a economia global viveu um período prolongado de estagflação foi no início dos anos 1970, quando os países produtores de petróleo do Médio Oriente cortaram o fornecimento aos Estados Unidos e outros apoiantes de Israel. Esse choque da oferta provocou uma subida vertiginosa no custo do petróleo, provocando aumentos generalizados nos preços e uma forte degradação das condições económicas.
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Autoridades apontam riscos
Num contexto de recuperação da crise global provocada pela pandemia da covid-19, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia e a crise energética agravaram o risco de estagflação, fazendo soar os alarmes em todo o mundo.
Recentemente, a probabilidade de uma recessão na maior economia do mundo, os Estados Unidos, subiu para 50% pela segunda vez desde a crise financeira de 2008, enquanto a inflação supera os 8%, devendo permanecer acima da meta da Reserva Federal de 2% pelo menos até 2024. Na Europa, os preços no consumidor continuam a crescer e a crise energética, somada aos efeitos duradouros da pandemia, aumentam a probabilidade de uma contração económica.
Perante este cenário, as autoridades mundiais têm alertado para os riscos de um retorno às condições económicas que marcaram a década de 1970. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou as estimativas para o crescimento global este ano e em 2023, não descartando a possibilidade de um cenário de estagflação caso os choques da oferta se revelem “suficientemente severos”.
Também o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) sublinhou, no seu relatório anual, que “os perigos de estagflação são grandes, com a combinação entre disrupções persistentes da pandemia, guerra na Ucrânia, aumento dos preços das matérias-primas e vulnerabilidade financeiras a obscurecerem as perspetivas”.
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Como criar uma estratégia de investimento “à prova” de estagflação
Num cenário de estagflação, é essencial adotar uma abordagem defensiva na gestão da carteira de investimentos para minimizar os riscos decorrentes do aumento persistente dos preços e da desaceleração económica.
Para tal, é necessário:
- avaliar que ativos e setores têm maior probabilidade de ter um desempenho superior durante um período de estagnação do crescimento ou recessão;
- identificar que tipo de investimentos estão mais protegidos dos efeitos da subida da inflação e menos dependentes do crescimento da economia;
- procurar “bolsas” de crescimento – regiões do mundo menos dependentes das exportações e com forte crescimento do consumo doméstico;
- diversificar a carteira de investimentos para minimizar o risco de perdas;
- ter consciência que a estagflação não durará para sempre, pelo que uma estratégia voltada para o longo prazo aumenta as hipóteses de recuperação e de “sobrevivência” a diferentes ciclos do mercado.
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Que investimentos considerar?
Alguns investimentos têm maior probabilidade de ter um desempenho positivo num contexto de estagflação e são esses que deve incluir no seu portefólio se pondera começar a investir ou reequilibrar a carteira para enfrentar um cenário de crise.
Seguem-se alguns ativos e geografias que deve considerar:
Mercados emergentes – Ativos dos mercados emergentes deverão fazer parte da estratégia de investimento, já que se apresentam como “bolsas” de crescimento no contexto de uma economia global deprimida. Em vantagem estarão países com uma forte procura interna e com empresas mais voltadas para o mercado doméstico, como é o caso da Índia, menos dependentes de capital estrangeiro e com mais margem de manobra ao nível da política monetária.
Imobiliário – Investimentos imobiliários tendem a ter uma fraca correlação com as ações, sendo uma boa alternativa mesmo num cenário de desaceleração económica. Ao mesmo tempo, o crescimento dos preços do arrendamento tende a acompanhar a inflação, muitas vezes superando-a.
Ações de valor – As ações de valor podem apresentar-se como boas oportunidades de compra quando os preços dos títulos estão baixos devido à estagflação. Trata-se de ações de empresas que parecem negociar a um preço baixo em relação aos lucros, dividendos e potencial de crescimento a longo prazo. Escolher este tipo de ações contrasta com a estratégia de investir em ações de crescimento, que são títulos de empresas cujas receitas e lucros deverão aumentar a um ritmo mais acelerado do que a média do setor.
Ações defensivas – As ações globais tendem a ser negativamente afetadas pelo ambiente de fraco crescimento e aumento persistente dos preços, com as empresas a enfrentarem quebras na receita e custos crescentes. No entanto, nem todos os setores são afetados da mesma forma: algumas ações representam boas oportunidades dadas as suas características defensivas ou correlação positiva com a inflação. São títulos associados a bens e serviços que os consumidores não podem dispensar mesmo num cenário de crise. Com a inflação em alta e a economia estagnada, as pessoas ainda terão de comprar comida, ter eletricidade em casa ou aceder a cuidados de saúde.
Matérias-primas – Matérias-primas agrícolas, petróleo e ouro poderão ter um desempenho superior às ações e obrigações, apresentando-se como uma boa alternativa num contexto de estagflação. Em alturas de turbulência nos mercados e na geopolítica mundial, o ouro é o ativo de refúgio por excelência, servindo, ao mesmo tempo, de cobertura de risco face à subida da inflação.
Seja qual for a composição da carteira de investimentos, diversificar é a regra de ouro. Quanto mais “espalhados” estiverem os investimentos por classes de ativos, setores e geografias, mais “espalhado” estará o risco e, portanto, maior será a capacidade de proteção contra os efeitos negativos da estagflação.
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