Já ouviu falar da Dívida de Go-to-Market? Esta imagem do Wayne Morris resume bem este conceito e explica porque é que a dispensa de testes de Product-Market-Fit pode resultar numa dívida bastante cara para as Organizações.
A paixão do Fundador pela ideia pode inviabilizá-la
Todos os produtos e serviços nascem de uma ideia. Aliás, de uma hipótese (o ponto 1 da infografia abaixo). Enquanto fundadores é muito fácil apaixonarmo-nos por essa ideia e de a querermos colocar no mercado tão rapidamente quanto possível. Falamos com os nossos amigos e familiares, e "caramba, todos a consideram fantástica!". Quanto mais pensamos nela, mais atraídos ficamos.
Para nós, o passo seguinte é obvio: montar o produto/serviço e criar a equipa ou estrutura de venda (o passo 11) tão rapidamente quanto possível.
A dívida de Go-To-Market
Mas quem dita as regras... é o mercado. E quando saltamos do passo 1 para o 11, o que estamos a fazer é criar uma dívida de Go-To-Market. Provavelmente, teremos a amarga realização de que afinal a hipótese não era assim tão boa, ou, em versão politicamente correta, "que era boa, mas o mercado não a entende".
Nessa altura, já teremos feito vários investimentos na criação de equipas de vendas, de tecnologia e de estratégias de marketing, e estaremos pressionados pela obtenção de resultados. Entramos em modo "tentativa-erro", sendo forçados pelo mercado a recuar aos pontos 2 a 10 - de forma indisciplinada ou mesmo inconsciente.
Os passos que devem anteceder um Go-To-Market
O diagrama de Wayne mostra claramente os passos que devem anteceder uma ida "em grande" para o mercado.
Primeiro, deve ser feito um Idea-Market-Fit - estudo da concorrência, clarificação da unique selling proposition, do ideal customer profile, e da dimensão do potencial mercado, que culmina num PoC. Wayne chama-lhe de MVP (Minimum Viable Product) mas eu considero mais adequado começar por um PoC (Proof of Concept). No fundo, tentar validar o que é que o mercado valoriza com o menor custo possível e o mais rapidamente possível.
A aprendizagem obtida com o PoC vai permitir desafiar as nossas crenças e afinar a estratégia para se alinhar com a vontade do mercado. E é aqui que entramos no momento de criar um MVP para testarmos o Product-Market-Fit, com os primeiros clientes "beta" e geração de valor.
Poderíamos pensar que ultrapassado o Product-Market-Fit, we're ready for business, mas não, ainda não... A repetibilidade, o controlo do churn, e a capacidade da venda não assente nos fundadores (é viável criar/formar estruturas autónomas para vender o produto/serviço?) são essenciais para provarmos que temos um negócio escalável.
Tentativa-erro ou preparar o Product-Market-Fit?
Estes passos de preparação parecem um processo longo e complicado, mas na realidade é mais rápido (e barato) testar o mercado e ir fazendo evoluções alinhadas à resposta do mesmo, do que ir direto à criação do produto/serviço e da estrutura vendas. Isto é o que muitos fundadores fazem, e a partir daí entram em modo "tentativa-erro". Só que, nesse momento, já assumiram uma estrutura de custos, com contratações que se podem revelar inadequadas ao estágio do problema a resolver.
Um sucesso satisfatório pode ser uma venda nos olhos
Há um risco maior do que falhar: o risco de "acertarmos satisfatoriamente". Num falhanço, tendencialmente tentamos perceber as razões do falhanço e aprendemos no processo.
E quando acertamos satisfatoriamente? Ficamos satisfeitos com os resultados. Está tudo "aceitável" e vamos continuando em frente, focados em mais resultados. Escapando-nos que, com pequenos ajustes de Product-Market-Fit, em vez de resultados satisfatórios poderíamos estar a obter resultados em escala...
Been there, done that...
Eu já cometi estes erros várias vezes na vida. Já lancei um produto digital de gestão de projetos. Depois de dois anos em "tentativa-erro"... foi direto para o balde dos falhanços. O produto fazia um pouco de tudo, mas não se dirigia a nenhum segmento de mercado específico. O USP (Unique Selling Proposition) e o ICP (Ideal Customer Profile) estavam mal definidos. Saltámos o passo 2...
Posteriormente, lancei um produto digital de gestão de finanças pessoais onde "acertámos satisfatoriamente". Os resultados eram aceitáveis, o que nos fez focar demasiado no produto e pouco na leitura do mercado. Fizemos um bom produto (com direito a prémios e tudo), que cresceu satisfatoriamente em número de clientes... mas nunca escalou. Foram precisos muitos anos de resultados satisfatórios até percebermos que aquele modelo de negócio e desenho de produto: o TAM, SAM, e SOM nunca nos permitiriam escalar. Saltámos o passo 3...
Feature-Market-Fit
Este racional não se aplica apenas a produtos e serviços, mas também a coisas tão simples como funcionalidades dentro de produtos digitais. Ou a formas diferentes de prestar serviços. Para quem está em tecnologia, é normal identificar 500 funcionalidades fantásticas que podemos incluir nos nossos produtos. A estas, juntam-se outras 500 ideias fabulosas que recebemos de terceiros.
No Doutor Finanças lançámos recentemente o Product Discovery Lab dentro da Direção de Tecnologia, precisamente para fazermos as análises de mercado e enquadramento dos problemas que queremos resolver antes de investirmos nos desenvolvimentos mais arrojados.
Não queremos só validar conceitos, mas também compilar o máximo de informação possível antes de começarmos a desenhar soluções tecnológicas. E isso passa por dedicarmos o devido tempo a estudar os problemas, de forma a irmos ao encontro daquilo que as pessoas mais valorizam. Não queremos limitar-nos a resolver problemas: queremos causar impacto, resolvendo os problemas certos da forma certa.
Do meu lado, prometo continuar a errar. Mas também tenciono acertar cada vez mais.
Tecnológico de formação (Engenheiro de Telecomunicações e Informática pelo ISCTE), começou a empreender aos 18 anos. Criou várias empresas tecnológicas (onde errou muitas vezes) até se apaixonar pela criação de produtos e startups como o Airgile (onde errou), ou o premiado Boonzi (onde errou um bocadinho menos). Além da tecnologia, tem várias paixões como marketing, UX, liderança, cultura e estratégia empresarial. Andou pelo mundo da formação porque gosta de ensinar quase tanto como adora aprender. É um dos fundadores do Doutor Finanças, onde atualmente é CTO. Promete continuar a errar.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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