Para alguns trabalhadores, a possibilidade de a empresa aplicar um regime de adaptabilidade laboral pode deixá-los com várias dúvidas. Afinal, a realidade mais comum em termos de horários laborais passa pelo trabalho de 8 horas por dia e as 40 horas semanais. Mas na verdade, existem algumas exceções na legislação que permitem uma maior flexibilidade da carga horária, mas também alterações ao período normal de trabalho temporariamente. E uma das possibilidades mais conhecidas é o regime de adaptabilidade.
De seguida, vamos explicar em que consiste o regime de adaptabilidade laboral, como é que este pode ser aplicado e quais são os direitos e deveres dos trabalhadores. Saiba ainda como é calculada a média do período normal de trabalho neste regime e se esta alteração vai ou não afetar o seu salário. Descubra por fim as diferenças entre o regime de adaptabilidade e o horário concentrado.
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O que é o regime de adaptabilidade laboral?
No fundo, o regime de adaptabilidade laboral é uma forma legal de criar flexibilidade no período normal de trabalho durante um período de tempo definido. Ou seja, independentemente do regime de adaptabilidade em vigor, os trabalhadores podem ter que trabalhar mais horas por dia ou por semana, durante algum tempo. No entanto, esse aumento no período normal de trabalho é compensado mais tarde, uma vez que os trabalhadores passam a trabalhar menos horas depois. Isto quer dizer que os trabalhadores fazem mais horas nuns dias e menos noutros.
No regime de adaptabilidade laboral as horas passam a ser distribuídas de forma irregular, e por vezes a carga horária pode ser bastante desgastante durante um determinado período. No entanto, para garantir que as regras são cumpridas, no Código do Trabalho estão estabelecidos limites de horas que não podem ser ultrapassados.
Embora este regime não seja aplicado na maioria das empresas, algumas áreas de negócio podem, a dada altura, ter a necessidade de implementar o regime de adaptabilidade laboral. E isto porquê? Porque este regime, por norma, é aplicado em empresas que têm um forte aumento na procura dos seus produtos ou serviços numa altura específica. Contudo, esta procura não se mantém a longo prazo. Caso se mantivesse, existem outras opções mais viáveis do que este regime. E por isso mesmo, assim que a procura diminui, as empresas voltam a aplicar o período normal de trabalho.
Que regimes de adaptabilidade laboral existem previstos na lei?
O Código do Trabalho prevê a possibilidade de implementar três regimes de adaptabilidade laboral:
- Regime de adaptabilidade laboral por regulamentação coletiva;
- Adaptabilidade individual;
- E o regime de adaptabilidade grupal.
Vamos então perceber como cada um funciona.
Regime de adaptabilidade por regulamentação coletiva
No regime de adaptabilidade por regulamentação coletiva, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios. Ou seja, as horas vão ser calculadas através de uma média. No entanto, existem limitações específicas para o máximo de horas que um trabalhador pode fazer.
Em termos diários, um trabalhador pode ter um aumento até 4 horas ao período normal. Isto quer dizer que um trabalhador pode fazer até 12 horas por dia. Já em termos de horas semanais, o trabalho semanal pode no máximo atingir as 60 horas. É importante esclarecer que o CT realça que só não se contam nestas horas semanais o trabalho suplementar prestado por motivos de força maior. Contudo, o período normal de trabalho definido não pode exceder as 50 horas em média num período de 2 meses.
Regime de adaptabilidade individual
Quanto ao regime de adaptabilidade individual, este, por norma, é estabelecido por um acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador. Este acordo costuma ser celebrado com base numa média de horas, no entanto isso não quer dizer que o Código do Trabalho não estabeleça limites. No artigo 205.º do CT está indicado que o acordo pode prever o aumento do período normal de trabalho até 2 horas diárias. Já no caso do trabalho semanal, o trabalhador pode trabalhar até 50 horas por semana, só não contando o trabalho suplementar por força maior. Contudo, também existem regras na hora da diminuição do período normal de trabalho. Ou seja, nas semanas em que o trabalhador prestar menos de 40 horas semanais, a redução diária só pode ser ou até 2 horas ou, quando acordada, pode ser em dias ou meios dias.
Uma das dúvidas mais comuns por parte dos trabalhadores é se o subsídio de alimentação é afetado quando existe uma redução do período normal no regime de adaptabilidade. Na verdade, o Código do Trabalho é bastante claro neste aspeto. Um trabalhador não pode ser prejudicado no direito ao subsídio de refeição quando o período normal é menor durante a aplicação deste regime.
Já em termos do acordo, é importante esclarecer que este pode ser celebrado mediante uma proposta escrita por parte do empregador. Caso o trabalhador não pretenda aceitar a proposta deve enviar a sua intenção por escrito ao seu empregador no prazo de 14 dias após ter tomado conhecimento. É ainda importante esclarecer que a empresa tem o dever de fixar a alteração de horários com a antecedência de 7 dias antes da sua aplicação ou 3 dias caso seja uma microempresa.
Adaptabilidade grupal
O regime de adaptabilidade grupal é apenas aplicado no caso de ter sido implementado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o regime de adaptabilidade. Nestes casos específicos, o empregador pode aplicar o regime de adaptabilidade desde que a maioria dos trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade sejam filiados numa associação sindical.
Este regime de adaptabilidade grupal é um pouco mais complexo, pois envolve as percentagens dos trabalhadores abrangidos, e as regras alteram-se consoante o número de trabalhadores filiados numa associação sindical. Por isso, em caso de dúvida aconselhamos a consultar o artigo 206.º do Código do Trabalho ou a pedir esclarecimentos junto do seu sindicato ou das entidades responsáveis.
Todos os trabalhadores podem ser obrigados a trabalhar nestes regimes de adaptabilidade?
A obrigação, quando depende de um acordo, não está em causa, uma vez que o trabalhador pode sempre expressar por escrito que não pretende ver o seu período normal de trabalho adaptado. No entanto, em termos práticos, por vezes pode ser um pouco complicado a recusa de um regime que é aplicado em situações excecionais. Mas, isso não quer dizer que todos os trabalhadores tenham que aceitar o regime de adaptabilidade da sua empresa.
Por exemplo, no caso de um trabalhador que seja doente oncológico em fase de tratamento, o excesso de uma carga horária num determinado período pode ser prejudicial à sua saúde. Após as últimas alterações ao Código do Trabalho, através da Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, passou a indicar, através do o artigo 87.º, que os trabalhadores com deficiência e com doença crónica, nomeadamente com doenças oncológicas em tratamento ativo, podem ser dispensados de algumas formas de organização do tempo de trabalho. Ou seja, os trabalhadores nestas circunstâncias podem ser dispensados da prestação de trabalho sempre que esta puder prejudicar a sua saúde ou a segurança no trabalho.
Outra exceção que existe, no caso de um regime de adaptabilidade grupal, são os trabalhadores que não assinem o acordo por não concordarem e tiverem filhos com menos de 3 anos. Estes trabalhadores não podem ser prejudicados por não aceitarem o regime de adaptabilidade grupal.
Caso tenha dúvidas sobre as suas obrigações enquanto trabalhador ou se acredita que os seus direitos não estão a ser cumpridos, pode sempre contactar a ACT para esclarecer as suas dúvidas.
Como é calculada a média em termos do período de trabalho neste regime?
Segundo o artigo 207.º do Código do Trabalho, num regime de adaptabilidade, a duração média do trabalho é apurada por referência ao período estabelecido, que no caso de regulamentação coletiva não pode ser superior a 12 meses, e na falta desta regulamentação o período é de 4 meses. No entanto, é importante esclarecer que em determinadas situações o período de 4 meses pode ser aumentado para 6 meses. Isto significa que para apurar a média das horas do regime de adaptabilidade deve ter em conta o período estabelecido para este regime. Assim, já sabe por quantos meses devem ser divididos o número de horas que trabalhou e se estas estão dentro dos limites legais.
No que diz respeito às situações que podem levar o período deste regime a passar de 4 a 6 meses, a lista é extensa. São exemplos para esta situação, alguns trabalhadores que estejam em cargos de direção ou os trabalhadores de atividades laborais específicas, como em alguns posto de trabalho na área da saúde, meios de comunicação, distribuição ou fornecimento de bens essenciais, transportes, agricultura, entre outros. Contudo, para saber se a sua atividade ou o seu caso se enquadra nesta situação, deve consultar o ponto 2 do artigo 207º do CT.
O regime de adaptabilidade laboral afeta o salários dos trabalhadores?
O regime de adaptabilidade laboral não deve afetar o salário dos trabalhadores, uma vez que este apenas implica uma flexibilidade e irregularidade no período normal de trabalho. No entanto, a média das horas trabalhadas deve manter-se a mesma, uma vez que o trabalhador vai beneficiar em determinados dias ou semanas de uma redução de horário. Logo, se o trabalhador presta em média o mesmo número de horas não pode ser prejudicado nem beneficiado no seu salário.
O regime de adaptabilidade é igual ao horário concentrado?
Não. Embora sejam dois conceitos idênticos à primeira vista, uma vez que permitem uma adaptação ao período normal do período de trabalho, estes não funcionam da mesma forma e chegam a ser incompatíveis. Por exemplo, tal como vimos neste artigo, o regime de adaptabilidade tem um período de duração definido que não pode ser ultrapassado, mas consoante o acordo, o trabalhador pode ter o seu horário de trabalho bastante irregular.
Já no horário concentrado, o horário é estabelecido por acordo entre o trabalhador e o empregador ou por regulamentação coletiva de forma diferente. No horário concentrado o trabalhador pode ver o período de normal de trabalho aumentado até 4 horas diárias. No entanto, em compensação, o trabalhador passa a ter um período de descanso superior.
Em termos práticos, o período normal de trabalho pode ser distribuído no máximo em 4 dias de trabalho. Ou seja, as 40 horas de trabalho passam a ser divididas por 4 dias, e o trabalhador descansa nos restantes 3 dias. Caso o horário concentrado seja aplicado por instrumento de regulamentação coletiva, então o trabalhador deve trabalhar no máximo 3 dias seguidos, tendo que de seguida ter 2 dias de descanso. No entanto, neste último caso a duração do período normal de trabalho semanal deve respeitar a média de um período de referência de 45 dias. Já as condições da retribuição entre outros direitos, devem ser definidas por essa regulamentação.
Nota: Os trabalhadores que estejam abrangidos por um regime de horário de trabalho concentrado não podem simultaneamente trabalhar num regime de adaptabilidade. Em caso de dúvidas sobre o horário concentrado deve consultar o artigo 209.º do Código do Trabalho.
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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