No segundo trimestre de 2024, mais 100 mil pessoas em Portugal passaram a ter mais do que um emprego, uma subida de 3,1%, em termos homólogos, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Já os trabalhadores que tinham dois empregos, e continuam a ter, também aumentaram para 185 mil, uma subida de 10% em termos homólogos.
Olhando para estes novos dados, atualmente, existem 287,5 mil pessoas que continuam ou passaram a ter dois empregos.
Assim, se faz parte deste grupo de pessoas ou pretende, no futuro, ter mais do que um contrato de trabalho por motivos financeiros ou questões pessoais/profissionais, saiba que existem alguns aspetos a considerar antes de tomar esta decisão. Neste artigo, indicamos os principais.
Comece por ler o seu contrato de trabalho
Se pretende conciliar dois trabalhos, antes de começar à procura de outro emprego, leia com atenção o seu contrato de trabalho. Afinal, este pode estabelecer uma ou mais cláusulas que impeçam que trabalhe em atividades profissionais concorrentes, enquanto trabalhador dependente e independente.
Se estas cláusulas existirem, tenha em consideração se a atividade que vai prestar faz concorrência direta ao seu outro empregador. Em caso de dúvida sobre se a empresa para a qual quer trabalhar é considerada como concorrente, esclareça essa questão junto dos recursos humanos. Esta é uma forma de evitar problemas profissionais e de não ser acusado de falta de ética profissional.
Embora a lei não proíba um trabalhador de exercer atividade profissional para duas empresas em simultâneo, se violar alguma alínea que está estabelecida no seu contrato, pode sujeitar-se a despedimento por justa causa.
Além disso, outro ponto que deve ter em consideração é que, segundo o artigo 128.º do Código do Trabalho, na alínea f), é um dever dos trabalhadores "guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios".
Atenção à cláusula de exclusividade
Além das cláusulas que impedem de trabalhar em empresas concorrentes, se não ler com atenção o seu contrato, pode escapar-lhe um ponto que o pode impedir de conciliar um novo emprego com o seu atual. Esse ponto chama-se "cláusula de exclusividade".
Por norma, esta cláusula é aplicada em áreas profissionais específicas ou quando exerce um determinado tipo de funções, principalmente em cargos de maior responsabilidade. Dito isto, se o seu contrato estabelecer uma cláusula de exclusividade, tem duas soluções se quiser ter dois trabalhos:
- Falar com os recursos humanos da sua empresa e ver se há abertura para essa cláusula ser removida do seu contrato. Contudo, saiba que precisa de entrar num acordo, podendo a empresa adicionar outras cláusulas ao seu contrato para garantir que as suas obrigações são cumpridas.
- Procurar dois novos empregos, caso não seja possível exercer uma nova atividade devido à cláusula de exclusividade. Como é natural, esta é uma situação um pouco mais extrema, pois terá de ir a várias entrevistas e passar por vários processos de seleção, sendo que precisa de ser honesto relativamente à sua vontade de ter dois empregos em simultâneo. Além disso, ainda tem de contar que vai ter de despedir-se, precisando de cumprir com as regras do pré-aviso segundo o contrato que possui atualmente.
As suas condições de trabalho não mudam quando tem dois empregos
Ter dois empregos é algo bastante exigente a nível psicológico e físico. E aí, manter um bom desempenho profissional em dois trabalhos pode ser visto com uma tarefa complicada por parte das entidades empregadoras.
No entanto, mesmo que os seus empregadores saibam da sua realidade, não espere que as suas condições de trabalho sofram alterações. Lembre-se que esta decisão é da sua responsabilidade e não deve colocar em causa os seus deveres, como a sua produtividade, desempenho de tarefas, assiduidade, etc.
Além disso, se tem um trabalho com um horário fixo ou por turnos, o seu novo emprego deve encaixar-se no seu tempo livre (fora do período laboral do primeiro contrato de trabalho).
Já se trabalha num regime de horário flexível, é preciso ter em atenção o que está estabelecido no seu contrato e as políticas da empresa. Ter um horário flexível não é sinónimo de estabelecer o horário que quer a cada dia. A sua empresa pode permitir um horário totalmente flexível (sendo assim mais fácil de gerir dois trabalhos), mas também pode estabelecer um horário específico para essa flexibilidade.
Por exemplo, há empresas que dão a opção de os trabalhadores escolherem o seu horário de trabalho, como das 8h às 17h, das 9h às 18h ou das 10h às 19h.
No entanto, não perde nada em tentar perceber se há a possibilidade de ter um horário flexível, caso não o tenha. Mas lembre-se que, conforme o Código do Trabalho, só existe obrigação de conceder um horário flexível em certas circunstâncias. E ter dois empregos não é uma delas. O mesmo é aplicável se quiser obter uma redução de horário, para conseguir conciliar melhor os dois empregos.
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Perceba quantas horas pode trabalhar
Quando tem dois contratos de trabalho, pode acabar a trabalhar mais horas do que são permitidas por lei, se não estiver bem informado. Por isso, é preciso entender os limites estabelecidos que constam no Código do Trabalho.
Mas primeiro, saiba que não existe um limite do período normal ou máximo de trabalho quando exerce funções para duas empresas. Ou seja, se quiser, pode ter dois empregos onde trabalha 16 horas por dia. No entanto, existem limites estabelecidos no Código do Trabalho aplicáveis a cada emprego.
Não é novidade que o período normal de trabalho não pode exceder as 8 horas por dia e 40 horas semanais. Contudo, há algumas exceções.
Vamos supor que trabalha numa empresa exclusivamente em dias de descanso semanal (fins de semanas). Nesse caso, pode haver um aumento do período diário até 4 horas.
Já se, no seu trabalho, existe a possibilidade de efetuar trabalho suplementar, a duração média do trabalho semanal não pode ser superior a 48 horas. Porém, o período de referência para esta duração não pode ultrapassar um ano e deve constar em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Mas se não constar, então o período de referência é reduzido para quatro ou seis meses.
Nota: Os limites máximos do período normal de trabalho encontram-se estipulados no artigo 203.º do Código do Trabalho.
Deve ter cuidados redobrados quando tem dois empregos e um é como trabalhador independente
Quando trabalha para duas empresas como trabalhador dependente, em termos de obrigações contributivas e declarativas, apenas tem de entregar a sua declaração de IRS, pois o pagamento e as restantes comunicações são realizadas pelas entidades empregadoras. E mesmo com dois ou mais empregos de trabalho dependente, pouco muda na sua declaração de IRS, pois todos os rendimentos são declarados no Anexo A.
Mas se tiver dois empregos, e um deles for como trabalhador independente, passa a ter de lidar com algumas obrigações relativamente aos rendimentos obtidos na categoria B. Primeiro, vai ter de abrir atividade nas Finanças. E logo aí, deve fazer contas ao valor que vai receber ao longo do ano, pois esse montante irá determinar se fica ou não isento de pagar IVA e fazer a retenção na fonte de IRS.
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IVA e Retenção na fonte de IRS
Em 2024, os trabalhadores independentes estão isentos da cobrança de IVA, bem como de retenção na fonte até 14.500 euros anuais. Se ultrapassar este valor, deve fazer a retenção na fonte. Já se indicar na declaração de início de atividade que o volume de negócios é de, por exemplo, 14.000 euros, mas ultrapassar este valor, a cobrança do IVA é iniciada no ano seguinte.
Contribuições à Segurança Social com dois empregos
Depois, existe a questão das contribuições à Segurança Social. Caso seja a primeira vez que exerce atividade como trabalhador independente, tem sempre direito a 12 meses de isenção do pagamento de contribuições.
Contudo, mesmo que não seja a primeira vez que exerce este tipo de atividade, pode ter direito à isenção, uma vez que acumula trabalho dependente com trabalho independente. Esta isenção aplica-se caso tenha um rendimento mensal médio, apurado trimestralmente, inferior a 2.037,04 euros (4 x IAS, ou seja, 4 x 509,26 euros).
Atenção que, para obter a isenção, é preciso cumprir outros critérios, como não prestar trabalho dependente e independente à mesma entidade ou grupo empresarial. É aconselhável consultar o site da Segurança Social para perceber todos os seus direitos e deveres como trabalhador independente, quer acumule atividade com trabalho dependente ou não.
Se não reunir as condições para ficar isento, saiba que tem de entregar a declaração trimestral dos seus rendimentos à Segurança Social e pagar as contribuições mensais (atualizadas a cada três meses).
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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