Já fui bastante mais adepta do trabalho remoto do que sou hoje, admito. A observação atenta nestes tempos pós-pandemia, levou-me a outras reflexões. Hoje, parece-me que as organizações, sem a proximidade de outros tempos, perdem um pouco daquela que é a sua identidade. E, com isto, não defendo um regresso ao passado, até porque o entendo como um retrocesso que devemos evitar sob pena de estarmos a hipotecar o futuro das organizações em que estamos inseridos.
Os modelos de trabalho têm estado na ordem do dia. São inúmeras as dúvidas que assolam as lideranças. Que modelo potencia a produtividade? Que ferramentas utilizar? Que modelo tem maiores ganhos ao nível da comunicação e da colaboração? Lideranças à prova de qualquer modelo? Como garantir o respaldo legal?
Este questionamento é normal e salutar, sendo que, independentemente das respostas dadas, cada organização terá de fazer o seu caminho, na esperança de encontrar o melhor para as suas Pessoas, certa de que ao fazê-lo caminhará no sentido daqueles que são os interesses da organização no seu todo.
Dentro de portas, vivemos uma fase com sinais que temos de ter em conta. Afirmar coisas como “a empresa já não é o que era” não significa, forçosamente, que algo está errado. Mas, também não quer dizer que estamos a fazer tudo bem.
A heterogeneidade das equipas, como é o nosso caso, é inquestionavelmente salutar, porém, agiganta o desafio de encontrar um modelo que a todos sirva.
Abaixo as fórmulas, viva o free style?
Se, por exemplo, para determinada equipa faz mais sentido o encontro e a partilha presencial das suas dinâmicas, para outra, com particularidades como o facto de estar bastante mais dispersa geograficamente, a proximidade continua a ter importância, mas deve ser assegurada recorrendo a outras estratégias... até porque forçar a presença física no escritório pode, em algumas situações, ter um efeito contraproducente não só na fidelização, como na atração de talento.
Poderá um mesmo modelo de trabalho responder, de forma igual, a todas áreas de uma organização? É muito desafiante! Mas teremos de encontrar respostas até para quem, dentro de uma mesma equipa a trabalhar remotamente, prefere o modelo presencial ou um modelo com idas regulares ao escritório.
Não acredito que exista uma fórmula (mágica ou perfeita) para responder a tão grande desafio. E estendo esta minha visão a tantas outras áreas da nossa vida. Aliás, acredito mesmo que se isto das fórmulas existisse veríamos a nossa criatividade altamente limitada e, com isto, vedado o acesso a outras conquistas.
As fórmulas não são, por si só, sinónimo de planeamento, organização e eficiência. Nem tão pouco se deve apostar num free style feito de improviso, caos ou excessos. O caminho que defendo não tem barreiras, é certo, porque o grande objetivo é ir definindo, e ajustando, assim sejam percecionadas as verdadeiras necessidades das nossas Pessoas. Liberdade para criar e dosear as respostas que sirvam aos dois lados.
Fazer diferente dos outros, porque não? Se esse for o caminho para o equilíbrio e felicidade do coletivo para o qual trabalhamos... E não porque se espera que as organizações façam coisas "fora da caixa" ou sejam sempre espetaculares.
Por onde vamos? Por aqui, vamos juntos!
Este mundo novo em que mergulhámos é rico em oportunidades e em novas formas de ver o mundo do trabalho. Com a possibilidade de podermos desenvolver o nosso trabalho à distância, em alguns casos de forma combinada com o presencial, noutros de forma exclusiva, são notórios os ganhos, sobretudo ao nível do equilíbrio entre vida pessoal, profissional e familiar. Porém, também já temos informação suficiente que nos permite identificar o lado menos simpático e menos falado destes novos modelos, nomeadamente dos desafios ao nível da comunicação, do isolamento e da solidão, do impacto na cultura organizacional e na saúde mental.
Quem opta por estar maioritariamente a trabalhar em casa está mais vulnerável no que à sua saúde mental diz respeito. Fechadas em si mesmas, com mais dificuldades em ver outros pontos de vista, estas nossas Pessoas estão fechadas e tendem a achar que o seu problema é, mesmo, o maior do mundo. No relatório "New Future of Work", publicado pela Microsoft, em 2022, os investigadores indicam que, apesar do trabalho remoto aumentar potencialmente a satisfação profissional, também pode fazer com que os colaboradores se sintam "socialmente isolados, culpados e tentados a compensações".
Esta é uma problemática que me preocupa, realmente. Defendo uma gestão que privilegia “estar entre as pessoas” e com isso ter um entendimento mais cabal sobre elas, lendo-as para lá da informação veiculada num email ou da linguagem não verbal manifestada numa fugaz reunião à distância.
Se por um lado temos de zelar pelas sinergias das equipas, por outro, também temos de nos focar no primordial equilíbrio emocional. E se o caminho for desalinhar para alinhar? Muitas vezes a resposta passa por agitar as coisas para depois assistirmos ao reequilibrar das energias.
As organizações vão, certamente, continuar a ajustar as suas decisões. Nos últimos anos, deram provas de que são bem capazes de o fazer. Mesmo que os primeiros passos tenham sido forçados, e envoltos em ceticismo, a abertura para coisas fantásticas é, para mim, inquestionável.
Desde então, assistimos a recuos por parte de algumas organizações, e até mesmo ao regresso ao modelo presencial. Tendo a desconfiar de retrocessos deste cariz e, tendo em conta as questões de atração e fidelização de talento que assolam muitos contextos organizacionais, desconfio que decisões como esta podem pôr em causa o equilíbrio organizacional.
Mas o equilíbrio é tão necessário como fundamental. Por isso, também olho com alguma desconfiança para modelos totalmente remotos, sobretudo em contextos habituados a que a proximidade seja alimentada por doses generosas de presença física.
Nesta, como noutras matérias, não há lugar a verdades absolutas. No contexto em que atuo diariamente, munida de informação sobre os nossos e consciente do caminho que nos trouxe até aqui, acredito que a proximidade pode ser a chave para muitos desafios que enfrentamos hoje.
O melhor dos dois mundos, dizem alguns (e eu também), seria a hiperpersonalização da experiência de trabalho. Ou seja, um modelo tailor made para cada um dos colaboradores. Pela complexidade que isso acarreta, sabemo-lo utópico.
Estou convicta de que um modelo de trabalho totalmente remoto terá um preço elevado para as organizações. Numa empresa onde a cultura se alimenta da partilha, da preocupação real pelo outro e de um compromisso de reciprocidade, a distância física terá, sem dúvida, um peso.
Os desafios são enormes, no que à gestão de pessoas e de cultura diz respeito. Teremos de estar atentos e perceber de que formas, ao longo do caminho, conseguiremos reduzir o preço de um mundo, felizmente, laboralmente mais flexível.
Irene Vieira Rua é licenciada em Psicologia pela Universidade Lusófona, tendo feito uma pós-graduação em Gestão e Desenvolvimento Estratégico de Recursos Humanos, no ISLA – Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e um Executive Master em Project Management, na Universidade Europeia. Tem mais de 15 anos de experiência profissional, com dez deles passados na empresa Indra, uma consultora tecnológica, desempenhando funções como Quality and Environmental Senior Consultant e Project Manager do setor Público. Em 2017, juntou-se ao Doutor Finanças para a função de Diretora de Pessoas e Cultura Organizacional e em 2022 assumiu o cargo de Chief People Officer.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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