Quer se concorde ou não, a definição das metas de diversidade (as quotas) veio colocar uma pressão adicional para a inclusão de mais mulheres em lugares de decisão, dado serem tipicamente o género menos representado. Hoje somos confrontados, mais do que nunca, com a necessidade de se recrutar especificamente uma mulher para garantir que as ditas metas são cumpridas.
São, sem dúvida, situações extremas, e que todos gostaríamos de evitar, mas o desafio que isso coloca às organizações é o de gerir este equilíbrio aos diferentes níveis, e nos respetivos processos de desenvolvimento do talento. Olhemos, a título de curiosidade, para cenários fora do campo corporativo que a todos nos devem inspirar.
Vanguardas artísticas de olhos vendados
Se nos centrarmos no campo da música, lançamos o olhar sobre a primeira metade do século XX e constatamos que nas principais orquestras internacionais a mancha de músicos foi sempre composta por homens, tendo apenas sido conhecida uma pequena inversão com o pós-guerra.
A partir das décadas de 1940 e 1950, vários fatores começaram a confluir para desencadear a entrada das mulheres em fóruns tradicionalmente destinados aos homens: a feminização do trabalho, transformações profundas na educação, circunstâncias de igualdade na política, direito ao voto, entre outros. Esta evolução teve também repercussões nas artes, concretamente na música.
Em 1952, a Boston Symphony Orchestra afirmou-se como a primeira orquestra no mundo a aderir às chamadas audições às cegas (blind auditions), com o objetivo de impedir recrutamentos tendenciosos e criar o máximo de condições de igualdade. A partir daí, verificou-se uma acentuação da entrada de mulheres no meio.
Um estudo de 1997 publicado pelo National Bureau of Economic Research, da autoria de Claudia Goldin e Cecilia Rouse, espelha que houve efetivamente um salto muito significativo na constituição das grandes orquestras internacionais: 10% de mulheres, em 1970, para 35%, na década de 1990. Choque total pode causar-nos, todavia, a famigerada Filarmónica de Viena, que só integrou pela primeira vez mulheres em 1997.
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A liderança feminina é diferente da masculina?
O ponto é: as mulheres e os homens são diferentes. E ainda bem! Se olharmos para a investigação sobre perfis de liderança, há uma diferença subtil, mas significativa: as distinções baseadas no sexo (homem/mulher) versus as distinções baseadas no género (masculino/feminino). As primeiras pressupõem diferenças biológicas. As segundas remetem para os papéis sociais e psicológicos.
Na prática, seguindo esta lógica, há características tipicamente masculinas (centralização, racionalidade, competitividade) e femininas (empatia, delegação de poder), podendo cada uma delas ser encontrada em homens e em mulheres. Podemos identificar homens com características de liderança femininas e mulheres com características de liderança masculinas. As pessoas são todas diferentes e cada pessoa é verdadeiramente única.
Podem destacar-se algumas competências profissionais e características de personalidade que, uma vez combinadas, independentemente do género, podem facilitar o desempenho da liderança:
-competências profissionais– autoridade, disciplina, organização, domínio de determinadas áreas do saber, especializações técnicas, etc.;
-características de personalidade– liderança, assertividade, controlo e inteligência emocional, espírito de equipa, atitude, capacidade de iniciativa e proatividade, orientação para o resultado, etc.;
-socialização e background cultural– perspicácia social, capacidade de comunicação, poder de influência, rede de contactos, experiências “fora da caixa”, etc.
Parece-me que (dúvidas houvesse), a par com uma combinação de vários destes fatores, os aspetos decisivos estão nos valores e no valor da pessoa. Hoje, mais do que nunca, valoriza-se uma liderança inclusiva, marcada por uma maior colaboração, maior agilidade, transparência, em que a segurança de cada colaborador passou a ser um tema prioritário.
O líder tem de ser capaz de olhar para a individualidade de cada elemento da sua equipa, potenciar a contribuição de cada um, tirando partido dessa diversidade de pensamento, ao mesmo tempo que promove uma abordagem mais colaborativa como garante de melhores decisões e da resolução de problemas complexos.
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Uma questão de meritocracia
Precisamente por partirmos de uma situação de desequilíbrio, por mais medidas e leis que existam, é preciso tempo. Refiro-me ao tempo das mudanças culturais, que são naturalmente morosas, como nos diz a História. Em toda a Europa, identificamos situações muito díspares, com os diferentes países em níveis de desenvolvimento diversos, o que me leva a crer que, na essência, o que tem de ser feito em Portugal não é diferente do que é preciso fazer em vários outros países: educar, formar, comunicar, dar visibilidade aos bons exemplos; garantir que, independentemente do género, o que deve prevalecer é a meritocracia.
Que a discussão ultrapasse, pois, as medidas de inibição da diversidade, como as quotas, e implique uma mudança profunda e radical de mentalidades, com preocupações incorporadas, como: garantir que existe uma pipeline de talento, criar carreiras que permitam às mulheres desenvolverem-se e adquirirem as competências e experiências necessárias para ocuparem lugares de decisão; arriscar, dar oportunidade a quem ainda não exerceu, contratar com base no potencial e não apenas na experiência adquirida, no pressuposto dos benefícios aportados por um ambiente de diversidade.
Portugal encontra-se, eu diria, numa posição em que ainda tem espaço significativo de melhoria, a vários níveis. Para além do género, são hoje questões estruturantes a integração de diferentes gerações e culturas, o acolhimento de millennials, as competências-chave para a permanente mudança, os novos segmentos de negócio, o ambiente tecnológico, as condições de trabalho remoto e a gestão de equipas à distância. E, sempre, o talento. O desenvolvimento do talento.
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Presidente da PWN Lisbon, organização internacional focada no desenvolvimento da liderança. Há 18 anos no setor das comunicações, é profissional de comunicação e marketing, com o mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade Católica Portuguesa. Fundou o Entre | Vistas, plataforma digital de comunicação cultural que originou o livro da sua autoria As Perguntas que Somos.
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