Foi sem surpresas que o Banco Central Europeu (BCE) anunciou na quinta-feira o que na terminologia dos mercados é apelidado de “hawkish cut”: o banco central alivia a política monetária ao mesmo tempo que transmite aos investidores e agentes económicos que não devem esperar cortes de juros consecutivos.
Foi esta a mensagem que o BCE quis deixar bem clara após a reunião de política monetária de 6 de junho, que foi marcada pelo primeiro corte de juros em quase cinco anos (setembro de 2019), com a taxa dos depósitos a baixar 25 pontos base (0,25 pontos percentuais) para 3,75%. Os sinais de que o ciclo de alívio dos juros vai ser lento e gradual foram transmitidos de diversas formas.
O comunicado que acompanhou a decisão do BCE é bastante vago sobre os próximos passos, as estimativas para a inflação em 2024 e 2025 foram revistas em alta e a presidente Christine Lagarde deixou bem evidente que um novo corte de juro em julho não está em cima da mesa e que a evolução da politica monetária continuará dependente dos dados, com as decisões a serem adotadas reunião a reunião.
O banco central somou duas décimas à previsão da inflação da Zona Euro em 2024, que se situa agora em 2,5%. A estimativa para 2025 também foi revista em alta, para 2,2%, com o BCE a apontar que só em 2026 a inflação nos países que partilham o euro estará na meta dos 2%. Esta perspetiva não é compatível com cortes consecutivos de taxas de juro, mostrando que o banco central não tem pressa e não pretende assumir riscos de reversão da tendência de descida da inflação.
A presidente do BCE reforçou esta mensagem ao estimar que a inflação só deverá atingir o objetivo na segunda metade do próximo ano, pelo que não é garantido que este corte de 25 pontos base na taxa dos depósitos represente o início de uma fase de descida de juros. Lagarde vincou a incerteza sobre a velocidade e o timing da remoção da política monetária restritiva, que ficará dependente da evolução dos dados económicos.
As declarações efetuadas posteriormente por diversos responsáveis do Conselho do BCE reforçaram a ideia de que este foi um corte de juros algo envergonhado e que novo alívio da política monetária só acontecerá quando existir maior confiança de que a inflação está com uma trajetória clara e consolidada em direção aos 2%.
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Uma descida por trimestre
Parece assim evidente que o ciclo de descida dos juros da Zona Euro será bem mais lento do que no período em que as taxas subiram de forma vertiginosa para combater a escalada da inflação que superou os 10% em outubro de 2022. Entre junho de 2022 e setembro do ano passado o BCE subiu os juros por 10 vezes, num total de 450 pontos base para níveis recorde.
Os juros subiram de elevador, mas agora é expectável que desçam de escadas e com potencias pausas longas em cada patamar. As expectativas atuais de investidores e analistas apontam para um corte por trimestre ao longo do ano, com reduções em setembro e dezembro. O discurso muito cauteloso adotado por Lagarde contribuiu para reforçar as dúvidas sobre se o BCE avançará mesmo com três cortes de juros este ano, ou optará apenas por duas descidas.
Na realidade, as expectativas atuais têm uma importância pouco relevante, pois bastará um desvio considerável nos próximos indicadores de inflação para que as estimativas sejam ajustadas de forma agressiva. Tem sido esta a tendência, pois no início do ano os investidores chegaram a estimar seis cortes de juros em 2024 e atualmente nem o terceiro é dado por garantido.
Com o BCE focado na evolução da inflação, os indicadores de atividade económica permitem ao banco central ser mais paciente. Depois da recessão leve na segunda metade de 2023, a economia da Zona Euro está a dar sinais de recuperação sustentada nos primeiros meses deste ano, o que contribuirá para manter pressão sobre os preços.
Esta é aliás uma das características inéditas do corte de juros decidido pelo BCE a 6 de junho. Nos anteriores ciclos de alívio de política monetária, o banco central estava a responder a uma degradação acentuada da atividade económica, ou mesmo recessão. Apesar de a economia europeia persistir débil, desta vez as perspetivas são inversas, apontando para uma recuperação, o que retira urgência à descida de juros do BCE.
Outro fator inédito está relacionado com as decisões de política monetária nos Estados Unidos, onde a inflação está a persistir de forma mais consistente acima da meta dos 2%. Foi a primeira vez que o BCE começou a descer os juros antes da Fed, sendo que se o banco central norte-americano continuar com os juros em máximos de 20 anos por muito mais tempo, a autoridade monetária da Zona Euro pode perder margem para prosseguir com o alívio da política monetária.
Se forem cumpridas as atuas previsões de apenas um corte de 25 pontos base por trimestre, a taxa dos depósitos chegará ao final de 2025 nos 2,25%, uma redução acumulada de 175 pontos base que fica a menos de meio caminho das subidas registadas no ciclo de alta que durou pouco mais de um ano. É assim bem provável este cenário de ser necessário esperar mais de um ano para que a taxa de juro da Zona Euro atinja um nível neutral, ou seja, que não estimula ou restringe a atividade económica.
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Bolsas em alta e Euribor em queda
As decisões de política monetária do BCE têm um impacto relevante nos mercados e esta decisão de iniciar o ciclo de corte de juros acentuou os movimentos favoráveis de diversos ativos cotados, sugerindo que os investidores mantêm a confiança no alívio dos custos financeiros para empresas e famílias.
As bolsas europeias atingiram um novo máximo histórico na manhã em que o BCE cortou os juros, com o índice Stoxx600 a acumular já uma valorização próxima dos 10% em 2024. Nos meses seguintes ao primeiro corte de juros do BCE, as bolsas europeias têm registado valorizações consideráveis, pelo que muitos analistas apontam para ganhos adicionais nas ações europeias se o BCE continuar a baixar os juros e a economia seguir no caminho da recuperação.
Os juros do BCE têm uma influência direta nas prestações do crédito e os portugueses já estão a sentir um alívio nos custos com os seus empréstimos, uma vez que o mercado esteve, nos últimos meses, a antecipar este alívio de política monetária. Ainda assim, as descidas das taxas Euribor têm sido ténues, ao contrário do que aconteceu entre meados de 2022 e a parte final de 2023, período em que os indexantes deram um salto de cerca de 400 pontos base (4 pontos percentuais).
A taxa Euribor a seis meses, que é a mais utilizada em Portugal nos créditos à habitação com taxa variável, desceu na sexta-feira seguinte ao corte de juros do BCE, fixando um novo mínimo desde 7 de junho do ano passado. Baixou para 3,735%, apenas 40 pontos base abaixo do máximo de 4,143% que atingiu a18 de outubro de 2023.
As taxas a 12 meses e 3 meses agravaram-se ligeiramente e também se situam em redor de 3,7%, em linha com a atual taxa de depósitos do BCE, o que ilustra a incerteza sobre a evolução da política monetária na Zona Euro. Para os aforradores que têm as suas poupanças em produtos de baixo risco indexados às taxas de juro, esta evolução representa a manutenção de rendibilidades atrativas por mais tempo.
A evolução descendente da inflação na Zona Euro será a chave para que as bolsas continuem em alta e as taxas do crédito à habitação e retorno de aplicações financeiras de baixo risco possam acentuar uma trajetória descendente.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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