O colapso de dois bancos nos Estados Unidos (Silicon Valley Bank e Signature Bank) e o salvamento do débil Credit Suisse geraram uma crise no sistema financeiro global. As consequências plenas ainda são imprevisíveis, mas já existem dinâmicas com probabilidade elevada de se concretizarem, sendo que nem tudo são más notícias para as famílias.
As intervenções das autoridades contribuíram para conter o contágio e parece cada vez mais improvável que estejamos a caminho de uma crise idêntica à que derrubou a economia mundial em 2008.
Vivem-se dias de stress nos mercados financeiros, os investidores estão em estado de alerta e qualquer foco de tensão aumenta os níveis de turbulência. A descida muito acentuada das ações do Deutsche Bank sem um motivo fundamentado, na sessão de 24 de março, é o melhor exemplo do nervosismo que está instalado nas bolsas.
Por outro lado, também é verdade que, durante este agitado mês de março, nunca se verificaram momentos de verdadeiro pânico, que são habituais quando existe elevada desconfiança no setor financeiro. Apesar de alguns dias de quedas fortes, o saldo mensal dos principais índices mundiais não é condizente com uma crise no setor bancário de proporções globais.
Bancos centrais sobem juros em plena crise
Como habitual, os investidores depressa construíram vários cenários para os impactos desta crise. Ganhou força a ideia de que os bancos centrais iriam travar a fundo o agravamento da política monetária e que o ciclo de subida de juros estaria concluído ou muito perto disso.
Uma narrativa que foi parcialmente destruída pelas decisões adotadas pelos bancos centrais nos últimos dias. Numa altura em que o Credit Suisse ainda não tinha sido forçado “a casar” com o UBS, o Banco Central Europeu (BCE) seguiu em frente com o planeado aumento de 50 pontos base das taxas de juro.
Na semana seguinte, também a Reserva Federal dos Estados Unidos aumentou a taxa de juro. Seguiram-se os bancos centrais do Reino Unido, Noruega e Suíça. O guião utilizado pelo BCE foi replicado pelas restantes autoridades monetárias para justificar a controversa e difícil decisão de subir as taxas de juro em plena crise bancária.
A inflação persiste em níveis muito elevados e ainda sem sinais de alívio para a meta dos 2%. Além disso, os bancos centrais têm outros mecanismos para responder à turbulência no setor financeiro. Ou seja, a subida de juros serve para combater a inflação e a banca é apoiada com linhas de cedência de liquidez e outras ferramentas.
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Futuro em aberto
Contudo, a separação entre as políticas para contrariar a alta da inflação e conter a crise na banca não é assim tão simples. Os bancos centrais sabem disso. Daí que, apesar de terem optado por manter o rumo da subida de juros em plana crise, tenham adotado um discurso bem mais cauteloso.
Com uma visibilidade escassa sobre a evolução do setor bancário e o rumo da economia, os responsáveis dos bancos centrais deixaram tudo em aberto para as próximas reuniões. Mas também fizeram questão de deixar claro que, se a inflação não aliviar de forma mais intensa, o caminho passa por continuar a agravar o preço do dinheiro.
Sendo certo que subir os juros numa altura de crise na banca será sempre uma decisão arriscada, para já os bancos centrais preferem atuar em dois tabuleiros, sem desarmar na luta contra a inflação, que teima em não baixar de forma sustentada.
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Aperto no crédito à vista
Apesar de representar mais uma dor de cabeça para os bancos centrais, esta crise na banca pode ser um importante aliado das autoridades monetárias no objetivo de pressionar a inflação. A concessão de crédito já está a abrandar devido à subida de juros, sendo expectável que trave agora de forma mais pronunciada.
Esta crise na banca está a ser marcada por uma fuga de depósitos dos bancos, devido ao aumento da desconfiança dos clientes e alternativas de baixo risco com rendibilidades mais atrativas, como os títulos de dívida soberana de curto prazo.
Com uma base de depósitos mais escassa, a capacidade de concessão de crédito dos bancos também diminui. Acresce que as instituições financeiras deverão apertar os critérios dos empréstimos que concedem devido às perspetivas mais sombrias para a economia.
Sendo o crédito um dos principais combustíveis de qualquer economia, um volume de empréstimos mais reduzido, conjugado com um aperto nas condições financeiras, deverá ter implicações substanciais na atividade económica.
Depois de uma campanha agressiva de subida de juros com resultados práticos pouco satisfatórios na redução da procura, os bancos centrais podem agora ver este stress na banca fazer o seu trabalho. Dito de outra forma, podem manter as taxas de juro, esperando que o aperto no crédito contribua de forma decisiva para restringir a atividade económica. E, com isso, também os preços.
Vários economistas calculam que o efeito desta crise no setor bancário global corresponde a diversos aumentos de juros, argumentando por isso que os bancos centrais têm margem para suspender o ciclo de agravamento da política monetária.
Boas notícias para as famílias?
Apesar de ser ainda cedo para garantir que este contágio da crise na banca à atividade económica será suficiente para colocar a inflação a caminho dos 2%, os investidores estão a apostar neste cenário de menor agressividade dos bancos centrais.
Antes do colapso do SVB, o mercado descontava taxa terminais próximas de 6% na Fed e acima de 4% no BCE. Desde então, as expectativas foram revistas em baixa cerca de 100 pontos base (1 ponto percentual) e os investidores estão a apostar em cortes de juros na segunda metade do ano (sobretudo nos EUA).
Se estas previsões dos investidores se concretizarem, contrariando as indicações que estão a ser dadas atualmente pelos bancos centrais, significa que a economia sofrerá uma travagem substancial no segundo semestre.
Uma recessão raramente se traduz em boas notícias para as famílias, mas pode ser o preço a pagar para controlar a inflação, um “imposto escondido” que está a penalizar o poder de compra dos consumidores há mais de um ano.
Por outro lado, um travão na subida dos juros, em função da quebra da atividade económica, resultará em prestações do crédito menos elevadas, atenuando um dos fardos que tem pesado no orçamento das famílias. A Euribor 12 meses, indexante que serve de referência para muitos empréstimos à habitação em Portugal, está já abaixo de 3,5%, quando no início de março estava encostada aos 4%.
Apesar desta tendência de descida dos indexantes, os aforradores também têm perspetivas mais favoráveis, pois os bancos deverão começar finalmente a elevar a remuneração dos depósitos para níveis mais em linha com os produtos comparáveis.
O stress na banca que está a marcar este mês de março até pode significar boas notícias para bancos centrais e famílias, por representar uma solução efetiva para o problema da inflação.
Contudo, outros fatores podem mais do que anular este efeito positivo. Se a economia travar a fundo, o desemprego disparar e a crise na banca escalar ainda mais, as famílias também vão pagar a fatura.
A forma como os bancos centrais vão gerir estas ameaças será fundamental. A inflexibilidade no combate à inflação pode agravar a crise na banca e aprofundar a travagem da economia. Por outro lado, suspender de forma abrupta a subida de juros pode abrir caminho para a inflação permanecer em níveis elevados por mais tempo.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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