A moratória do crédito vai permitir às famílias reduzirem os seus encargos imediatos com a prestação do empréstimo habitação. É uma ajuda para quem está com dificuldades, mas recorrer a esta medida vai aumentar os custos do empréstimo a longo prazo.
A medida da fixação de prestação de crédito habitação tem o objetivo de aliviar os encargos imediatos para as famílias, num período marcado por uma subida acentuada das taxas de juro. É preciso ter em consideração que há, de facto, um alívio imediato, mas quem recorrer a esta medida terá um custo total do crédito mais elevado. E porquê? Porque, na prática, vai adiar o pagamento de parte do capital.
De realçar que esta medida está disponível para todos os contratos com taxa de juro variável, ou no período de taxa variável (se tiver sido contratado uma taxa mista). Há ainda outra ressalva: os contratos têm de ter um prazo remanescente superior a cinco anos.
Mas vamos perceber como vai ser aplicada esta medida, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 91/2023.
1. Como é calculada a nova prestação?
2. Qual é a Euribor a aplicar?
4. Há um limite máximo de redução da prestação?
6. Quanto tempo vai demorar até ser aplicado o desconto?
7. O que pago nos dois primeiros anos da medida?
8. E após o período do desconto?
9. Vai haver algum perdão de dívida?
10. E o que acontece ao valor que não pago?
11. Os bancos podem alterar outras condições do crédito?
12. Se recorrer a esta ajuda fico com registo no Banco de Portugal?
13. O que acontece se estiver em incumprimento?
14. Depois de pedir a fixação da prestação tenho de cumprir os dois anos?
15. Posso combinar esta medida com outros apoios?
16. Posso amortizar o crédito durante a moratória?
17. E posso transferir o empréstimo para outra entidade?
19. Compensa recorrer a esta medida?
1. Como é calculada a nova prestação
A nova prestação vai ser fixada através da aplicação de um desconto, que será calculado da seguinte forma: Independentemente da Euribor associada ao contrato em causa, é calculada a prestação com base em 70% do valor da Euribor a 6 meses. Depois, calcula-se a diferença entre a prestação “normal” (a que seria devida em condições habituais) e aquela que resultou do cálculo descrito. Essa diferença corresponde ao valor do “desconto” a aplicar.
Na prática, os clientes ficam a pagar o valor da prestação que resulta da aplicação de 70% da Euribor a 6 meses, como veremos no exemplo a seguir.
Imaginemos que a sua prestação é de 580 euros e que o cálculo com base em 70% da Euribor a 6 meses daria uma prestação de 500 euros. Ora, a diferença é, assim, de 80 euros, que é o valor do desconto que será aplicado. Neste caso, passaria a pagar ao banco 500 euros por mês. Atenção que este exemplo é apenas para que fique com uma ideia de como funciona. Mais abaixo daremos simulações mais realistas.
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2. Qual é a Euribor a aplicar?
A taxa a considerar para os cálculos é a “Euribor a seis meses no mês anterior ao pedido do mutuário”, de acordo com a legislação, independentemente do indexante usado. Ou seja, mesmo que tenha um crédito indexado à Euribor a 3 ou a 12 meses, os cálculos da redução serão feitos com base na Euribor a seis meses.
Sendo que é usada a média mensal que vigora nos créditos hipotecários e que pode consultar no portal do Doutor Finanças.
3. Como é feita a conta?
Encontrado o desconto, que vai depender das condições do financiamento, esse valor é subtraído da prestação, através da componente de amortização de capital.
Assim, num empréstimo de 100 mil euros a 25 anos, com um spread de 1%, a prestação correspondente, tendo como referência a Euribor a seis meses de setembro, é de 586,34 euros. Sendo que este valor se divide da seguinte forma: 167,17 euros correspondente à parcela de amortização de capital e 419,17 euros de pagamento de juros.
Se aplicarmos o tal desconto de 30% neste caso, a redução é de 68,34 euros, o que significa que vai passar a pagar uma prestação de 518,00 euros. Neste caso, do total de prestação vai continuar a pagar 419,17 euros de juros e vai amortizar apenas 98,84 euros.
Ou seja, vai reduzir o ritmo de amortização de capital.
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4. Há um limite máximo de redução da prestação?
Há. O valor máximo de redução da prestação é o equivalente à parcela de capital amortizado. Uma vez que ninguém pode terminar o período da moratória com um capital mais elevado do que tinha no início desta medida, não é possível ter um desconto que seja superior a essa parcela.
5. Qual a duração da medida?
Esta medida tem a duração máxima de 24 meses. Pode ser pedida a partir de 2 de novembro e até 31 de março de 2024.
Se as taxas Euribor descerem para valores inferiores aos 70% definidos na fixação da prestação, esta medida fica suspensa e o cliente volta ao plano inicial. A fixação da prestação pode ainda ser interrompida pelo próprio cliente.
6. Quanto tempo vai demorar até ser aplicado o desconto?
Depois de fazer o pedido ao banco, a instituição tem 15 dias para apresentar uma simulação com o impacto da medida. Neste documento tem de estar a estimativa do montante diferido, ou seja, do valor total que o cliente não vai pagar, bem como o plano de reembolso.
O cliente tem depois 30 dias para dizer ao banco se aceita as condições implícitas na fixação da prestação ou não.
7. O que pago nos dois primeiros anos da medida?
Durante os primeiros dois anos estará a pagar toda a componente de juros que devia pagar se não tivesse aderido à medida.
A prestação deverá contar ainda com uma parte de capital, a não ser que o desconto aplicado corresponda ao valor total da parcela de amortização de capital, tal como explicado no ponto Como é feita a conta.
8. E após o período do desconto?
Ao final dos dois anos, ou do momento em que a medida seja suspensa, passa a pagar a prestação normal, tendo em consideração o capital em dívida e os juros aplicados. Na maior parte dos casos, durante os quatro anos seguintes, o que vai pagar é uma prestação que resulta dos juros da dívida e da parte do capital em dívida. Contudo, não vai estar a pagar a parcela de capital que foi diferido ao longo dos dois anos. Esta parcela só será paga a partir do sétimo ano. Até esse momento, ficará "congelada", a não ser que o cliente queira antecipar este pagamento de forma parcial ou total.
Esta será a realidade até ao final do sexto ano desde o início da medida. Ao sétimo ano, os clientes passarão a pagar também a parcela de capital que foi diferido no início da medida.
Este calendário só não se aplica se o contrato terminar em menos de seis anos, após os dois anos iniciais. Nestes casos, o montante diferido é amortizado nos últimos dois anos de contrato.
Voltemos ao exemplo usado no ponto Como é feita a conta. Num empréstimo em que o desconto aplicado é de 80,00 euros, no final dos dois anos este valor totaliza 1.920,00 euros. Este será o valor que ficará "retido" de lado e que só começará a ser amortizado ao final dos seis anos, salvo ordem do cliente em contrário ou se o contrato tiver um período menor.
De realçar que, apesar de o cliente não estar a amortizar aquele valor, estará a pagar juros sobre o mesmo, uma vez que esta parcela faz parte do capital em dívida.
9. Vai haver algum perdão de dívida?
Não. É aplicado o desconto na prestação, o que implica que não amortiza o capital naquela proporção. Significa, por isso, que ficará com um valor em dívida maior do que se não recorresse a este apoio, uma vez que o ritmo de amortização de capital é menor.
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10. E o que acontece ao valor que não pago?
Fica como capital em dívida, uma vez que, durante o período da fixação da prestação, estará a reembolsar menos capital. O que significa que terá de pagar aquele valor durante o restante prazo do contrato, tal como acontece num diferimento de capital.
Se voltarmos ao exemplo dado na pergunta como é feita a conta, se não recorrer a esta ajuda, vai estar a amortizar o capital em mais de 160 euros por mês. Isto se considerarmos que a taxa Euribor não se altera. Se recorrer à ajuda, tendo em consideração o exemplo usado, passa a amortizar menos de 100 euros de capital. Significa isto que se a dívida for de 100 mil euros, durante dois anos, reduz o capital em dívida em menos de 2.500 euros. Já se mantivesse a prestação sem desconto estaria a amortizar mais de 4.000 euros.
11. Os bancos podem alterar outras condições do crédito?
Não. As instituições financeiras não podem alterar as condições do contrato devido a este pedido. A legislação diz mesmo que “as instituições não podem cobrar comissões ou encargos pela aplicação da medida de fixação da prestação”, nem podem “condicionar a sua aplicação à contratação de outros produtos ou serviços pelos mutuários.”
12. Se recorrer a esta ajuda fico com registo no Banco de Portugal?
Não ficará qualquer registo na designada “lista negra” do Banco de Portugal. À semelhança do que aconteceu em situações semelhantes recentemente, quando no ano passado foram aplicadas novas regras de renegociação do crédito habitação.
Esta negociação ficará registada na Central de Responsabilidade de Crédito (CRC) do Banco de Portugal como uma renegociação regular, tal como as que resultam, por exemplo, de melhorias contratuais devidas a um maior poder negocial do cliente, que não estão relacionadas com dificuldades financeiras.
13. O que acontece se estiver em incumprimento?
Quem estiver numa situação de incumprimento não pode aceder a esta medida.
Ao mesmo tempo, se durante o período em que vigorar esta ajuda falhar o pagamento de alguma prestação, a medida “cessa, de imediato”.
Leia ainda: Como ter acesso à bonificação dos juros no crédito habitação?
14. Depois de pedir a fixação da prestação tenho de cumprir os dois anos?
Não, o período de duração pode depender de várias questões:
- Se o cliente quiser, pode suspender a fixação de prestação;
- Se a taxa Euribor descer para um valor inferior ao valor que está a ser aplicado no contrato, a medida é suspensa. Podendo ser retomada se o indexante voltar a aumentar;
- Se houver incumprimento por parte do cliente a medida cessa.
15. Posso combinar esta medida com outros apoios?
Pode, nomeadamente com a bonificação de juros, cujo acesso é limitado, uma vez que têm de ser cumpridas algumas condições.
Saibas quais as regras da bonificação dos juros em vigor.
16. Posso amortizar o crédito durante a moratória?
Pode. Independentemente de estar a beneficiar da fixação da prestação, pode fazer reembolsos antecipados, podendo fazer amortizações parciais ou totais do empréstimo.
Sendo que o reembolso que for feito “é imputado, em primeiro lugar, à amortização do montante diferido”.
De realçar que, em 2024, vai manter-se a regra de isenção de comissão por amortização antecipada do crédito habitação, tratando-se de um reembolso total ou parcial. Contudo, independentemente de esta medida temporária estar ou não em vigor, a amortização do montante diferido durante o período da medida de fixação da prestação é isenta de qualquer comissão.
17. E posso transferir o empréstimo para outra entidade?
Sim, pode transferir o seu crédito habitação e ainda manter a fixação da prestação, desde que o empréstimo se mantenha indexado a uma taxa Euribor.
Ou seja, pode tentar encontrar uma solução de financiamento que lhe seja mais vantajosa, mantendo a fixação da prestação ou não.
18. Compensa recorrer a esta medida?
Não havendo qualquer perdão, o efeito prático desta medida é o de aumentar o encargo final para o cliente. Isto porque, apesar de o legislador ter garantido que não haveria lugar ao pagamento de juros sobre juros, nem um aumento do endividamento das famílias, este desconto vai implicar que se adie o reembolso de parte da dívida.
Significa isto que quem aceder a este apoio vai ter um montante em dívida mais elevado durante mais tempo. Logo, o encargo total do empréstimo vai ser maior.
Avaliando o caso de um empréstimo de 150 mil euros, a 25 anos, com um spread de 1,5%, só a renegociação para um spread de 1,1% reduz a prestação em 35,54 euros, o que dá uma poupança de 426,48 euros por ano. Se recorrer à moratória, a redução da prestação é de 55,52 euros, ou seja, pagará menos quase 20 euros.
Contudo, há uma diferença substancial. Enquanto que na primeira situação vai amortizando uma parte mais significativa do capital, na medida de fixação da prestação reduz a amortização de capital. O que significa que vai manter o valor da sua dívida mais alta, o que fará com que pague mais juros a longo prazo.
Já se usarmos uma taxa de juro mista, que fixa a taxa durante dois anos nos 3,65%, este empréstimos acima descrito reduz em 160 euros o valor da prestação. O que representa menos 1.900 euros por ano, permitindo uma amortização mais célere do empréstimo.
A medida de fixação da prestação foi desenhada com o objetivo de oferecer uma solução rápida às famílias, mas não implica qualquer perdão de dívida. Trata-se de um adiamento do pagamento de parte de uma dívida existente. Desta forma, se houver uma forma de reduzir os encargos por via da negociação com a banca, esta solução, à partida, será mais vantajosa para o consumidor.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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