O crédito habitação tem um papel importante na economia e na sociedade portuguesa, uma vez que é a principal forma de acesso a habitação própria.
No entanto, o incumprimento do crédito habitação tem sido um tema que, de forma recorrente, é debatido em Portugal, e ao dia de hoje e face ao aumento das taxas de juro de referência dos últimos meses voltou a ser estrela de muitas conversas e artigos. A situação atual é comparada frequentemente com a crise económica de 2008.
A tempestade de 2008
E este estrelato é merecido ou justificado? Sou da opinião que não, em 2008, a crise económica além de global foi causada em grande parte pela concessão de crédito, em particular pelo crédito imobiliário, com uma avaliação da capacidade de pagamento dos devedores no mínimo muito otimista.
A ajudar à “tempestade perfeita” o aumento da taxa de desemprego e a consequente redução do rendimento disponível, muitas famílias ficaram incapazes de pagar as suas dívidas, levando a um elevado número de incumprimentos e de execuções hipotecárias. Isso afetou não só as famílias, mas também os bancos, que enfrentaram perdas significativas e uma grande pressão financeira.
Esta crise de 2008 desencadeou uma reflexão profunda, o que permite que a situação atual seja muito diferente. Desde então, foram adotadas diversas medidas para prevenir uma nova crise financeira. Entre as medidas mais importantes estão as macroprudenciais.
Estas medidas têm como objetivo prevenir a acumulação de riscos excessivos no sistema bancário e garantir a estabilidade financeira. Em Portugal foram implementadas várias medidas macroprudenciais, como a limitação da concessão de crédito, o aumento dos requisitos de capital e a supervisão mais apertada dos bancos.
Regras impostas à banca protegem as famílias
Como? Em primeiro lugar, o Banco de Portugal estabeleceu limites à concessão de crédito, tais como a percentagem do valor do imóvel que pode ser financiada e o rácio de endividamento máximo permitido, uma das medidas mais importantes foi a limitação da taxa de esforço para fins de novo financiamento.
Esta medida limita o montante mensal que as famílias podem gastar com o pagamento do crédito habitação, tendo em conta o seu rendimento disponível. Desta forma, evita-se que as famílias contraiam empréstimos que não são adequados às suas capacidades financeiras. Isso significa que os bancos têm de avaliar cuidadosamente a capacidade de pagamento dos seus clientes antes de concederem um empréstimo, o que reduz significativamente o risco de incumprimento.
Em segundo lugar foram criados regimes de proteção ao consumidor, como o Regime do Crédito Hipotecário, que obriga os bancos a fornecer informações claras e completas aos consumidores antes de concederem um empréstimo. Os consumidores têm agora o direito, por exemplo, de sem custos adicionais renegociar o contrato em caso de dificuldades financeiras.
Também foram criados instrumentos de proteção financeira, tais como o Fundo de Garantia de Depósitos e o Fundo de Resolução, que garantem a segurança dos depósitos bancários e ajudam a recapitalizar os bancos em caso de dificuldades financeiras.
Em suma, estas medidas macroprudenciais e de proteção ao consumidor foram adotadas em resposta às lições aprendidas com a crise económica de 2008. Atualmente, estamos mais protegidos contra uma possível crise económica, graças a estas medidas e a um maior nível de consciência financeira da população em geral.
No entanto, é importante lembrar que o crédito habitação continua a ser uma responsabilidade financeira importante e que a prudência e o planeamento financeiro são fundamentais para evitar o incumprimento.
O fantasma do incumprimento
O fantasma está longe, segundo dados do Banco Portugal estamos no valor mais baixo de incumprimento dos últimos 25 anos, e com um valor atual que é cerca de um décimo do máximo atingido em 2016.
Será de esperar que nos próximos tempos assistamos a uma subida do nível de incumprimento. Ainda assim, este valor deverá variar significativamente percentualmente, mas em termos absolutos mesmo que subisse 100% continuaria a ser menos de um quarto do máximo histórico.
Devemos ser prudentes, cautelosos nas nossas tomadas de decisão, mas aparentemente não existem razões para pânico ou pessimismo, o sistema bancário fez um trabalho fantástico na última década para dotar o sistema financeiro de robustez, e os clientes que obtiveram crédito em contexto de taxas negativas foram alvo de critérios apertados de concessão.
Este contexto leva-me a defender que as famílias devem continuar a tomar decisões, como as de compra de habitação, desde que o façam de forma consciente e sem pôr em risco o seu bem-estar financeiro. O adiar dessas mesmas decisões tem um efeito muito mais nefasto que o fantasma que afinal não existe para a economia e para os orçamentos familiares.
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Cláudio Santos, iniciou carreira no setor da banca em 1992 no Loyds Bank, terminando em 2012 no Deutsche Bank após passar por Banco Fomento Exterior e Banco BPI. Após uma experiência internacional de 3 anos como Diretor Comercial, ingressou em 2016 no Doutor Finanças. Atualmente é Partner, Board member e Chief Commercial Officer (CCO).
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