Todos nós temos direito a uma habitação, segundo a Constituição Portuguesa. E a maioria dos jovens, quando não dispõem de rendimento suficiente para a compra de uma casa, recorrem ao financiamento sob a forma de crédito habitação. No processo de concessão desse crédito há um passo crucial que é a avaliação de solvabilidade.
Até à publicação do Decreto- Lei que rege o crédito habitação em Portugal, o regime jurídico não contemplava o dever de avaliação de solvabilidade do cliente que recorria ao empréstimo. No entanto, e com o aumento do incumprimentos, impôs-se esta necessidade. O objetivo desta medida é evitar o crédito irresponsável e impedir a concessão do crédito quando o risco de incumprimento é elevado.
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Neste artigo iremos explicar a definição de avaliação de solvabilidade. Analisaremos o que implica e de que forma influencia financeiramente a vida do cliente. Mas para isso é importante definir, desde já, alguns conceitos, que são fundamentais no que respeita a este tema:
- Crédito: Um crédito é um produto complexo, definido por um contrato redigido, entre a entidade que concede esse crédito (entidade financeira/bancária) e o consumidor que o requer. A entidade financeira disponibiliza um valor monetário ao consumidor. Este compromete-se ao pagamento deste valor. O consumidor deverá honrar o seu compromisso nas datas previamente acordadas, contratualmente.
- Consumidor e Entidade Credora: O consumidor é a pessoa singular a quem são fornecidos bens ou prestados serviços, por pessoas ou entidades com caráter profissional, que visem a obtenção de benefícios. No caso do crédito habitação, o consumidor é o cliente a quem é disponibilizado o crédito. O credor (entidade com caráter profissional) é, neste caso, a instituição que o concede.
- Risco de crédito: É o risco de perda, por parte do banco, quando deixa de haver capacidade por parte do consumidor para o pagamento da dívida. Por esta razão é tão importante a avaliação da solvabilidade por parte das instituições bancárias ao cliente.
- Solvabilidade: Não é mais do que a capacidade financeira que o cliente bancário apresenta, para cumprir o compromisso que pretende assumir perante o banco. Portanto, a análise da solvabilidade no crédito habitação, é a avaliação do risco de incumprimento de crédito, feita por parte da entidade credora. O objetivo é determinar se o cliente tem ou não capacidade de assumir as obrigações decorrentes do contrato do crédito habitação. Esta avaliação do perfil do cliente é feita antes da concessão de um crédito ou do aumento do montante de um crédito já existente. Assim se determina se o banco concederá ou não o montante pretendido ao cliente, mediante o nível de risco que ele apresenta. O dever de analisar a solvabilidade, recentemente atualizado pela Diretiva nº2014/17/UE. maior proteção para ambas as partes (consumidor e entidade financeira), de modo a evitar situações de sobre-endividamento.
A análise da solvabilidade é aplicável nos seguintes casos:
- Contratos de crédito à habitação e outros créditos garantidos por hipoteca ou garantia equivalente, regulados pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho;
- Contratos de crédito aos consumidores, regulados pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho.
No entanto, no caso de consolidação de créditos ou refinanciamento de contratos, as instituições de crédito não são obrigadas a avaliar a solvabilidade do cliente.
Critérios de avaliação da solvabilidade
O Banco de Portugal definiu em 2018 novos critérios para avaliação da solvabilidade dos clientes. Eles são:
- Informações sobre as responsabilidades de crédito, constantes da base dados do Banco de Portugal: para avaliar a solvabilidade, os bancos recorrem ao Mapa de Responsabilidades de Crédito que está disponível na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) do Banco de Portugal. Neste documento constam todas as informações sobre empréstimos contraídos e eventuais incumprimentos e respetivos valores, por parte do cliente. O comportamento do futuro cliente no pagamento das suas responsabilidades financeiras é um fator muito importante para os bancos: o primeiro a ter em consideração;
- Situação profissional: aqui a instituição bancária leva em conta se o contrato de trabalho do futuro cliente é por tempo determinado ou indeterminado. Se é apenas prestador de serviços ou se já pertence aos quadros da empresa. Em cada um dos casos, o nível de segurança que oferece, como cliente bancário, quanto ao facto de ser um “bom ou mau pagador”, é diferente;
- Montante auferido pelo consumidor, periodicidade do mesmo e garantias hipotecárias: neste parâmetro a instituição bancária considera os rendimentos regulares do cliente. Analisa-se o salário, remunerações por prestação de serviços ou subsídios sociais, auferidos, no mínimo, nos três últimos meses em relação ao período no qual se está a realizar a avaliação de solvabilidade. O banco procura analisar todas as fontes de rendimento do agregado familiar do cliente, avaliando também os bens do mesmo. Deste modo, consegue-se perceber se o consumidor tem algo que possa ser utilizado como eventual garantia hipotecária, no caso de incumprimento. Como garantias hipotecárias o cliente pode disponibilizar o seu veículo, outro imóvel que possua, o imóvel que deseja comprar ou fiadores. Estas garantem ao banco maior credibilidade no cliente, pois poderá reaver o montante financiado caso o consumidor entre em incumprimento;
- Taxa de Esforço: este ponto refere-se à capacidade de pagamento do cliente. É outro fator muito importante que os bancos consideram na avaliação da solvabilidade. A taxa de esforço é a percentagem do rendimento do agregado familiar que é utilizado exclusivamente para o pagamento de crédito. Assim sendo, quantos mais empréstimos tiver e maior for o montante em dívida, mais elevada será a sua taxa de esforço. Consequentemente, mais difícil será para si contrair um novo empréstimo, cumprindo com o seu pagamento. Segundo o Banco de Portugal, a taxa de esforço do cliente ou agregado familiar não deve, em regra, exceder metade (50%) do seu rendimento líquido;
- Idade: A idade do titular ou titulares dos crédito é outro fator a ter em conta. Normalmente às pessoas mais jovens é concedido mais tempo para pagar o crédito, ficando o montante em dívida diluído por mais anos;
- Orçamento mensal familiar e despesas regulares: Neste caso a instituição pondera os encargos associados ao crédito em análise e outros em curso e o montante destinado às despesas regulares do cliente.
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Para além destes elementos na avaliação da solvabilidade, considera-se a capacidade de gestão e cumprimento do cliente. Isto é: a sua resposta ao impacto negativo de situações futuras, tais como:
- Eventual redução do rendimento. Quer seja por atingimento da idade de reforma ou termo do contrato de trabalho, caso o contrato de crédito esteja em vigor para além dos momentos referidos;
- Eventual aumento das despesas mensais ou pagamento de outras dívidas das quais o cliente é fiador;
- Capacidade do consumidor em assumir um possível aumento do valor da prestação resultante do aumento da taxa de juro (em créditos cuja taxa é variável ou mista - contratos de crédito que prevêem um período de taxa fixa seguido de um período de taxa variável).
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Deste modo, é importante que o cliente demonstre que tem mecanismos de defesa contra estes possíveis imprevistos (tais como um fundo de emergência). E que possua a flexibilidade financeira necessária para ajustar os seus rendimentos a possíveis alterações não programadas.
Para além destes critérios, existem também Limites à Concessão de Crédito, limites esses fixados pelo Banco de Portugal, e que entraram em vigor a 1 de julho de 2018. Estes limites estão relacionados com a taxa de esforço, com valor do imóvel, o prazo dos empréstimos e a modalidade de reembolso.
Estes limites devem verificar-se em simultâneo e não substituem a necessidade do banco em avaliar a solvabilidade de cada cliente.
Conheça em pormenor cada um deles:
- Valor do Imóvel: O montante do valor emprestado ao cliente, pelo banco, não deve exceder uma determinada percentagem do valor do imóvel. A entidade bancária considera o valor do imóvel, o menor valor entre: o valor do preço de aquisição do imóvel ou o valor da avaliação. Posto isto, a percentagem concedida pelo banco para aquisição do imóvel, não deve ser superior a:
- 90% do valor do imóvel (ou seja, 90% do preço de aquisição ou do valor da avaliação, mediante o valor que for mais baixo), quando o crédito tem como finalidade aquisição de habitação própria e permanente;
- 80% do valor do imóvel, quando o crédito tenha outras finalidades não relacionadas com a habitação própria e permanente do cliente (por exemplo arrendamento ou segunda habitação);
-100% do valor do imóvel, quando o crédito é para aquisição de imóveis de banco.
- Prazo do empréstimo: De acordo com estes Limites de Concessão, os contratos de crédito à habitação não devem, em regra, ter prazos médios superiores a 30 anos. No entanto e dependendo da instituição bancária, este prazo pode ser alargado até aos 40 anos, dependendo da idade do cliente;
- Modalidade de reembolso: No que concerne aos créditos habitação, os novos contratos de crédito não devem conceber períodos de carência quer de capital quer de juros. Os empréstimos devem ser reembolsados mediante pagamentos mensais regulares de juros e capital, em simultâneo.
E depois da avaliação de solvabilidade?
Depois da instituição bancária finalizar a avaliação de solvabilidade do clienteSe após a avaliação considerar que o cliente bancário reúne as condições para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito.
Caso isto não se verifique, a concessão de crédito ou aumento do montante é recusada e a instituição tem o dever de informar, sem demora injustificada, o cliente dessa decisão.
Ainda que o resultado da avaliação da solvabilidade seja positivo, o banco não é obrigado a conceder o crédito.
Em suma, antes de pedir um crédito ao banco é importante que analise as suas finanças e avalie se tem capacidade para o pagar.
No entanto, lembre-se que esta avaliação é pautada por critérios de máximo rigor. Este é um instrumento essencial para avaliar não só a viabilidade financeira das famílias, como também assegurar a prosperidade do sistema financeiro do país.
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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