A descarbonização é necessária e quanto mais a atrasarmos mais expostas as economias estarão à volatilidade e preços altos da energia fóssil. Mas se a descarbonização é um pilar da transição energética, outro é o da eficiência energética – ou seja, gastar menos energia para obter o mesmo resultado –, e um outro é o da suficiência energética – gastar energia para o que for necessário, mas não ir além disso.
Numa altura em que a energia está cara – o que se deve a um conjunto de fatores que vão desde a retoma económica, à invasão da Ucrânia pela Rússia e à ainda fraca incorporação de energias renováveis em vários setores –, e pesa cada vez mais nas carteiras, com os preços a roçar o incomportável para muitas famílias (que assim se encontram em pobreza energética ou no seu limiar), importa mais do que nunca revermos alguns dos nossos hábitos enquanto cidadãos, pois nunca foi tão verdade que no poupar está o ganho.
Leia ainda: Não pode largar o carro? Dicas para poupar no combustível
Poupar combustível: O caminho da eficiência energética
Por isso, no recentemente apresentado Plano para Reduzir a dependência energética do gás russo pela Agência Internacional da Energia (AIE), a redução do consumo de energia por via da eficiência e da mudança de comportamento tem um papel fundamental. É agora muito claro que a eficiência energética pode reduzir a dependência da importação de combustíveis, diminuir a exposição à volatilidade dos preços da energia e contribuir para a mitigação das alterações climáticas, ao mesmo tempo que torna os sistemas e as sociedades mais resistentes. E, tocando no ponto que nos interessa, reduzir a fatura das famílias.
É certo que muito do que se pode conseguir tem a ver com a aplicação de políticas públicas adequadas, por exemplo redução do IVA na eletricidade. Mas há igualmente medidas que estão ao alcance de todos os consumidores finais de energia, fechando a ligação entre as políticas que vêm de cima e as ações dos consumidores que vêm de baixo.
Quais são as ações-chave para reduzir rapidamente o consumo de combustível no atual contexto que atravessamos?
Desacelerar e mudar hábitos para poupar combustível
A AIE recomenda reduzir o limite máximo de velocidade nas autoestradas 10 km/h, ou seja, para 110 km/h, mas não temos de estar à espera dessa medida para a praticarmos, de preferência não só em autoestrada. Se o fizermos, conduzindo um pouco menos depressa e de forma mais suave, poderemos reduzir o consumo de combustível em 12-18%, já para não falar nos níveis de poluição e sinistralidade rodoviária.
Trabalhe a partir de casa alguns dias na semana, se o seu trabalho o permitir, especialmente se costuma deslocar-se de carro para o trabalho. Se todos o fizermos (os que podem), estaremos nos países desenvolvidos a evitar o consumo de 500.000 barris de petróleo por dia. Isto tem duas vantagens: poupamos dinheiro – e o ambiente – e estamos a prazo a contribuir para que o preço do combustível baixe, o que é outra forma de poupar dinheiro.
Desloque-se sempre que possível de transporte público ou vá a pé ou de bicicleta (ou outra forma de mobilidade suave). É certo que em muitas deslocações isto não é possível, pois o transporte público precisa e muito de melhorar, e o território e as cidades evoluíram de uma forma centrada no automóvel. Mas, convenhamos, no segundo país da União Europeia onde se anda mais de automóvel, há bastante margem para usar mais o transporte público. Se o fizermos, evitaremos queimar 330.000 barris de petróleo por dia.
Partilhar despesas e evitar viagens
Utilize formas de mobilidade partilhada, em particular o carpooling, que consiste num modelo em que o automóvel e as despesas são partilhados entre condutor e passageiros, os têm o mesmo destino e costumam realizar o mesmo trajeto. Mais uma vez, aqui se poupa combustível e dinheiro, até no estacionamento. A ocupação média dos automóveis em viagens para e do trabalho é cerca de 1,2 ocupantes, mas a sua capacidade é normalmente de cinco ocupantes, logo há aqui um grande desperdício envolvido, e um grande potencial para carpooling. Existem várias plataformas de carpooling e aplicações, porque não juntar-se a uma? E pode indagar junto dos seus colegas e amigos sobre formas de rentabilizarem as vossas deslocações. Se a ocupação média nos carros subir 50% em apenas uma em cada dez viagens, isso já é o suficiente para reduzir o consumo em 470.000 barris de petróleo por dia.
Não viaje de avião, mas sim de comboio. É certo que Portugal está numa ponta da Europa, e por isso é (ainda) difícil fazer uma boa parte das viagens internacionais para a Europa em comboio. Mas, enquanto o serviço ferroviário não melhora e são criados comboios mais rápidos e noturnos, pelo menos as viagens aéreas dentro de Portugal continental e mesmo entre Portugal e Espanha podem ser feitas em comboio de forma perfeitamente aceitável e muitas vezes mais barata. Se todas as viagens de avião que fazemos inferiores a 1.000 km forem substituídas por comboio, pouparemos 40.000 barris de petróleo por dia – o que, novamente, puxará o preço dos combustíveis para baixo;
Mas, melhor do que substituir o avião pelo comboio, pode colocar o princípio da suficiência energética em ação e simplesmente evitar viajar em trabalho. A pandemia ensinou-nos que é possível substituir muitas dessas viagens por interações virtuais, incluindo as comerciais. Muitas empresas têm investido fortemente na melhoria da experiência de reuniões à distância, tornando-a um substituto aceitável, eficaz e viável para as viagens em trabalho.
As empresas continuaram as suas operações - e em muitos casos com vantagem - após este ajustamento. E, se tiver mesmo de viajar de avião em trabalho, não viaje em classe executiva – dadas as necessidades de espaço nos aviões, as viagens em executiva implicam um consumo de combustível três vezes superior ao do da classe económica. Os estudos mostram que é viável a curto prazo uma redução de dois em cada cinco voos em trabalho, o que fará poupar 260.000 barris de petróleo por dia.
"A energia mais barata é a que não se usa"
Se for estritamente necessário usar o automóvel, opte sempre que possível por automóveis 100% elétricos ou frugais em consumo de combustível. Um automóvel 100% elétrico tem implícitas três vezes menos emissões de CO2 que um veículo equivalente a combustão ao longo de todo o seu ciclo de vida, e os seus custos totais também já são inferiores. Se todos os que podem optarem por veículos elétricos, isso permitirá evitar queimar o equivalente a 100.000 barris de petróleo por dia. E, já agora, no verão, se usa ar condicionado no automóvel, eleve a temperatura do termostato em um ou dois graus – tal permitirá poupar ainda mais.
Estas medidas, especialmente se conjugadas com outras, nomeadamente as que nos permitem poupar na conta da energia em casa, permitir-nos-ão mitigar o impacto na nossa carteira deste conturbado período de escalada de preços da energia, e constituem simultaneamente passos importantes na transição energética que a sociedade tem de dar. Não se esqueça que a energia mais barata é aquela que não se usa.
Leia ainda: Carros elétricos: Vantagens e desvantagens a ponderar antes da aquisição
Pedro Nunes é analista de políticas públicas e coordenador de projetos nas áreas de energia, clima e mobilidade na ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. É investigador pós-doc no Instituto Dom Luiz, com trabalho em sistemas de energia e mobilidade sustentável, modelação e planeamento energético, e políticas públicas na área do ambiente e transportes.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário
Um comentário em “7 ações-chave para poupar combustível”