Há títulos que colocam as expectativas bem altas. O deste texto será um deles, mas, em nossa defesa, diremos que o mesmo deriva dos títulos da série e documentário que iremos analisar.
É que, se Get Smart With Money nos assegura de que vamos ficar mais espertos em relação ao dinheiro, a série How to Get Rich vai ainda mais longe, prometendo dar-nos uma receita para alcançarmos uma vida de rico. Vejamos se cumprem…
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Quatro consultores financeiros para quatro casos reais
No documentário Get Smart With Money, quatro consultores financeiros são emparelhados com outros tantos casos reais, num programa de mentoria financeira que dura um ano. Mas, porque cada caso é um caso, vale a pena realçarmos também aqui o aviso inicial: "Os conselhos dados nesta obra podem não ser os mais indicados para todas as pessoas e não substituem um apoio mais individualizado por parte de um profissional de finanças."
Feita a desresponsabilização sobre os possíveis efeitos daquilo a que o espectador vai assistir, o documentário foca-se na tentativa de os “clientes” assumirem as rédeas das suas finanças. Para tal, socorrem-se das receitas dos respetivos gurus. É todo um programa de otimização de vida, que passa pela reorganização mental sobre o tema dinheiro, cortes na despesa, tutoriais sobre orçamentos, investimentos, poupanças…
Realizado em formato de reality show, o documentário mostra as fases mais duras do processo, os revezes, as dificuldades em avançar, os novos e crescentes desafios. Aqui, pelo menos, existe o mérito de nada aparecer de mão beijada ou por artes mágicas.
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Uma amostra de diferentes níveis de rendimento
Os casos escolhidos procuram fornecer um espectro abrangente da sociedade norte-americana. Temos a jovem adulta, empregada de mesa, cujos dois trabalhos não chegam para ter um seguro de saúde ou comprar os medicamentos de que necessita. No outro extremo, acompanhamos o jogador de futebol americano que recebeu cheques chorudos, mas que não soube investir o dinheiro ganho.
Encontramos ainda um caso de endividamento à custa de um empréstimo para estudante e de um consumismo excessivo que resultou em pesadas faturas dos cartões de crédito. E ainda o casal com filhos pequenos, em que a mulher tem um emprego de sucesso e o marido está desempregado, sendo que cada um gostaria de ter um pouco daquilo que o outro tem: ela anseia por passar mais tempo com os miúdos, ele sonha em retomar a sua carreira.
Face a estes cenários, os quatro consultores – Paula Pant (autora do movimento Afford Anything), “Ross Mac” Macdonald (criador do site Maconomics), Tiffany Aliche (especialista em ajudar mulheres a gerirem as suas finanças), e Pete Adeney (mais conhecido por Mr. Money Mustache) – revelam estratégias e receitas, umas aparentemente simples, outras mais exigentes.
Como gastar menos dinheiro nas despesas essenciais? Será mudar para um apartamento menor, escolher um veículo utilitário, cozinhar em casa. Onde ir buscar mais dinheiro? Tentar uns biscates, preparar o terreno para um negócio próprio. Como decidir se devemos comprar uma determinada coisa? Vermos onde essa coisa encaixa numa escala de hierarquias:
- Preciso disto (os gastos básicos, casa e alimentação, por exemplo);
- Adoro isto;
- Gosto disto;
- Quero isto
E entender que muitas vezes se gasta naquilo de que se gosta ou que se quer, rotulados pela especialista como níveis de satisfação rápida e fugaz, por não se conseguir comprar aquilo que se adora.
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As polémicas geradas pelo tema do dinheiro
Através dos quatro exemplos distintos, o documentário procura mostrar a importância de se efetuar um orçamento doméstico ou do impacto que o dinheiro pode ter nos níveis de stress e ansiedade de uma família.
Como seria de esperar, as dicas incluídas neste Get Smart With Money têm recebido apreciações distintas por parte do público. Nas críticas publicadas no site imdb, há quem as ache superficiais ou quem considere que os cenários base são “fabricados” e pouco ou nada relacionados com as pessoas que passam realmente por dificuldades. Mas também há quem tenha encontrado conselhos úteis, independentemente do nível específico de rendimento que está a ser retratado.
E, por falar em potencial polémico, que dizer do título da minissérie em redor do consultor financeiro Ramit Sethi? How to Get Rich (2023) consiste em oito episódios, a rondar a meia hora, com apresentações tão sugestivas como “Contas e Sinos de Casamento”, “Dinheiro Novo, Velhos Problemas” ou “Projete a sua Vida de Rico”. A premissa de Ramit passa por mostrar que o dinheiro não tem de controlar a vida das pessoas.
Além dessa libertação, ele ainda promete ajuda para ficarmos ricos. Há melhor do que isto?!
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Show-off próprio da era das redes sociais
Bem, saliente-se que já vimos o documentário há algum tempo e ainda não chegámos lá. Mas também mentiríamos se não confessássemos que talvez tenhamos aprendido alguma coisa. O quê? Talvez termos ficado com mais umas luzes sobre como encarar a questão do dinheiro. O que até passa pelo aspeto da própria série, dona de um colorido e lustroso marketing visual, cheio de luxo à mistura, bem ao gosto de certas audiências modernas.
Alguns dos casos apresentados nesta espécie de reality show financeiro são, na verdade, um bocado show-off. Existem, sobretudo, para serem esteticamente apelativos. Se são meras futilidades, isso fica ao gosto e critério de cada um...
Sabemos que parte do mediatismo atual passa pela questão da aparência (e, neste caso, não falta o brilho dos relógios de marca e dos automóveis desportivos), e é inegável que a minissérie serve de veículo de promoção à carreira de Ramit Sethi.
Com mais este programa num serviço de streaming, o guru ficará certamente mais perto da riqueza: mais exposição, mais fama, mais clientes. Ramit encaixa na perfeição como principal intérprete de um programa que pretende entreter o espectador. How to get Rich tem, decididamente, demasiado drama na narrativa, que despeja sobre nós o poder da atração voyeurista, ao abrir-nos as portas de vidas alheias, mesmo que parcialmente encenadas.
Mas, então não se aprende a enriquecer?
Ramit Sethi quer que passemos a tomar decisões conscientes sobre as coisas em que queremos gastar o nosso dinheiro. Podia aplicar-se o mesmo conceito ao tempo que passamos em frente ao ecrã.
Afinal, esta série e este documentário valeram a pena? Sim, se aceitarmos que até os assuntos financeiros, às vezes, podem despir-se de uma certa seriedade e assumir o formato de reality show. Mesmo entre tanto ruído, é provável que alguns exemplos e conceitos úteis acabem por ficar connosco. Os casos de gente que gasta mais do que ganha. As diferentes filosofias sobre o dinheiro. Os créditos, as poupanças, as pontuações de crédito, as contas comuns ou separadas, os planos de negócio, os orçamentos. A leitura das contas, rendimentos e despesas, que é capaz de nos providenciar a radiografia financeira de um indivíduo ou família.
Além disso, entre gastar umas horas com uma série que aborda o tema das finanças pessoais ou vegetar frente ao ecrã diante de um reality show de gente fechada numa casa a fazer macacadas para ganhar canal, não temos qualquer dúvida sobre qual das hipóteses aconselhar. Sobretudo, se não levarmos a sério alguns títulos especulativos…
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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