O mercado imobiliário residencial está a registar um momento único. Os últimos dados do INE mostram que o último trimestre de 2020 registou novo máximo histórico (trimestral) no número de casas vendidas em Portugal. O ano de 2020 registou um recorde anual no volume de vendas, apesar de uma quebra de 5,3% no número de casas vendidas. Em ano de pandemia, os números são extraordinários.
Há vários fatores que explicam estes números. Já os explorámos em artigos anteriores. Hoje foco-me apenas num deles: a compra de casas por portugueses.
Economia a cair, portugueses a comprar
Tudo isto parece algo confuso. Não parece fazer grande sentido. Num ano em que a economia portuguesa viu o seu PIB cair como não há registo e em que o desemprego aumentou, a atividade transacional no mercado residencial não dá sinais de travar.
Ao mesmo tempo que a economia portuguesa registou uma quebra ímpar no PIB, os depósitos dos portugueses aumentaram como não há memória. Em plena pandemia, com maior dificuldade em consumir (apesar do forte aumento registado no e-commerce) e provavelmente com receio sobre o futuro próximo, as poupanças dos portugueses aumentaram consideravelmente.
Segundo dados do Banco de Portugal, no final do ano passado, os portugueses tinham um valor de quase 162 mil milhões de euros em depósitos. Um máximo histórico e um aumento de 7,9% face a dezembro de 2019. Desde 2011 que não se via tamanho aumento homólogo.
Num contexto em que as taxas de juro dos depósitos são nulas ou próximas disso, muitos são os portugueses que optam por não ter o dinheiro parado no Banco. Alternativa? Imobiliário.
A ajuda da Banca
Adicionalmente, a Banca parece ajudar. Se de um lado, oferece taxas nulas nos depósitos, por outro pratica taxas mínimas históricas no crédito habitação. Dados do INE mostram que a taxa de juro implícita nos novos créditos habitação em Portugal fechou o ano de 2020 nos 0,79%. Entretanto, março regista novo mínimo, nos 0,705%.
O capital médio em dívida dos contratos firmados em 2020 subiu 6,8% face a 2019, para o valor de 108.369 euros. Trata-se do valor mais elevado desde 2009. Os portugueses pedem mais crédito para a compra de casa a um custo historicamente baixo. Ao mesmo tempo, aumentam as suas poupanças.
Casas cada vez mais caras
Tudo isto ocorre num contexto de alta de preços na habitação. É certo que a alavancagem no segmento residencial está longe dos valores registados no pós-subprime (leia o artigo “Comprar casa: Altura ideal para pedir um crédito ou a ilusão do poder de compra?), mas também é certo que nunca que os preços estiveram tão altos.
Na verdade, hoje em dia são muitos os portugueses a comprar casa. Seja para habitação própria e permanente, seja para segunda habitação, ou mesmo para puro investimento. E pelo que vejo no mercado e vou lendo por aí, as compras direcionam-se também a casas com preços mais elevados, teoricamente aquelas que eram sobretudo vendidas a estrangeiros ou a um nicho de mercado nacional.
Pessoalmente, não sei exatamente qual ou quais as motivações dos portugueses para esta fuga para o imobiliário. Pode haver várias. Segurança? Rendimento? Falta de alternativas? Mudança de estilo de vida? Expetativa que o mercado suba ainda mais com o regresso de estrangeiros?
Uma coisa eu sei: o mercado é feito de ciclos. A pandemia parece ter alterado em parte o ciclo que estava em desenvolvimento em Portugal, podendo inclusive ter adiado a sua correção. Mas essa correção, natural e, diria mesmo, saudável, vai chegar.
Caberá a cada comprador/investidor definir bem qual o seu horizonte temporal de investimento e a sua estratégia de saída. Afinal de contas, no longo prazo, o ativo imobiliário acaba (quase) sempre por recuperar de quedas sofridas e valorizar acima da inflação.
Bons negócios (imobiliários)!
Gonçalo Nascimento Rodrigues é Consultor em Finanças Imobiliárias, tendo trabalhado em empresas como Ernst & Young, Colliers International e Essentia. É Coordenador e Docente numa Pós-Graduação em Investimentos Imobiliários no ISCTE Executive Education. Adicionalmente, exerce atividade de consultoria, prestando serviços de assessoria ao investimento imobiliário. Detém um master em Gestão e Finanças Imobiliárias e um master em Finanças, ambos pelo ISCTE Business School, além de uma licenciatura em Gestão de Empresas na Universidade Católica Portuguesa. É autor do blogue Out of the Box.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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