Nos últimos 20 anos, assistimos a um conjunto de alterações que transformaram a dinâmica do nosso dia-a-dia. Vivemos num mundo cada vez mais global, onde as notícias correm ao sabor do vento. Estamos a um clique do outro lado do mundo. Recebemos cada vez mais solicitações que, de uma forma rápida, nos entram em casa através de um simples telemóvel. Basta recuarmos 20 anos para percebermos a velocidade da evolução da sociedade.
A nova economia
A “revolução” tecnológica tem cada vez mais impacto na forma como interagimos com o mundo. A economia como a conhecíamos deixou de existir. As empresas percebem que existem cada vez mais formas de comunicar com os consumidores ou chegar ao seu mercado alvo. Surgiu espaço para novas oportunidades que tem vindo a ser ocupado por novas empresas e, por outro lado, surgiram desafios para as empresas que tinham mercados consolidados e que tiveram de se readaptar. Em função de toda esta evolução, a concorrência é cada vez mais feroz. A oferta de bens e serviços é muito maior, e isso faz com que tenhamos mais possibilidades de escolha.
Leia ainda: Fundos de Pensões: Pensar o futuro no presente
Evolução pressupõe riscos
Como em tudo, a evolução e transformação trazem coisas boas e outras más. É verdade que temos acesso a muito mais informação e que temos muito mais opções de escolha. Também é verdade que toda esta inovação tecnológica traz consigo alguns “perigos” que não existiam. O acesso fácil a bens e serviços, através de um clique de telemóvel, faz com que exista espaço para o surgimento de sites fraudulentos e de estratégias que visam tirar proveito da inexperiência do consumidor. Como a evolução tem sido tão rápida, as próprias autoridades têm mais dificuldade em regular todo um mundo novo que têm pela frente.
A confirmação destes receios está bem patente no primeiro inquérito à literacia financeira digital da população portuguesa, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), num projeto com o Banco de Portugal, onde se concluiu que 39% dos utilizadores de internet nunca procurou informação sobre a utilização segura dos serviços financeiros digitais.
Na amostra deste estudo, 76% dos inquiridos utilizam a internet, mas apenas 45% fazem compras online e 50% utilizam o homebanking ou as apps dos bancos. Muitos preferem o contacto pessoal/balcão (29%), o que demonstra a insegurança que uma parte da população sente relativamente à forma como a tecnologia se tem vindo a implementar.
Perceber antes de consumir/investir
Este estudo apresentado pelo Banco de Portugal permitiu-nos retirar algumas conclusões sobre o nível de literacia digital da população portuguesa em várias áreas. A primeira é que ainda existe receio de uma grande percentagem da população em utilizar serviços financeiros digitais de uma forma regular. Todos sabemos que o homebanking nos pode facilitar o dia-a-dia, por ser ágil, rápido e eficaz. Contudo, o desconhecimento leva a que uma grande parte da população continue a optar pela via tradicional, por receio de poder expor de alguma forma o seu património a riscos desconhecidos.
A segunda área de análise tem a ver com a constante informação que nos vai “aparecendo” pela frente. Se não tivermos capacidade para separar o que é real do que é falso, poderemos incorrer em perdas. Como exemplo, neste estudo sobre a literacia financeira digital em Portugal, no caso das criptomoedas (um dos temas da moda no mundo dos investimentos), apenas 55% dos inquiridos respondeu que sabia que podia perder dinheiro se investisse nestes “ativos”. 43% dos inquiridos responderam acertadamente à questão se o Estado regula os criptoativos e 40% acertaram na resposta à pergunta que questionava se os criptoativos como bitcoin ou ethereum têm o mesmo curso legal do que notas e moedas. Se restringirmos estas questões ao universo de inquiridos que investe em criptoativos, 79% afirma que tem noção que pode perder dinheiro. Mesmo assim, 21% das pessoas que responderam a este questionário e investem em criptomoedas não sabem que podem perder dinheiro!
Leia ainda: Investir de uma forma consciente
Conhecimento como alavanca para o sucesso
A nossa realidade, cada vez mais acelerada, proporciona-nos diariamente um enorme conjunto de solicitações que devemos saber gerir. Com o acesso a muita informação, corremos mais riscos, uma vez que tanto nos aparecem soluções de investimento ou consumo fantásticas como, em simultâneo, histórias de (supostas) pessoas que tiveram um enorme sucesso ou uma experiência magnífica ao investirem ou comprarem determinado produto. A melhor forma de estarmos protegidos face a esquemas fraudulentos é termos cada vez mais conhecimento. Quanto mais variáveis dominarmos melhor. E esta questão não se resolve de uma forma individual, mas sim com um plano coletivo.
É fundamental dar formação à população, desmistificar conceitos e chamar a atenção para os riscos que podem surgir. A formação digital é fundamental, assim como a formação financeira. Quanto mais cedo este tema for colocado na agenda mediática, de uma forma séria, melhor capacidade teremos, enquanto país, de tirar proveito de tudo o que a tecnologia nos pode dar. O Banco de Portugal percebe a importância deste tema e apresentou um plano que tem como objetivo tocar em quatro pontos fundamentais: reconhecer a importância da literacia financeira digital e garantir a todas as pessoas o acesso a formação financeira digital de qualidade; assegurar que o acesso e a utilização de serviços financeiros digitais têm por base informação e conhecimento adequados; promover uma utilização segura de serviços financeiros digitais; e melhorar a eficácia das iniciativas de formação financeira digital com recurso a evidência, avaliação e coordenação.
Sem dúvida que este é um passo importante para podermos ter melhor qualidade de vida. Seria importante que outras entidades seguissem o exemplo do Banco de Portugal e que pudessem colocar este tema na agenda mediática. Seria ainda fundamental que as escolas começassem a abordar estas questões de uma forma regular com os jovens que serão os adultos no futuro. As empresas também deveriam fazer workshops sobre estes temas para “dar” aos seus empregados ferramentas que lhe serão muito uteis pela vida fora.
No limite, o pontapé de saída está dado pelo Banco de Portugal. Pretendemos assim melhorar o índice de literacia financeira digital da população portuguesa que está neste momento em 58 (numa escala de 100). Todos acreditamos que uma população com melhor índice de literacia financeira digital terá mais e melhores ferramentas para poder viver o seu dia-a-dia, podendo tirar proveito das oportunidades que surgem e mais atenção e perceção dos riscos que incorre.
Leia ainda: Podcast: Como está a literacia financeira das empresas portuguesas?
Apaixonado pelo desporto e economia, foi jogador profissional de Futebol, tendo atuado em clubes como S.L. Benfica, Estoril, entre outros. Conciliou a carreira desportiva com a académica, terminando a licenciatura em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA SBE). Continua ligado às suas duas paixões profissionais, desempenhando a função de Financial Advisor e colaborando como analista desportivo na CNN Portugal. Foi comentador residente no programa Jogo Económico do JE e Presidente do Conselho Fiscal da Federação Portuguesa de Footgolf. (FPFG). Participa com regularidade em eventos sobre Literacia Financeira.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário