As últimas reuniões dos bancos centrais de 2022 estavam a ser aguardadas com grande expectativa. Sobretudo as do Banco Central Europeu (BCE) e da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed), pois as duas autoridades monetárias tinham sinalizado que iriam baixar o ritmo de agravamento das taxas de juro.
Com a inflação a descer de máximos, a economia global a reforçar os sinais de enfraquecimento e as taxas de juro já num nível restritivo para a economia, seria de esperar uma mensagem mais branda dos bancos centrais na despedida do ano, abrindo caminho para uma política monetária menos agressiva em 2023.
Se fosse esse o resultado das reuniões da semana passada de BCE e Fed, os mercados acionistas tinham via aberta para recuperar parte das fortes perdas do ano, as taxas de juro das obrigações deveriam continuar a aliviar e as famílias e empresas olhariam para 2023 com uma perspetiva menos pessimista, sobretudo no que diz respeito aos custos de financiamento.
Mensagem agressiva
Contudo, quem esperava uma prenda de Natal de Christine Lagarde e Jerome Powell, recebeu antes um presente bem amargo. Sendo certo que os dois bancos centrais abrandaram o ritmo de subida de juros para 50 pontos base, tudo o resto foi bem mais agressivo do que investidores e analistas estavam à espera.
A mensagem transmitida foi bem clara e pode ser resumida desta forma: a inflação persiste em níveis demasiado elevados, pelo que os juros vão continuar a subir em 2023, mesmo que tal agrave a intensidade da recessão que se perspetiva para a economia da Zona Euro e dos Estados Unidos no próximo ano.
A comunicação é uma das ferramentas de política monetária mais poderosas ao dispor dos bancos centrais. A indicação de que as taxas de juro vão continuar a subir tem impacto imediato nas condições financeiras de famílias, empresas e dos mercados. Se, depois, essas indicações se concretizam, é uma história diferente mas, para já, contribuem para o principal objetivo dos bancos centrais: pressionar a inflação em baixa.
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Inflação vai continuar elevada
As declarações da Fed e do BCE não deixam margem para dúvidas sobre quais são as intenções dos dois bancos centrais em 2023 e que colidem de frente com as expectativas de um relaxamento da política monetária no próximo ano.
Jerome Powell vincou que não importa a velocidade, mas sim o nível em que a Fed vai colocar os juros quando terminar o atual ciclo de agravamento e por quanto tempo a taxa ficará num nível restritivo.
A fasquia já está acima dos 5% e o presidente da Fed afastou ainda qualquer possibilidade de corte de juros enquanto o banco central não tiver a confiança plena de que a inflação está a caminhar de forma sustentada para a meta dos 2%.
A inflação na maior economia do mundo desceu em novembro pelo quinto mês seguido e atingiu um mínimo de dezembro de 2021. Mas persiste acima de 7%, mais de três vezes acima do objetivo. Um nível suficientemente elevado para que a Fed baixe a guarda, até porque estima que o índice de preços no consumidor vai estar a crescer a um ritmo homólogo de 3,5% em 2023 e 2,5% em 2024.
Na Zona Euro o cenário é ainda mais complicado. A inflação desceu em novembro pela primeira vez desde junho de 2021 e continua acima de 10%. O BCE vê a inflação na Zona Euro acima de 6% no próximo ano e num nível superior ao objetivo dos 2% até 2025.
Estas previsões pessimistas justificam as declarações agressivas que o BCE colocou no seu comunicado. “O Conselho do BCE considera que as taxas de juro ainda terão de aumentar de forma significativa a um ritmo constante, no sentido de serem atingidos níveis que sejam suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao objetivo de 2% a médio prazo”.
O banco central acrescentou que pretende “manter as taxas de juro em níveis restritivos” para arrefecer a economia e pressionar a inflação. Para que não restassem dúvidas, Christine Lagarde deixou bem explícito que é expectável mais subidas de 50 pontos base nas próximas reuniões.
Juros do BCE bem acima dos 3%
Desde que iniciou o atual ciclo de aperto da política monetária, em julho de 2022, o BCE já subiu as taxas de juro em 250 pontos base (2,5 pontos percentuais), naquela que é a campanha mais agressiva da ainda curta história da instituição. Após a reunião da passada quinta-feira, que muitos economistas consideram a mais relevante da era Lagarde, fica evidente que o BCE não vai ficar por aqui.
A taxa dos depósitos está atualmente em 2% e as expectativas dos economistas apontavam para um aumento até 2,5%, ou 2,75%, no segundo trimestre de 2023. Os investidores, sempre mais agressivos, estavam a descontar uma taxa terminal encostada aos 3%.
As previsões são agora bem diferentes. Os economistas apressaram-se a rever as suas previsões e apontam agora para uma taxa terminal em redor de 3,5%, sendo que alguns até admitem que possa chegar aos 4%. Os futuros sobre as taxas de juro do BCE também sinalizam um pico à volta de 3,5%.
Depois de duas subidas jumbo (75 pontos base), os 50 pontos base parecem agora o “novo normal”. Apesar de o BCE salientar que as decisões vão ser adotadas reunião a reunião e dependerão dos dados económicos, Lagarde sinalizou mais subidas de 50 pontos base e os economistas “compraram” a ideia.
Preveem que a taxa dos depósitos vai subir para 2,5% em fevereiro e 3% em março, optando depois o BCE por aumentos “tradicionais” de 25 pontos base, enquanto avalia o impacto da sua política monetária na inflação e na atividade económica.
Esta é a perspetiva atual. Mas como temos visto nos últimos meses, a realidade muda de forma muito célere. Para que o BCE faça marcha atrás nesta postura mais agressiva, será necessário assistir-se a uma descida acelerada da inflação, acompanhada de um abrandamento económico mais pronunciado.
Parece pouco plausível que se verifique esta dinâmica, mas dificilmente será visível a tempo de travar a tendência de agravamento das taxas interbancárias e das yields das obrigações soberanas. O que está a agravar os custos de financiamento das famílias, empresas e Estados.
Consequências imediatas
As taxas Euribor deram um salto considerável no dia seguinte à reunião do BCE, com os indexantes a 6 e 12 meses a atingirem novos recordes de janeiro de 2009. A taxa a 12 meses já está encostada aos 3%, mas a 6 meses (2,569%) e 3 meses (2,047%) ainda têm um longo caminho a percorrer, sendo por isso expectável uma aceleração nas subidas ao longo das próximas semanas.
É fácil de perceber que as famílias com crédito à habitação vão sofrer um agravamento considerável nas prestações. Tal como as empresas. O mesmo se passa com os Estados, pois as taxas de juro das obrigações também se agravaram de forma considerável em reação à postura mais agressiva do BCE.
Além da sinalização de mais subidas de juros, o BCE também anunciou uma importante decisão de política monetária. A redução da carteira de ativos no balanço de 5 biliões de euros vai arrancar já a partir de março (mais cedo que o previsto), o que deverá pressionar em alta as yields das obrigações soberanas. Sobretudo dos países do sul da Europa, que são mais dependentes da intervenção do BCE no mercado de dívida.
Nos mercados acionistas, a reação às reuniões da Fed e do BCE foram bastante negativas, aniquilando a perspetiva de um movimento de alta acentuada neste final de ano. E degradando também as perspetivas para 2023, ano que deverá continuar a ser marcado, numa fase inicial, por uma fuga ao risco.
A escalada da inflação trouxe muitos dissabores a investidores, famílias e empresas em 2022. Na semana passada, os bancos centrais transmitiram uma mensagem clara de que 2023 não será muito diferente.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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