Whitney Houstoun, Mariah Carey, Céline Dion, Elvis Presley, Elton John, Bing Crosby fazem parte da lista de artistas cujas canções, no seu tempo, venderam milhões de cópias físicas. Os tempos de glória do single terminaram com a era digital e os sucessos, agora, medem-se por visualizações e downloads. Mas isto não é um guia sobre royalties e editoras e plataformas de streaming... A nossa entrada no mundo da música consiste numa playlist sobre dinheiro. Às vezes, a falta dele, como nos canta Rita Lee.
A protagonista de “Dinheiro” diz-nos que tem amor, saúde, trabalho de sobra e que a família vai bem. Tem alguns amigos e, muito importante, não deve a ninguém. E será que lhe falta alguma coisa? "De precisar mesmo / Eu só preciso / Dinheiro." Em bom calão de português do Brasil, falta-lhe grana, bufunfa, dimdim. O resto até está bacana, mas naquele capítulo específico da existência, pois, se o rico tem joias, o pobre tem choros.
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Um homem disposto a tudo (mesmo tudo!)
Apreciamos a atitude proativa da protagonista, que passa o ano inteiro a fazer das tripas… dinheiro. Por isso, não se espere de nós uma lista com músicas e sons para ouvir a dormir ou em volume baixo, durante horas, dias, semanas, meses a fio, sob a promessa de assim atrair dinheiro, prosperidade, abundância, riqueza ou até clientes. A nossa resposta a esses vídeos vai ser dada pelo PZ, que é rapaz sem papas na língua, e merecedor de um aviso prévio: avancem para este “Dinheiro” se não forem de se chocar...
Aqui não há nada que enganar. "Parecia que ia ser um gajo fixe / Mas não." O protagonista do vídeo (vestido de pijama e rodeado de tipos de smoking e mulheres de vestidos de noite e casacos de pele) está mais interessado em proteger o seu quinhão do que em pagar uma tosta mista ao amigo. Vai lá ele hipotecar o futuro para custear a refeição dos outros! Precisa de ganhar o seu, e diz-se preparado para tudo. "Fazemos tudo por dinheiro", sentencia, e confessa que até come migalhas atiradas por canalhas. E sobre o que ele faz mais para ganhar dinheiro, aqui não dizemos. É ouvir, sem crianças ao lado.
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Vamos lá compor um currículo musicado
Bom, mesmo bom, é ter um emprego que pague as contas, e é isso que tanto Sérgio Godinho como Boss AC reclamam. O primeiro, no tema “Arranja-me um Emprego”, lançado em 1979, não podia ser mais explícito: "Vou ser mais sincero, sinto que ando às arrecuas / Preciso de galgar as escadas do sucesso / E por isso é que eu te peço: arranja-me um emprego." Se o amigo lhe der uma oportunidade, na sua empresa, por exemplo, ele assegura que dá conta do recado. A troco do soldo, saberá ser duro ou doce, conforme o que o patrão quiser, já de olhos postos numa casa junto ao mar e num brinde com rosé ao pôr do sol. Têm dúvidas de que ele dava conta do recado? "Se eu mandasse neles / Os teus trabalhadores seriam uns amores / Greves era só das seis e meia às sete / Em frente a um cassetete."
Boss AC quer é saber, e depressinha, como é que vai poder sair na próxima sexta-feira. Passou "anos a estudar para acabar desempregado ou num emprego da treta, mal pago", mas assegura que não tirou um "Curso Superior de Otário"; é por isso que chama gorjeta ao seu salário.
Tal como na canção de Rita Lee, aqui não falta empenho. O protagonista bem sua a semana inteira, mas chega a meio do mês e já está aflito. Vem o fim de semana, quer-se um bocadinho de diversão, mas no bolso não há um tostão. Eis o que pode ser o retrato de uma geração que até tem dificuldade em sair de casa dos pais. "Onde vou arranjar dinheiro para uma renda? / Não tenho condições nem ‘pa alugar uma tenda." Alguém lhe arranje um emprego, bom e já, que o rapaz está a aceitar propostas. Desde que sejam honestas, atenção.
As contas de um país chamado Portugal
Falaram de honestidade? “Com Todo o Respeito”, Jorge Palma fala-nos da desordem mundial, dos contestatários inatos, de gente quilhada, dos milhões que a república gasta e "que, por acaso, não tem" ou do parque automóvel "muito acima da nossa realidade". Aos centros comerciais que engolem pessoas, uns vão para comprar e outros só para olhar. Pior, a "tanta corrupção neste país", a "arrogância e ganância sempre impunes". E quando os impostos disparam, aperta-se o cinto. Com todo o respeito, claro.
Falta virem taxar-me pelo ar que respiro,
Pelo passo que dou, cada vez que espirro.
Hão-de arranjar maneira
Com todo o respeito
Por achar que nos faltaram ao respeito, Tiago Bettencourt escreveu em 2014 uma canção que se tornou hino de bastante gente. Em “Aquilo que Eu não Fiz”, o autor declara que não foi ele (ou, por outras palavras, os portugueses) que falhou; por isso, é injusto que se tenha de pagar por aquilo que não se fez. "Não fui eu que gastei / Mais do que era para mim." E também não tirou, nem comeu, nem escondeu, nem fugiu. O dinheiro lá "foi de mão em mão / sem passar por mim". E se o barco afundou, "houve alguém que o cegou". Na luta por um país, a força de Tiago Bettencourt resiste no navegar em frente. Sem esquecer um princípio: "Eu não quero pagar depois de tudo o que dei / Não me fazem ver que fui eu que errei".
Não se tornou um clássico dos Xutos & Pontapés este “Dia de S. Receber”, mas aqui na nossa rubrica há sumo suficiente para espremermos o tema que nos fala "da arte de sobreviver / daquela que se descobre / quando não há que comer". Esta história fala-nos de um dia a dia duro de se levar, de casa para o trabalho, do trabalho para casa, sempre de olhos postos na data do calendário em que chega o ordenando. Porque, se "de histórias mal contadas / anda meio mundo a viver", ao outro meio mundo só resta a hipótese de ficar à espera de receber.
É assim esta diálise
Entre o deve e o haver
Sei que para o patrão custa
Enfrentar este dever
O dinheiro para mim não conta
Eu trabalho por prazer
Mas o dia que eu mais gosto
É o dia de S. Receber
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Um consolo aos líricos do viver sem dinheiro
Por falar nisso, que dia é hoje? Bem, se não for final do mês, até pode ser a altura para tocar estes últimos dois temas. Martinho da Vila, em “Pra que Dinheiro?”, canta a história de um cara solitário, com muita grana para dar a uma namorada. O problema estava em que nenhuma lhe dava bola, pois "em casa de batuqueiro / só quem fala alto é viola". Solução? Comprar uma viola, obviamente.
Já o vozeirão de Tim Maia escorrega por versos e ideias mais românticas. “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)” já tem tudo no título. O protagonista só espera e deseja um amor sincero. E aqui fica uma receita para o provar: "Grito ao mundo inteiro / Não quero dinheiro / Eu só quero amar." Ah, nada melhor do que o amor e uma cabana para terminar um texto sobre canções e dinheiro…
A semana inteira
Fiquei esperando
Pra te ver sorrindo
Pra te ver cantando
Quando a gente ama
Não pensa em dinheiro
Só se quer amar, se quer amar, se quer amar
Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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