A pandemia fez disparar o crédito ao consumo e, consequentemente o endividamento das famílias atingiu números históricos. Em muitos casos, a situação financeira é de tal modo delicada que pedir a insolvência pessoal pode ser o único passo a dar.
No entanto, pedir insolvência tem consequências. Importa assim saber o que é a insolvência, o que deve ter em conta e como proceder antes de tomar esta decisão.
O que é a insolvência pessoal?
De acordo com a lei, qualquer empresa ou particular pode pedir insolvência. Por vezes, a insolvência pessoal é a melhor decisão para aqueles particulares ou empresas que já não encontram forma de cumprir com as suas obrigações.
Na prática, está a reconhecer que não tem capacidade para honrar os seus compromissos financeiros, ou seja, não tem forma de pagar as suas dívidas.
O que é preciso para pedir insolvência?
Conforme já referido, a insolvência pode ser de natureza pessoal ou empresarial. Em ambos os casos, tem de provar que o seu ativo é menor do que o seu passivo, ou seja, demonstrar que o total do seu património é inferior ao total das suas dívidas.
Dessa forma, se provar que mesmo vendendo e entregando todo o seu património, não tem capacidade financeira para pagar todas as suas dívidas, então pode declarar insolvência.
Tipos de insolvência
A insolvência empresarial é a mais habitual, mas também existe insolvência pessoal que é declarada por pessoas singulares.
Perante a lei, a insolvência pessoal pode assumir duas variantes distintas:
- insolvência pessoal;
- insolvência conjugal.
Por outro lado, a insolvência pessoal depende do tipo de união legal de cada casal. Ou seja;
- se for um casamento em comunhão de bens ou de adquiridos, o casal pode pedir insolvência conjugal (isto é, os dois ficam insolventes em simultâneo);
- se for um casamento em regime de separação de bens, então cada elemento do casal apenas pode pedir insolvência pessoal.
No caso da insolvência conjugal, ela existe porque podem existir dívidas de um dos cônjuges sem conhecimento do outro, havendo, no entanto, uma obrigação de ambas as partes.
Ou seja, se um dos elementos do casal contrair dívidas sem conhecimento do outro, este pode ser arrastado para a insolvência mesmo sem ter qualquer responsabilidade nesta situação.
Leia ainda: Regime de bens para o casamento
Quando deve pedir a insolvência pessoal?
Na verdade, esta é sempre uma decisão pessoal. Ainda assim, o bom senso diz que só deve pedir insolvência quando for completamente impossível negociar com os credores, estiver sem bens para vender ou meios para pagar as dívidas. Logo, esta é uma solução de último recurso, quando já não existe outra forma de pagar as suas dívidas.
Assim sendo, deve considerar pedir insolvência:
- se tiver o salário penhorado;
- se não tiver rendimento suficiente para cumprir as suas obrigações;
- ou se estiver numa situação de desemprego e sem capacidade financeira para cumprir com as suas responsabilidades.
Insolvência pessoal: como pedir?
Conforme já referido, qualquer pessoa pode pedir insolvência pessoal quando já não encontra nenhuma forma de pagar as suas dívidas. Para isso, o pedido terá de ser feito em tribunal e por um advogado mandatado para o efeito. Em casos de dificuldades financeiras muito graves, se precisar pode inclusive pedir apoio jurídico.
O pedido de insolvência pessoal pode ainda ser solicitado:
- pelo Ministério Público;
- por qualquer um dos credores.
Se o insolvente for o próprio requerente, tem de efetuar um pedido por escrito ao tribunal da sua residência indicando o advogado mandatário. No entanto, o requerente tem de confirmar ao tribunal logo no início do processo, que cumpre todos os requisitos a que a lei obriga.
Por exemplo, o requerente não pode ter:
- explorado uma empresa nos três anos anteriores ao período de insolvência;
- dívidas laborais;
- mais de 20 credores;
- dívidas num total superior a 300 mil euros.
Insolvência pessoal: quais as consequências?
Quando é declarada a insolvência pelo tribunal, todos os seus bens e rendimentos são penhorados para pagar o máximo possível das dividas existentes. Relativamente ao valor que não foi possível pagar, ficará sem efeito ao fim de cinco anos para poder “começar a sua vida novamente do zero”. Convém relembrar que, se chegou a esta situação é porque todo o seu ativo não era suficiente para pagar todas as suas dívidas.
Nesse período de cino anos, todos os seus rendimentos ficam igualmente penhorados de forma a amortizar ao máximo o valor em dívida. Este controlo será feito por um gestor de insolvência que lhe é atribuído pelo tribunal, ao qual serão automaticamente entregues todos os seus rendimentos para poder distribuir pelos credores.
Assim, a sua vida financeira passa a ser controlada por este gestor de insolvência. Daí adiante, não pode, por exemplo, contrair novos créditos nem fazer investimentos sem a autorização deste.
Mas, atenção, as dívidas não ficam todas liquidadas com a insolvência. Ou seja, ao pedir a insolvência está a reconhecer que não tem forma de pagar o que deve, pelo que as dívidas não desaparecem "da noite para o dia". Nesta fase, tudo o que tem é entregue aos credores, nomeadamente:
- bens;
- património financeiro;
- rendimentos que vai ganhando ao longo dos cinco anos.
Por outro lado, existem algumas dívidas que nunca perdem a validade (enquanto não forem pagas), como por exemplo:
- dívidas às Finanças;
- dívidas à Segurança Social;
- ou dívidas relativas a pensões de alimentos.
Podem penhorar os seus bens se o seu cônjuge pedir insolvência?
Conforme já referido, depende do regime de casamento.
Separação de bens
Se casou com separação de bens, ao abrigo da lei não existem bens comuns. Dessa forma, se o seu cônjuge pedir insolvência, esta dirá respeito apenas aos bens dele e nunca aos seus.
Comunhão de bens ou adquiridos
Por exclusão de partes, se vive em regime de comunhão de bens ou adquiridos então a insolvência de um dos cônjuges já incide sobre os bens e rendimentos do casal, ou seja, de ambas as partes. Neste caso, os bens dos dois podem ser penhorados, seja numa situação de insolvência pessoal ou conjugal.
A única hipótese para não ver os seus bens penhorados por insolvência do cônjuge, é pedir o divórcio. Contudo, nesse caso têm de fazer a divisão dos bens. Nesta situação, a metade do cônjuge que pede a insolvência vai ser penhorada, ficando a salvo apenas a metade do outro cônjuge.
Sem uma união legal para ser reconhecida, o tribunal não pode penhorar os seus bens para pagar a dívida do seu ex-parceiro.
Fim do período de 5 anos após insolvência: o que acontece?
Em primeiro lugar, passados cinco anos após o pedido de insolvência, o processo é encerrado. Isto significa que, as dívidas ainda por pagar ficam sem efeito, ou seja, ficam automaticamente pagas. A exceção à regra, conforme já dito anteriormente, são as dívidas fiscais, à Segurança Social e as dívidas de pensões de alimentos.
A partir deste momento, pode começar a sua vida de novo sem dívidas. Porém, o seu registo vai ficar no Banco de Portugal. Quer isto dizer que, mesmo passados os cinco anos, pode ter dificuldades em contrair novos créditos junto de entidades bancárias e semelhantes. Isto porque estas podem ver nos registos do Banco de Portugal que já declarou insolvência e recear que entre novamente em incumprimento.
Considerando que a insolvência é, ou deve ser, o último recurso para quem está com graves problemas financeiros deve, em primeiro lugar, tentar renegociar as dívidas junto dos seus credores. Em alternativa, pode recorrer ao Plano Especial de Revitalização (PER), que o ajuda a reorganizar as suas contas e a cumprir com as suas responsabilidades.
Em suma, pedir insolvência não é desejável, se tiver de o fazer, lembre-se que os efeitos não são apenas imediatos, mas também o são a médio e longo prazo, podendo afetar a sua qualidade de vida futura.
Ao pedir insolvência pode ficar sem a totalidade dos rendimentos?
Ora, a lei prevê sempre um mínimo de dignidade humana no que à sobrevivência diz respeito. Ou seja, durante os 5 anos de insolvência, o tribunal penhora-lhe todos os bens e rendimentos, mas garante-lhe sempre um rendimento mínimo, nomeadamente:
- o equivalente a um salário mínimo por cada adulto;
- e meio salário mínimo por cada menor a seu cargo.
A regra subjacente à lei determina que pague ao máximo possível as suas dívidas, mas sem deixar de ter o mínimo e condições para a sua sobrevivência. Assim, todo o rendimento que obtiver para além destes valores será entregue automaticamente ao gestor da insolvência para pagar mais um pouco das dívidas que ainda por liquidar.
Abril traz novas regras: o que muda na lei?
Em abril, entraram em vigor novas regras no que diz respeito à insolvência pessoal. O destaque vai para a redução do período de resolução do processo de insolvência. Ou seja, o atual período de insolvência de cinco anos passar para apenas tres anos. Tal acontecerá, quando entrar em vigor as alterações já aprovadas no passado mês de fevereiro.
A nova legislação, já no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) europeu, aplicar-se-á a novos casos e também aos casos pendentes à data da entrada em vigor. Ou seja, nestes casos haverá um regime transitório, nomeadamente no caso de insolvência de empresas. Os processos de insolvência de pessoas singulares que já tenham cumprido os três anos em abril ficam resolvidos.
Leia ainda: Insolvência pessoal: vantagens e desvantagens;
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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