O mais recente estudo sobre a literacia financeira dos investidores portugueses divulgado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários trouxe muitas surpresas. Deduzo, por exemplo, que o número de investidores em Portugal ultrapassou os dois milhões de investidores.
Uma das estatísticas que mais me surpreendeu foi, todavia, que um em cada nove investidores transaciona diretamente obrigações de empresas e de governos. A minha admiração nem se prende com a complexidade da avaliação de títulos de dívida. O principal motivo é que investir em obrigações é normalmente um mau negócio para os pequenos investidores. Eis porquê.
1. A rentabilidade líquida tende a ser ínfima
Vejamos o caso de uma das mais recentes emissões obrigacionistas: as obrigações SIC 2021-2025. A estação de televisão prometeu pagar uma taxa anual nominal bruta de 3,95% durante 4 anos aos obrigacionistas. Tendo em conta que a taxa de juro dos depósitos a prazo arredonda, em média, para zero, parece ser um excelente negócio.
Quer aumentar a taxa dos depósitos? Vá lá para fora
Todavia, à taxa de juro oferecida pela SIC é preciso retirar os impostos sobre os juros, as muitas comissões bancárias — de subscrição, de pagamento de juros, de guarda e de reembolso — e os impostos sobre esses encargos.
É fácil perceber que o impacto é avassalador. Quem aplicou 1.500 euros nestes títulos através da Caixa Geral de Depósitos, que foi um dos bancos colocadores da emissão, receberá semestralmente cerca de 29,63 euros (1.500€ × 3,95% ÷ 2), o que desce para 21,33 euros após a retenção de 8,30 euros por conta de IRS (28% × 29,63€). O banco cobra 23,38 euros por semestre apenas para guardar títulos (incluindo IVA a 23%), mais do que o encaixe dos juros líquidos. O retorno do investimento é negativo.
Uma aplicação entre 1.500 euros e 3.000 euros nas obrigações SIC 2021-2025 promete uma rentabilidade entre -0,6% e 1% através da Caixa Geral de Depósitos, assumindo que o aforrador não tem outros títulos na carteira. Noutros bancos, o resultado é semelhante. A maioria dos investidores que adquiriu títulos nesta oferta pública de subscrição aplicaram entre 1.500 euros e 3.000 euros, de acordo com o resultado da operação.
Os títulos da SIC não são um caso isolado. É frequente as comissões e os impostos anularem um pedaço substancial dos rendimentos das obrigações de empresas e de governos. Em 2017, por exemplo, desaconselhei a aplicação em Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável pelos mesmos motivos.
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2. Se quiser vender antes do prazo, paga mais comissões e fica sem garantia
Após a operação de subscrição, as obrigações da SIC podem ser negociadas na bolsa. Os investidores podem comprar ou vender os seus títulos. Essas transações são alvo de mais comissões.
Além disso, a venda na bolsa retira um elemento crucial às obrigações: o capital garantido. Se o preço das obrigações cair, então quem quiser vender poderá registar prejuízos. Mesmo que o preço suba, poderá registar perdas, porque, além das comissões de venda, terá de pagar eventualmente impostos sobre as mais-valias.
Note que as obrigações são normalmente cotadas em percentagem do valor nominal. Nos primeiros dias após a oferta da SIC, os títulos foram vendidos a mais de 100%, o que quer dizer que quem comprou na bolsa terá uma rentabilidade até à maturidade mais baixa do que a taxa de juro prometida pela estação de televisão. (Se não compreende este conceito, não deveria investir em obrigações.)
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3. O rateio é uma roleta russa
É a coisa mais difícil de preparar quando se participa numa oferta pública de venda ou de subscrição: dou ordem para adquirir quantos títulos?
Quando a procura de títulos ultrapassa o número oferecido, há lugar a rateio, que é a distribuição dos títulos pelos investidores seguindo regras previstas no prospeto da operação. O mais simples é a divisão em proporção de cada ordem, mas os critérios tendem a ser mais complexos.
Se indicar a sua disposição a adquirir um número baixo de obrigações, o rateio poderá atribuir-lhe uma quantidade tão reduzida que as comissões bolsistas conduzem a sua carteira para uma rentabilidade negativa.
Se apostar num número mais elevado, além do seu desejo efetivo, poderá não haver rateio e ficar com todos os títulos solicitados, desequilibrando o seu património.
No caso da operação da SIC, os investidores solicitaram mais do que o dobro de obrigações disponíveis para subscrever. Muitos ficaram com menos de metade dos títulos que desejavam.
4. Há riscos mesmo que não pareça
Não é preciso recuar muito para encontrar emissões portuguesas de obrigações que falharam. Em maio de 2018, após uma assembleia de obrigacionistas, a Sporting SAD adiou o reembolso das obrigações que colocara nas mãos de investidores particulares através da banca. Naturalmente, este adiamento afetou a rentabilidade efetiva dos títulos.
Em 2014, o Banco Espírito Santo deixou de pagar os cupões das obrigações perpétuas que emitira quatro anos antes. Na altura da emissão, muitos “especialistas” aconselharam os títulos.
Em 2020, a Orey Antunes não distribuiu os juros das suas obrigações. A sociedade pediu o perdão de 90% da dívida.
Não me parece que se possa sempre dizer que é improvável que os emitentes não cumpram as suas promessas.
Deve ler-se sempre detalhadamente o prospeto da operação em que se quer participar. O prospeto da SIC elencava 25 fatores de risco.
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5. Há alternativa: fundos de obrigações ou certificados
Se quiser se expor ao mercado obrigacionista, privilegie os fundos de obrigações, que podem ser subscritos junto da banca. Estes veículos reúnem vários investidores que querem aplicar no mesmo segmento. Os gestores dos fundos investem o dinheiro dos subscritores seguindo uma política bem definida.
O elevado número de participantes nos fundos dilui os encargos de investir em obrigações. Além disso, como os fundos absorvem montantes elevados de capital, os gestores podem fazer uma adequada diversificação do património por várias emissões obrigacionistas.
Outra alternativa é investir em certificados de dívida pública, nomeadamente em Certificados de Aforro ou em Certificados do Tesouro Poupança Crescimento. Às taxas mais recentes, rendem entre 0,3% e 1,7% por ano. Não é muito, mas é garantido pela República Portuguesa. E não têm encargos.
Editor do boletim tlim, uma publicação eletrónica de finanças pessoais. Ex-jornalista. Colaborou durante 20 anos com mais de uma dúzia de publicações, do Expresso à Seleções do Reader's Digest. Não gosta de Economia. Está a escrever o seu terceiro livro sobre investimentos. Eterno aprendiz.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Subscrevo em absoluto o que escreve o Paulo Costa sobre o David Almas.
Sigo vários dos seus escritos, nomeadamente o Boletim Tlim e todos os meses me ajuda a “meter as gavetas” no sítio e não me deixar levar por entusiasmos ou pânicos.
Bem haja.
O meu agradecimento ao autor pelos excelentes conteúdos que partilha em prol da literacia financeira do cidadão comum. Leio os seus artigos, nas diversas fontes, com gosto e interesse há alguns anos (desde a saudosa revista Carteira!). Presta um verdadeiro serviço público, mormente à comunidade de pequenos investidores. Bem haja!