Numa altura em que os consumidores enfrentam um aumento acentuado do custo de vida devido à escalada da inflação, a subida pronunciada das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) representa mais um rombo no orçamento das famílias que têm crédito à habitação. A autoridade monetária subiu a taxa de juro dos depósitos em 75 pontos base na reunião de setembro e os analistas estimam que pode ser anunciada uma nova forte subida (50 ou 75 pontos base) em outubro.
Enquanto a inflação na Zona Euro não der sinais sustentados de abrandamento, o BCE deverá continuar a subir juros, sendo que as expectativas apontam para que a taxa do BCE se situe em redor de 2% no final do ano, mesmo que a economia intensifique os sinais de debilidade e entre em recessão, tal como já preveem muitos economistas.
O agravamento da crise energética no Inverno é uma “nuvem negra” que paira sobre a economia europeia, mas, depois de meses de complacência, o BCE está agora focado no controlo da inflação. Mesmo que a janela de oportunidade para subir os juros esteja a fechar-se, o agravamento da política monetária vai prosseguir a todo o vapor até que a taxa de juro esteja num nível que contribua para o arrefecimento dos preços.
São más notícias para as famílias, sobretudo as que contraíram empréstimos para compra de casa ou outros fins. Mas nem todas. As que têm poupanças acumuladas começam agora a ver invertida a tendência de receberem uma remuneração quase nula pelo seu dinheiro aplicado em produtos de capital garantido e a perder poder de compra.
Foi o que aconteceu ao longo dos últimos 10 anos, em que as taxas Euribor se situaram em redor de 0% (e mesmo em terreno negativo durante muito tempo) devido à política monetária ultra-expansionista do BCE, que levou os juros para mínimos históricos para apoiar a economia durante as últimas crises.
A inversão brusca na política monetária do BCE está a motivar um movimento da mesma magnitude nas taxas Euribor, que servem de indexante para a taxa de juro do crédito à habitação, mas também de referência para a remuneração de alguns produtos de capital garantido. A Euribor a 12 meses já se situa acima de 2%, enquanto no prazo a 3 meses passou de terreno negativo, em julho, para perto de 1% no final da semana passada.
Portugueses preferem os depósitos…
Apesar da remuneração quase nula dos depósitos a prazo, os portugueses têm aumentado de forma acentuada o dinheiro que colocam no banco em contas à ordem ou a prazo. Os depósitos representam atualmente cerca de dois terços do total das poupanças, denotando a forte aversão ao risco por parte das famílias.
Dados do Banco de Portugal mostram que os depósitos de particulares atingiram 183 mil milhões de euros em julho, o que representa o valor mais elevado de sempre. Desde o início do ano, o “stock” dos depósitos bancários das famílias aumentou 9,8 mil milhões de euros, depois de já ter subido 11 mil milhões de euros em 2021.
Como é possível ver no gráfico, independentemente do momento do ciclo económico ou do retorno oferecido pelos bancos, a tendência de crescimento do volume de depósitos tem sido constante ao longo dos últimos anos. Uma tendência que gera maior preocupação numa altura em que a inflação em Portugal está em máximos de 1994 (apesar do ligeiro recuo em agosto para 8,9%).
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…mas certificados de aforro voltam ao radar
É impossível encontrar aplicações de capital garantido (ou risco muito reduzido) que consigam, nesta altura, contrariar o efeito da inflação. O retorno real será sempre negativo nos produtos subscritos nos próximos meses, mas há opções similares a depósitos que começam a ficar atrativas. E com rendibilidades bem superiores.
Falamos dos “velhinhos” certificados de aforro, quase esquecidos pelos portugueses nos últimos anos devido à baixa nas taxas de juro. Como este produto de poupança do Estado está diretamente ligado à Euribor, a subida da taxa de rendibilidade está a ser tão rápida como o BCE, agora, a reagir à alta da inflação.
A taxa de juro bruta para os certificados de aforro que forem subscritos em setembro, bem como as capitalizações da atual Série E, foi fixada pelo IGCP em 1,43%. Em termos líquidos, a remuneração já supera 1% (é retida a taxa liberatória de 28%), o valor mais elevado da última década, e que duplica os 0,46% líquidos para quem subscreveu certificados de aforro em junho.
Apesar deste retorno estar ainda muito longe da atual taxa de inflação, os certificados de aforro são, nesta altura, a melhor alternativa entre os produtos de capital garantido e uma opção a considerar pelos investidores avessos ao risco e que não estão disponíveis para procurar rendibilidades mais elevadas no mercado de capitais (que acarretam o risco de perda de capital).
É provável que os bancos aumentem a remuneração dos depósitos a prazo, mas tal não é para já visível e o processo de ajustamento deverá ser muito mais lento. Sobretudo depois de, durante largos anos, os bancos terem sofrido o impacto nas margens com a taxa dos depósitos do BCE em terreno negativo.
Os dados mais recentes do Banco de Portugal mostram que a taxa de juro média dos novos depósitos se situou em 0,09% em julho, uma ténue subida face aos 0,04% dos nove meses anteriores.
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Taxa dos certificados de aforro ao sabor da Euribor
No caso dos certificados de aforro a subida é mais rápida devido ao método de cálculo da taxa. Corresponde à média dos valores da Euribor a três meses observados nos dez dias úteis anteriores ao antepenúltimo dia útil do mês, acrescida de 1 ponto percentual. No mês de agosto, esta média foi de 0,43%, pelo que, somando 1 ponto percentual, chega-se à remuneração decretada para setembro de 1,43%. A taxa está limitada a um máximo de 3,5%.
Ao comprar certificados de aforro está a financiar diretamente o Estado. Estes produtos têm um prazo de 10 anos, um mínimo de subscrição de 100 euros (100 unidades a 1 euro cada) e um máximo de 100 mil euros, os juros são capitalizados a cada três meses (taxa é alterada no fim de cada período) e existe um prémio de permanência (0,5% entre o início do segundo ano e o fim do quinto ano, e 1% a partir do início do sexto ano).
Os certificados de aforro podem ser resgatados assim que aconteça o primeiro vencimento, sendo que deve fazê-lo após a capitalização dos juros (a cada três meses), por forma a não perder essa remuneração. Por exemplo, se subscreveu a 1 de setembro de 2021 e resgatar a 1 de outubro de 2022, perderá um mês de juros. Estes produtos podem ser subscritos nos balcões dos CTT, nos Espaços Cidadão e através do site AforroNet (tem de ser aderente).
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Retorno pode atingir 3% em 2023
Apesar de uma rendibilidade líquida acima de 1% já ser apelativa quando comparada com o que oferecem os depósitos, são as perspetivas para os próximos meses que tornam os certificados de aforro mais apelativos.
Se a Euribor a 3 meses ficar estável até ao final do mês (atualmente está em 0,934%, mas é provável que mantenha a trajetória de alta), a taxa bruta deste produto de poupança vai aproximar-se de 2% nas subscrições efetuadas em outubro. Uma melhoria significativa face a este mês e que traduz uma rendibilidade líquida de 1,4%.
A confirmarem-se as previsões dos economistas e os preços nos contratos de futuros que negoceiam nos mercados, o BCE vai subir a taxa dos depósitos para 2% no final do ano. Tendo em conta que, habitualmente, a Euribor a 3 meses negoceia “encostada” à taxa de referência do banco central, o indexante também andará por estes valores no final do ano. Assumindo este cenário, os certificados de aforro subscritos no início do próximo ano podem apresentar uma remuneração bruta acima de 3% (líquida acima de 2%).
O mesmo acontece aos certificados de aforro já subscritos e que vençam juros no início do próximo ano. Os prémios de permanência são outro fator que reforça a atratividade dos certificados em alturas de subida de juros, pois começam a contribuir logo após o primeiro ano de subscrição.
Não é, contudo, garantido que as taxas de juro do BCE permaneçam em níveis mais elevados por muito tempo. Tudo dependerá da evolução da inflação, mas também da economia. Se a pressão dos preços elevados permanecer, o BCE até poderá continuar a subir os juros além dos 2%. Se for visível uma tendência de abrandamento da inflação face aos níveis recorde e a recessão se tornar uma realidade na Zona Euro, é provável que o BCE alivie a política monetária, o que penalizará o retorno dos certificados de aforro.
E os certificados do Tesouro?
Os certificados de aforro já foram um produto de aplicação de poupança bem popular entre os portugueses, tendo perdido bastante fôlego nos últimos anos, também porque o Estado lançou novas fontes de financiamento junto das famílias.
Quem permaneceu com os certificados do Tesouro subscritos nos primeiros anos depois da Troika, quando Portugal voltou a financiar-se sozinho nos mercados, já conseguiu períodos com retornos de dois dígitos (acima de 10%). Uma remuneração que justifica o facto de o “stock” destes produtos continuar em níveis elevados, sobretudo quando comparados com os certificados de aforro.
O saldo vivo de certificados do Tesouro situava-se em 17,2 mil milhões de euros em julho, bem acima dos 13,3 mil milhões de euros aplicados em certificados de aforro. Ainda assim, a trajetória é diferente. O volume dos certificados do Tesouro desce 650 milhões de euros em 2022, enquanto as subscrições líquidas de certificados de aforro aumentaram 813 milhões de euros. Atingiram mesmo o nível mais elevado desde maio de 2011, sinal de que muitos portugueses já estão a apostar nestes produtos à espera de uma subida acentuada da remuneração.
Nos certificados do Tesouro não há esse incentivo, uma vez que a taxa de juro está desligada da evolução da Euribor (pelo menos diretamente). Os títulos que estão atualmente disponíveis para subscrição, os Certificados do Tesouro Poupança Valor (CTPV), pagam uma taxa de juro bruta de 0,7% nos dois primeiros anos, crescendo posteriormente até atingir 1,6% no último ano. A partir do terceiro ano, a taxa de juro é majorada por um prémio que é calculado tendo em conta a variação do PIB de Portugal.
Os CTPV têm um prazo de sete anos, pressupõem um investimento mínimo de mil euros e pagam juros (não capitalizam) uma vez por ano. O resgate é possível após o primeiro ano. Os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM) e os Certificados do Tesouro Poupança Crescimento (CTPC), com condições bem mais favoráveis, já não estão disponíveis para subscrição.
Tendo em conta as atuais condições de mercado e as perspetivas para a evolução das taxas de juro e da política monetária, os certificados de aforro estão em vantagem face aos CTPV e a uma larga distância dos depósitos bancários. Para as famílias avessas ao risco, representam uma oportunidade para minimizar a perda de poder de compra que resulta da elevada inflação.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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