A economia global vai abrandar de forma suave em 2024, permitindo que a inflação continue a regredir de forma sustentável em direção à meta dos 2% e os bancos centrais comecem a inverter a enorme subida de juros iniciada em 2022. Este contexto vai possibilitar que as empresas regressem ao crescimento robusto dos lucros, impulsionando a cotação das ações. Abrirá ainda caminho para uma descida adicional das yields das obrigações, o que impulsionará a cotação dos títulos de dívida.
De forma sucinta, é esta a narrativa que está a dominar os mercados financeiros nesta parte final de 2023. Embora possível, é um cenário demasiado otimista que deixa as ações e obrigações mais vulneráveis e sem margem de erro caso algum dos fatores acima descritos não se concretize da forma como os investidores estão à espera.
Apesar de 2023 ainda ter sido dominado pelas subidas de juros dos bancos centrais para controlar a inflação, foi sempre a expectativa de fim de ciclo no agravamento da política monetária que dominou o sentimento dos investidores. Este cenário ficou firme no final deste ano, com a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) a sinalizarem que os juros não voltam a subir, levando os investidores já a fazer contas aos cortes de juros em 2024.
A resiliência da economia global (sobretudo dos Estados Unidos), a evolução menos negativa do que o temido dos resultados das empresas, o abrandamento da inflação e o alívio dos preços da energia foram outros dos ingredientes que alimentaram o otimismo nos mercados financeiros em 2023. O que permitiu ofuscar o impacto negativo de duas guerras, uma crise grave nos bancos regionais dos EUA, desilusão com a recuperação tímida da economia chinesa e relações cada vez mais frias entre as duas maiores potências mundiais (EUA e China).
Os principais índices acionistas globais estão a fechar 2023 com ganhos de dois dígitos, destacando-se a Bolsa de Tóquio e a Bolsa de Nova Iorque, com valorizações em redor de 25%. As bolsas europeias marcam ganhos mais contidos, ainda assim com o Stoxx600 a valorizar 12%, um desempenho semelhante ao registado pela praça portuguesa. Os ganhos foram mais pronunciados na parte final do ano, com o MSCI ACWI (índice que mede o desempenho das bolsas mundiais) a disparar uns impressionantes 15% desde os mínimos de outubro.
Este desempenho das bolsas em 2023 permitiu anular as perdas muito acentuadas sofridas no ano passado. A generalidade dos índices acionistas está precisamente a negociar em linha com o registado em janeiro de 2022, sendo que muitos deles estão a transacionar em máximos históricos, ou muito perto disso. É o caso do S&P500, Dow Jones e Nasdaq 100 (todos dos Estados Unidos), DAX (Alemanha), CAC (França) e Topix (Japão).
O MSCI ACWI valoriza em torno de 20% em 2023, revertendo as perdas de 2022 e conseguindo a valorização mais acentuada desde 2019. O português PSI é dos poucos índices mundiais que consegue o feito de marcar três anos seguidos de ganhos, embora também seja dos que está mais distante de atingir máximos históricos (tem ainda de duplicar de valor para regressar ao pico fixado em 2000).
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Sem margem de erro
Perante este desempenho muito positivo das bolsas globais em 2023, sobretudo na reta final de ano, os preços dos ativos estão a descontar um cenário quase perfeito para o próximo ano. É uma tendência habitual nos mercados, pois os investidores tendem a antecipar as alterações de ciclo económico com bastante antecedência.
Sendo certo que é bastante provável que os juros desçam em 2024 e muito frequente que os mercados acionistas e obrigacionistas registem retornos positivos nos ciclos de alívio da política monetária, o problema está nas atuais expectativas dos investidores, que estão muito além do que está a ser sinalizado pelos bancos centrais.
As estimativas atuais do mercado apontam para que a Fed desça os juros por seis vezes em 2024, com o primeiro corte a surgir já em março, apesar de o banco central ter sinalizado apenas três cortes. No caso do BCE, as previsões também apontam para pelo menos 150 pontos base de descidas acumuladas no próximo ano, o que colocará a taxa dos depósitos em 2,5%. Isto apesar de o banco central ter afastado descidas de juros no curto prazo.
Se as autoridades monetárias descerem os juros devido ao alívio considerável da inflação, este cenário benigno que está a ser desenhado pelos investidores até pode ser concretizável. Mas se os bancos centrais aliviarem a política monetária em resposta a uma degradação mais forte da atividade económica, será mais difícil justificar uma evolução positivas das bolsas.
Para já, os investidores mantêm a confiança de que a economia global vai abrandar apenas de forma suave, com os Estados Unidos a continuarem a resistir, a China finalmente a recuperar de forma robusta e a Zona Euro a sofrer apenas uma recessão moderada. As instituições internacionais, como o FMI, apontam para uma travagem da atividade económica para um ritmo fraco, alertando que os riscos são de pendor negativo.
A economia norte-americana cresceu a um ritmo muito forte no terceiro trimestre, mas são evidentes os sinais de enfraquecimento do mercado de trabalho. Na Zona Euro, a Alemanha regista um crescimento anémico depois de ter perdido a vantagem competitiva da energia barata e dispõe de uma margem orçamental mais limitada. A China continua a braços com uma grave crise no setor imobiliário e mostra dificuldade em afastar-se do modelo de crescimento do passado, assente na indústria, infraestruturas e recurso ao endividamento.
Neste contexto, e com as taxas de juro a permanecerem ainda em níveis restritivos, o perigo de a economia global surpreender pela negativa é muito elevado. Uma atividade económica mais fraca terá reflexo nos resultados das empresas, tornando mais difícil justificar as avaliações com que estão a transacionar as ações. Mesmo que uma travagem mais forte da economia possa acelerar a descida de juros dos bancos centrais, o impacto no valor das ações acabará sempre por ser negativo.
A velha máxima de que “os mercados têm sempre razão” joga a favor do otimismo que reina nas bolsas nesta viragem de ano. Mas também são muito frequentes as correções acentuadas quando as expectativas acabam por não ter aderência com a realidade. Para que as ações mantenham a tendência de alta em 2024, levando os índices para máximos históricos, é necessário que se concretizem todos os itens do cenário cor-de-rosa. Difícil, mas não impossível.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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