Para quem acompanha a evolução dos mercados financeiros, numa base diária, é muitas vezes complicado encontrar justificações para todas as movimentações dos ativos cotados. A maioria das variações é fácil de entender, outras nem por isso.
O fluxo de informação diária é gigantesco, mas o número de eventos que realmente determina o rumo das cotações dos mercados, em geral, é escasso. Alguns indicadores económicos das principais economias (sobretudo nos Estados Unidos), os resultados de um número limitado de grandes empresas mundiais, diversos desenvolvimentos geopolíticos, decisões de bancos centrais e declarações de atores de mercado com peso efetivo.
Os profissionais que trabalham nos mercados financeiros sabem, numa base diária, quais são estes eventos a que têm de estar atentos a cada sessão. Existem expectativas para os indicadores económicos e resultados. Se ficaram abaixo do previso, os ativos afetados tenderão a descer, e se forem superiores ao aguardado, a reação tenderá a ser positiva.
Contudo, o funcionamento dos mercados é tudo menos linear e o comportamento em função de determinados eventos acaba muitas vezes por ser surpreendente. O que parece fazer sentido na teoria, muitas vezes acaba por não se verificar na prática.
O resultado de uma empresa até pode exceder as estimativas e as ações reagirem em queda. Basta que um responsável da empresa efetue uma declaração mais pessimista, que uma das áreas de negócio mais promissoras dececione, ou outro desenvolvimento que o mercado não veja com bons olhos.
Há também justificações mais comuns para explicar uma reação desalinhada com o que seria óbvio: se a ação desceu após bons resultados, é porque a empresa tinha habituado os acionistas a superar as previsões por maior margem. Se valoriza após resultados maus, é porque os investidores já estavam a descontar números negativos.
Há ainda a “desculpa” clássica que serve para justificar qualquer movimentação. Se o mercado desce é porque os investidores estão a aproveitar para realizar mais-valias, se valorizar é porque os investidores estão a aproveitar as quedas recentes para comprar mais barato.
“Bad news are good news”
No caso dos indicadores económicos, a lógica é a mesma. Dados que apontam para uma evolução positiva da atividade económica tenderão a induzir uma valorização nas ações em termos gerais. Indicadores negativos (ou abaixo do esperado) motivam o movimento inverso.
Além dos fatores específicos da sua atividade, que são visíveis através dos resultados que apresentam, as empresas são afetadas pela evolução da economia. Do país onde estão sediadas, mas também da economia global. Se a economia estiver robusta, à partida significará receitas mais altas e lucros mais elevados. E por isso uma valorização das ações.
Contudo, tal como nos resultados, nem sempre os bons indicadores económicos se traduzem numa valorização dos mercados acionistas. Esta tendência é tão comum que há muito que existe um jargão (em inglês) para a apelidar: “Bad news are good news”. Significa que más notícias para a economia são boas notícias para os mercados. O inverso – “good news are bad news” – também se aplica.
A lógica por detrás deste comportamento é fácil de explicar. Os dados económicos negativos, em teoria, implicam uma política monetária mais branda, o que é uma notícia positiva para as empresas mais dependentes das taxas de juro. Já os dados económicos positivos podem induzir os bancos centrais a subir os juros para arrefecer a economia e controlar os preços.
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Tecnológicas mais dependentes dos juros
Esta reação é sobretudo visível nas empresas de crescimento (“growth stocks”), ou seja, que têm uma perspetiva de crescimento muito forte, tendo a sua avaliação atual baseada sobretudo no desempenho que terão no futuro. Com a subida das taxas de juro, os lucros no futuro têm atualmente um valor mais reduzido, o que tem reflexo na avaliação no presente.
É por isso que a subida das taxas de juro afeta sobretudo as empresas de tecnologia, como foi muito visível no desempenho das bolsas em 2022, ano marcado por uma subida muito agressiva nas taxas de juro. Regra geral, as tecnológicas necessitam de maior financiamento para os seus planos de investimento, pelo que juros mais elevados significam custos mais altos, o que penaliza os resultados.
Dado que é nos Estados Unidos que as empresas tecnológicas têm um peso mais relevante nos índices, é também em Wall Street onde o “Bad news are good news” mais se verifica. Sendo que a bolsa norte-americana é, de longe, a que mais influência tem nos mercados mundiais, a tendência acaba por ser generalizada.
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Emprego em alta, bolsas em baixa
Esta lógica aplica-se a todos os indicadores que medem a atividade económica, mas nos últimos tempos há um em que a reação negativa dos mercados a boas notícias é mais evidente. O mercado de trabalho nos Estados Unidos tem mostrado uma notável resiliência ao aumento das taxas de juro, dando margem para a Reserva Federal continuar a agravar a política monetária de modo a combater a inflação.
O banco central dos Estados Unidos tem como principal objetivo controlar a alta dos preços a um ritmo anual de 2%, com a economia perto do pleno emprego. Em 2022, ano em que o mercado de ações norte-americano registou a queda mais forte desde 2008 (S&P 500 caiu 20%), a economia norte-americana criou 4,5 milhões de empregos (média de 375 mil por mês) e a taxa de desemprego recuou para um mínimo de 50 anos nos 3,5%.
Muitos economistas argumentam que a Fed vai continuar a subir os juros até que o mercado de trabalho dê sinais claros de arrefecimento, sendo por isso expectável que os mercados reajam em alta se os próximos números do emprego saírem mais fracos do que o esperado.
Foco no longo prazo
Levando esta narrativa à letra, poderá conclui-se que os investidores estão ávidos por desenvolvimentos desfavoráveis na economia, como uma recessão, para verem as ações valorizarem? Como é evidente, este comportamento não faz qualquer sentido, sendo que o “Bad news are good news” só se verifica em determinadas circunstâncias e com um efeito de curto prazo.
Os dados históricos mostram, de uma forma muito clara, que os mercados acionistas tendem a refletir o andamento da economia, sendo até um importante barómetro, pois geralmente antecipam as inversões de ciclo económico. Em praticamente todas as recessões na economia norte-americana o índice S&P500 atingiu mínimos e quanto mais severa foi a contração, maior foi a queda das ações.
O desempenho dos mercados acionistas no arranque de 2023 também evidencia que os desenvolvimentos económicos positivos representam uma boa notícia para as ações. Num só mês, o Stoxx600 (principal índice de ações europeu subiu 7%) anulou cerca de metade da queda sofrida em 2022. Tudo porque a recessão económica que era dada como certa na região, poderá afinal não se materializar.
Mesmo que seja indesmentível que muitos dias os mercados reagem de forma positiva a dados económicos negativos, quem investe numa lógica de longo prazo deve sempre ficar agradado com boas notícias na frente da economia.
Para lá da espuma das variações dos mercados no dia a dia, uma economia com um crescimento saudável traduzir-se-á, mais tarde ou mais cedo, na valorização dos mercados acionistas. Pelo contrário, uma economia em recessão acabará sempre por se refletir de forma negativa nos resultados das empresas e na sua avaliação em bolsa.
O mesmo se pode dizer para uma ação em específico. Por uma variada série de fatores, uma empresa até pode desvalorizar em bolsa no dia em que apresentar resultados positivos. No longo prazo, essa notícia favorável acabará por se refletir de forma positiva no valor da ação.
Os mercados são muitas vezes difíceis de decifrar, mas se ignorarmos as variações de curto prazo (volatilidade), os movimentos são bem mais fáceis de entender e explicar. A subida acentuada da inflação foi a grande culpada pelas fortes quedas sofridas pelas bolsas em todo o mundo em 2022.
Se a política monetária agressiva que foi (e continua a ser) implementada pelos bancos centrais atirar a economia global para uma recessão, as ações devem continuar com desempenho negativo. Se a recessão for leve e passageira, ou acabar por nem acontecer, 2023 deverá ser um ano positivo para quem investe em ações.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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