Depois das valorizações muito pronunciadas em 2023, os mercados acionistas globais estão a acentuar o movimento positivo este ano. Os índices de referência das bolsas dos Estados Unidos, Zona Euro e Japão atingiram máximos históricos sucessivos ao longo das últimas semanas, evidenciando um elevado apetite dos investidores por ativos de risco e preocupações reduzidas sobre o nível elevado das cotações.
Em Wall Street, o S&P500 já acumula uma valorização superior a 8% desde o início do ano, tendo fixado um recorde acima da fasquia dos 5 mil pontos. O índice norte-americano disparou 24% em 2023, anulando a queda muito acentuada sofrida no ano anterior (-19,4%). Contas feitas, o S&P500 regista um saldo positivo de 8,4% desde o final de 2021.
Na Europa os ganhos são mais tímidos, mas o Stoxx600 também atingiu um máximo histórico acima dos 500 pontos, superando o anterior pico do início de 2022. O índice pan-europeu valoriza 6% em 2024, sendo que, desde o final de 2021, está agora a ganhar 4%.
Já a Bolsa do Japão tem sido a grande estrela dos mercados desde o início de 2023. Depois de largos anos de letargia devido à situação de deflação e estagnação da economia, as ações japonesas voltaram ao radar dos investidores devido a uma série de desenvolvimentos positivos (reformas corporativas e económicas, subida dos preços, recuperação económica). O Nikkei disparou 28% em 2023 e este ano já ganha 16%. O índice da bolsa do Japão atingiu recentemente um máximo histórico acima dos 40 mil pontos, superando o anterior pico fixado em 1990.
Perante este movimento ascendente, impõe-se a questão: os máximos históricos das ações a nível global são sustentáveis e assentam em fundamentais, ou os ganhos são exagerados e será inevitável uma correção acentuada? As opiniões de analistas e investidores dividem-se.
Os otimistas salientam que a economia global continua saudável apesar da subida dos juros e da inflação elevada, sendo que os resultados das empresas são positivos e o impulso da Inteligência Artificial é verdadeiramente transformador. Os pessimistas alertam que os preços das ações estão a descontar um cenário demasiado perfeito, a economia global ainda está vulnerável a uma retração, a descida da inflação não está garantida e os riscos geopolíticos são cada vez maiores. Estão a intensificar-se as comparações com a bolha das “dotcom” que rebentou em 2000.
De seguida, estão detalhados os argumentos dos dois lados da barricada, listando os fatores que vão comandar a evolução das bolsas nos próximos meses.
Motivos para otimismo
Taxas de juro vão baixar
As expectativas de inversão da política monetária têm sido o grande motor da valorização das bolsas desde o ano passado. O agravamento rápido dos juros para contrariar o disparo da inflação castigou severamente as bolsas em 2022, mas Fed e BCE concluíram o ciclo em meados do ano passado. É bastante provável que os dois bancos centrais comecem a reduzir os juros no verão (potencialmente já em junho) e prolonguem o alívio da política monetária até 2025.
Historicamente, os mercados acionistas registam um bom desempenho nos ciclos de descidas de juros, pois impulsiona o consumo das famílias, baixa os custos das empresas e fomenta o investimento. Além disso, tem impacto positivo nas avaliações das ações. Tomando como exemplo a evolução de Wall Street desde 1985, o S&P500 registou uma valorização média de 5,1% nos primeiros três meses após o corte de juros inicial. Tendo em conta os 12 meses seguintes, o índice regista uma valorização média real de 11%.
Recessão fora do horizonte
A subida rápida dos juros fez temer uma recessão pronunciada na economia global, o que agravaria o sentimento negativo que dominou os mercados em 2022. Mas a realidade foi bem diferente, com a economia mundial a registar uma resiliência surpreendente face à perda de poder de compra das famílias. Os Estados Unidos conseguiram o desempenho mais notável, sendo que nesta altura o temido cenário de recessão parece fora do horizonte no curto e médio prazo. Mesmo na Europa, onde o crescimento económico é bem mais débil, só o Reino Unido e a Alemanha estão vulneráveis a uma recessão, que ainda assim se prevê curta e pouco pronunciada.
Os mercados antecipam os ciclos económicos, pelo que as cotações atuais refletem as perspetivas de uma recuperação económica mais duradoura em 2025, um ano em que a inflação já estará nos objetivos dos bancos centrais e as taxas de juro numa trajetória descendente.
Resultados vão acelerar
As épocas de resultados trimestrais têm sido um importante suporte para a evolução positiva das bolsas nos Estados Unidos e na Europa, uma vez que a generalidade das empresas tem conseguido apresentar números acima do esperado pelos analistas, à custa de cortes de custos e evolução mais robusta da procura num ambiente de evolução económica resiliente.
As expectativas apontam para que a tendência melhore em 2024. Os lucros das empresas do S&P500 cresceram 8,2% no quarto trimestre, no segundo trimestre consecutivo de subidas após três trimestres de variações negativas. As estimativas apontam para taxas de crescimento de dois dígitos a partir dos últimos três meses de 2024. Na Zona Euro, os lucros das empresas do Stoxx600 terão recuado 5,3% no quarto trimestre e a variação ainda deverá ter sinal negativo nos primeiros três meses de 2024. Será o quarto consecutivo em queda, mas o crescimento acelera depois, chegando ao quarto trimestre com uma forte subida de 32,4%.
Inteligência Artificial é transformadora
A recuperação das bolsas no início de 2023 coincidiu com o início da euforia com a Inteligência Artificial, evidente sobretudo depois do lançamento do ChatGPT. As grandes tecnológicas cavalgaram a onda e apostaram forte no tema. Sendo ainda prematuro garantir qual será o real impacto da Inteligência Artificial, os diversos estudos publicados demonstram que o potencial transformador é enorme, com impacto em todos os setores de atividade e capacidade para impulsionar a produtividade e potencial de crescimento da economia global.
Uma análise do Goldman Sachs estima que a Inteligência Artificial pode automatizar cerca de 25% das tarefas laborais nas economias avançadas e impulsionar a produtividade da economia norte-americana em 1,5 pontos percentuais ao ano, caso seja adotada de forma massiva. Este é apenas um exemplo do potencial disruptivo da Inteligência Artificial, cujo efeito não está ainda refletido nos mercados financeiros.
Subidas vão ficar generalizadas
O atual ciclo positivo nas bolsas está a ser marcado por uma concentração das valorizações num escasso número de cotadas. Em Wall Street destacaram-se as “Sete Magníficas”, que duplicaram de valor em 2023 e continuam a dominar os ganhos este ano. Também na Europa se verifica este fenómeno, sobretudo em 2024, com as empresas de grandes capitalizações a concentrarem os ganhos.
Excluindo o contributo destas empresas (sobretudo tecnológicas), os ganhos dos índices acionistas dos EUA e Europa foram bem menos exuberantes. O que, segundo vários analistas, deixa espaço para que as cotadas de outros setores de atividade que ficaram para trás consigam agora um desempenho mais favorável. A generalização da tendência de alta a outros setores de atividade poderá representar uma das mais relevantes dinâmicas para que 2024 possa voltar a ser um ano positivo para as bolsas globais.
Motivos para pessimismo
Avaliações estão demasiado elevadas
Uma das formas mais eficientes de avaliar se as ações estão caras ou baratas passa por analisar os múltiplos e compará-los com a evolução histórica. As cotadas do S&P500 estão a negociar com uma cotação equivalente a mais de 20 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, bem acima da média pré-pandemia (17 vezes entre 2017 e 2019). Nas “Sete Magníficas” este múltiplo PER está já acima de 30. Nas cotadas europeias as avaliações estão menos exuberantes, com o PER de 14 ainda assim substancialmente acima da média dos últimos anos.
Este nível elevado das avaliações é um dos principais argumentos dos pessimistas, destacando que as ações estão caras face às perspetivas de evolução dos resultados e por isso fortemente vulneráveis a uma evolução menos positiva do que está a ser estimado pelos analistas. Os múltiplos das tecnológicas ainda estão distantes do observado antes de rebentar a bolha das “dotcom” em 2000, mas as semelhanças da trajetória são suficientes para assustar muitos investidores.
Economia está a travar
Sendo evidente que o desempenho da economia global está a surpreender pela positiva, também é verdade que o crescimento continua a ser fraco e os indicadores mais recentes validam que a tendência é descendente. Acresce que os efeitos do agravamento da política monetária demoram a impactar a economia e só em 2025 serão sentidos na plenitude os impactos das atuais taxas de juro em máximos. Além disso, se a inflação persistir acima da meta dos 2%, os bancos centrais não hesitarão em deixar as taxas de juro em níveis restritivos.
Nas projeções económicas divulgadas em janeiro, o FMI validou o cenário de “aterragem suave” e até elevou a estimativa para o PIB global em 2024 (3,1%). Mas destacou que nos próximos anos o crescimento deverá continuar bem abaixo da média deste século (3,8% entre 2000 e 2019). Um cenário de recessão é agora menos provável, mas não está descartado e a evolução da economia pode fazer toda a diferença na evolução dos mercados acionistas.
Economia chinesa não arranca
A China tem sido um fator à parte da evolução da economia mundial e uma verdadeira deceção desde a pandemia. A tão aguardada recuperação nunca chegou e a segunda maior economia do mundo continua a registar um desempenho medíocre tendo em conta o crescimento que habituou nas primeiras duas décadas deste século. Pequim definiu uma meta de crescimento de 5% para este ano, sinalizando que não serão expectáveis medidas de estímulo com poder de fogo substancial.
A braços com uma crise no setor imobiliário ainda longe do desfecho, um modelo económico assente em dívida e construção de infraestruturas que comprovou estar esgotado e uma crise demográfica preocupante, a China poderá continuar a ser uma fonte de stress para os mercados globais. Más notícias sobretudo para as companhias europeias, já que muitas têm uma forte dependência dos níveis de procura na China.
Riscos geopolíticos a subir
O bom desempenho dos mercados acionistas globais desde o início de 2023 ignorou um conjunto de riscos geopolíticos crescentes neste período. À guerra na Ucrânia sem fim à vista juntou-se a guerra entre Israel e o Hamas, desestabilizando (ainda mais) uma zona do globo onde é produzido uma fatia considerável do petróleo consumido em todo o mundo e passa uma parte considerável do comércio mundial.
A divisão do mundo em vários blocos agrava a tendência de “desglobalização” e a diminuição das trocas comerciais, o que terá implicações negativas no valor em bolsa das multinacionais. 2024 será marcado eleições num elevado número de países, com destaque para os Estados Unidos, onde o potencial regresso de Donald Trump à Casa Branca pode agravar as relações da maior economia do mundo com a China e a Europa.
Concentração é um risco
As “Sete Magníficas” concentraram mais de metade dos ganhos do S&P500 em 2023. As cinco maiores empresas europeias são responsáveis por mais de metade da valorização do Stoxx600 este ano. Este nível de concentração deixa os dois índices muito vulneráveis a uma desilusão em qualquer uma destas companhias, em termos de resultados ou outro evento desfavorável.
A Nvidia tem sido a grande estrela de Wall Street nos últimos anos, com as cotações a aumentarem oito vezes desde outubro de 2022, o que levou o valor de mercado da companhia ao último lugar do pódio das cotadas mais valiosas do mundo (mais de 2 biliões de dólares). Se a fabricante de chips para a indústria de Inteligência Artificial não conseguir corresponder às enormes expetativas que os investidores estão a depositar na Nvidia, o potencial contágio ao resto do setor e mercado em geral é bastante elevado.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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