A subida impressionante da inflação foi o tema central que determinou a evolução dos mercados em 2022. O ano foi marcado pela guerra na Ucrânia, que contribuiu de forma decisiva para a escalada dos preços. E também pela subida agressiva das taxas de juro, a arma utilizada pelos bancos centrais para responder à inflação elevada.
O impacto foi muito negativo. As ações globais registaram a queda mais acentuada desde a crise financeira e as obrigações viveram um dos piores anos de sempre. As duas classes de ativos andaram de mãos dadas em terreno negativo, o que aconteceu pouco mais de um par de vezes nos últimos 100 anos.
Se 2022 foi um ano muito atípico, o que esperar de 2023? A incerteza é elevada e permanecem muitas questões por responder. Ainda assim, analistas e bancos de investimento, como habitual, avançaram com as previsões para a evolução dos mercados este ano.
De seguida, estão resumidos os cinco temas que devem marcar os mercados em 2023 e as cinco tendências mais consensuais entre os analistas e economistas que arriscaram fazer previsões para este ano.
CINCO TEMAS
Inflação corrige de máximos, mas persiste bem acima da meta
A inflação dominou a evolução dos mercados em 2022 e vai continuar a ser um indicador fundamental para acompanhar em 2023, pelo menos na primeira metade do ano. Parece consensual que a alta dos preços já atingiu o pico máximo e que este ano se irá a assistir a um alívio. A chave está em saber com que velocidade e quando vai a inflação corrigir para a meta dos bancos centrais (2%).
Muitos economistas advertem que a inflação elevada veio para ficar, mesmo que os preços dos bens energéticos continuem a corrigir. Daí que o foco incida cada vez mais na denominada inflação subjacente (ou ‘core’), que exclui alimentos e energia. Se este indicador não der sinais de alívio substancial, é expectável que as ações e obrigações continuem pressionadas pela política monetária do Banco Central Europeu (BCE) e da Reserva Federal (Fed).
As estimativas dos bancos centrais são bem pessimistas. O BCE vê a inflação na Zona Euro a baixar para 6,3% este ano, 3,4% em 2024, persistindo acima dos 2% em 2025 (2,3%). A Fed também estima uma inflação acima da meta em 2025, mas vê a inflação “core” nos 3,5% já este ano. Os economistas concordam que o caminho será longo até a inflação baixar para níveis em linha com a média histórica e alertam para o perigo de a alta dos preços ficar enraizada.
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Recessão será global, mas branda e passageira
É provável que a evolução da atividade económica destrone a inflação como o tema mais relevante nos mercados em 2023. A recessão que se avizinha, a nível global, será uma das mais antecipadas de sempre. Está a ser estimada desde meados do ano passado, assim que ficou evidente que a subida da inflação obrigaria os bancos centrais a intensificar o ritmo de subida de juros.
A verdade é que a contração da atividade económica não chegou em 2022 e as perspetivas são menos negativas neste arranque de ano. O mercado de trabalho nos Estados Unidos permanece muito robusto, as temperaturas elevadas aliviaram as preocupações sobre os efeitos da crise energética na Europa e a China removeu as restrições relacionadas com a pandemia, abrindo caminho para uma recuperação sustentada da economia.
Apesar de a probabilidade ser agora mais baixa, o cenário central da maioria dos economistas continua a apontar para uma recessão global em 2023. Contudo, as estimativas indicam que a quebra da atividade económica será branda e pouco prolongada, com a recuperação a ser visível já no final deste ano.
A confirmar-se esta evolução benigna, fica afastado o cenário negro que se antecipava no outono passado e que indicava uma recessão profunda e prolongada, sobretudo na economia europeia. Ainda assim, o FMI não arrancou o ano nada otimista, com a diretora-geral a alertar que 2023 “será mais difícil”, com um terço da economia mundial em recessão.
Taxas de juro atingem o pico, mas cortes ficam adiados
A subida da inflação obrigou os bancos centrais a endurecer a política monetária ao ritmo mais forte dos últimos 40 anos. O BCE subiu as taxas de juro em 250 pontos base (2,5 pontos percentuais) em 2022 e a Fed aumentou em 400 pontos base, condicionando fortemente o desempenho das ações e obrigações.
A maior parte do trabalho está feito, mas ainda longe de estar concluído. As expectativas atuais apontam que o BCE vai colocar a taxa de juro acima de 3% e a Fed num nível superior a 5%, com aumentos mais brandos do que em 2022.
E depois de concluído o ciclo, vão os bancos centrais reduzir os juros quando a atividade económica travar de forma mais pronunciada? Os mercados acreditam que sim (sobretudo na Fed), mas os economistas e os bancos centrais têm uma perspetiva diferente.
Mesmo que a economia global enfrente uma recessão, dificilmente a Fed e o BCE vão reduzir os juros na segunda metade do ano, sobretudo se a inflação persistir em níveis elevados. O cenário central traçado pelos economistas aponta antes para a manutenção dos juros na taxa terminal por um período prolongado.
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Resultados das empresas revistos em baixa
É apontado pela generalidade dos analistas como um dos principais riscos para as bolsas em 2023. As previsões de resultados das empresas têm vindo a ser revistas em baixa, mas não o suficiente para refletir o impacto dos custos de financiamento mais elevados, o abrandamento da atividade económica e a perda de poder de compra das famílias.
As estimativas já apontam para uma queda homóloga nos lucros do quarto trimestre de 2022 das empresas norte-americanas, mas as previsões para o conjunto de 2023 ainda sugerem um crescimento dos resultados. No que diz respeito às empresas europeias, os analistas estimam uma estagnação este ano, depois de o crescimento superior a 20% em 2022 ter sido impulsionado pelas empresas de energia. Estimativas que não estão, de todo, alinhadas com a evolução negativa dos resultados das empresas em períodos de recessão no passado. Desta forma, um desempenho mais negativo da economia do que o mercado está a descontar poderá refletir-se em surpresas negativas nos resultados trimestrais que as empresas vão reportar ao longo deste ano.
Economia chinesa recupera após fim do isolamento
Depois de largos anos a funcionar como o principal motor na economia mundial, a China sofreu em 2022 as consequências de uma política muito restritiva para controlar a pandemia. Pela primeira vez em 40 anos, o crescimento do PIB terá ficado abaixo da tendência global e bem longe da meta do governo (+5,5%).
Será difícil fazer pior em 2023, sendo que as perspetivas são agora bem mais animadoras, depois de as autoridades do país terem acabado de forma abrupta com a política de covid-zero. As fronteiras reabriram após quase três anos de isolamento de um país com 1,4 mil milhões de habitantes e os confinamentos são coisa do passado.
Esta reabertura muito mais célere do que o previsto gerou uma forte valorização dos ativos chineses nas últimas semanas, num rally que os analistas acreditam que tem pernas para andar.
Depois das desvalorizações superiores a 20% em 2021 e 2022, as ações chinesas estão num nível que os analistas consideram atrativo para capturar a expectável evolução favorável do consumo das famílias e da indústria do país.
A velocidade da recuperação da economia chinesa será também determinante para a evolução das ações globais, dada a forte presença de muitas multinacionais europeias e norte-americanas no país. É também relevante para o desempenho das matérias-primas, dado que a China é o maior consumidor de commodities como o petróleo, aço e cobre.
CINCO TENDÊNCIAS
Obrigações recuperam depois de ano negro
2022 ficará para a história como um dos piores anos de sempre para o mercado de obrigações, que sofreu o impacto da escalada da inflação e da subida agressiva das taxas de juro por parte dos bancos centrais. O índice que mede o desempenho das obrigações mundiais cedeu 16% no ano passado, com os títulos europeus a sofrerem quedas mais acentuadas (-18,5%) do que os norte-americanos (-12,5%).
Segundo os analistas, os ingredientes estão agora reunidos para uma recuperação sustentada das obrigações, que historicamente registam bons desempenhos num ambiente de descida da inflação e retração da atividade económica. Com as yields dos títulos de dívida em máximos de 11 anos, é expectável uma correção nas taxas de rendibilidade ao longo deste ano (as cotações das obrigações variam em sentido contrário às yields).
2022 fica também marcado por uma inversão da curva de rendimentos das obrigações, com as taxas dos títulos de prazo mais curto acima das maturidades mais longas, o que representa um poderoso sinal de recessão na economia.
Os analistas aguardam um alisamento da curva (ou mesmo regresso à “normalidade”), destacado também a atratividade das obrigações de empresas com qualidade de crédito mais elevado, uma vez que, ao contrário do que aconteceu noutras crises, a generalidade das empresas apresenta balanços saudáveis. Ou seja, a probabilidade de incumprimentos é reduzida.
Esta visão benigna para as obrigações é contestada por diversos analistas, que alertam que a inflação vai persistir em níveis elevados, impedindo os bancos centrais de aliviarem a política monetária.
Ações com novos mínimos e recuperação no segundo semestre
A desvalorização mais acentuada desde a crise financeira não foi suficiente para refletir todos os riscos nas bolsas, levando a maioria dos analistas a estimar que os índices de ações vão atingir novos mínimos na primeira metade deste ano.
A evolução estará dependente dos cinco temas acima mencionados, sendo que o pessimismo dos analistas está sobretudo relacionado com os receios de um impacto significativo do abrandamento económico nos resultados das empresas, mas também com a manutenção da inflação em níveis elevados. O que continuará a pressionar o poder de compra das famílias em baixa e as taxas de juro em alta.
Se as perspetivas para o primeiro semestre ainda são sombrias, os analistas apontam a recuperação das ações na segunda metade do ano, quando já for evidente o estrago económico do agravamento da política monetária e os bancos centrais já deverão ter concluído o ciclo de subida de juros. Contas feitas, muitos analistas esperam que os índices terminem 2023 em linha com os níveis que apresentavam no final do ano passado.
As estatísticas jogam a favor dos otimistas, sobretudo em Wall Street. Desde 1928, apenas por quatro ocasiões o índice norte-americano S&P500 recuou em dois anos seguidos: Grande depressão, II Guerra, crise petrolífera dos anos 70 e na bolha das dotcom no início deste século. Ainda assim, quando tal aconteceu, as perdas do segundo ano foram mais fortes do que no primeiro.
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Reinado do dólar chega ao fim
O investimento no dólar foi das poucas apostas certeiras de 2022, mas não funcionou o ano todo. A “nota verde” chegou a setembro a acumular ganhos anuais de 20% contra as principais moedas mundiais, transacionando em máximos históricos face à libra e no nível mais elevado em 25 anos face ao iene. Em agosto, atingiu a paridade face ao euro pela primeira vez em 20 anos.
A partir de novembro de 2022, o dólar entrou numa trajetória descendente (fechou o ano a subir apenas 8%), que os analistas esperam que se prolongue este ano. A tendência coincidiu com o início do declínio mais acentuado da inflação nos Estados Unidos e dados mais fracos na maior economia do mundo, reforçando a expectativa de que a Fed está mais perto de concluir o ciclo de agravamento de juros.
O BCE está mais atrasado no agravamento da política monetária, o Banco do Japão deverá retirar a taxa de juro de terreno negativo este ano, a situação orçamental no Reino Unido é agora bem mais tranquila e a economia chinesa devera recuperar em 2023. Evoluções que deverão matar definitivamente o reinado que o dólar viveu nos últimos anos.
O ano dos mercados emergentes
O desempenho dos mercados de economias emergentes está intimamente ligado à evolução do dólar, pelo que os primeiros nove meses de 2022 foram terríveis e, desde outubro, sempre a recuperar. Face aos mínimos de outubro, o MSCI Emerging Markets já valoriza mais de 20%, colocando este índice que agrupa a performance de 24 mercados emergentes em bull market.
Se à expectável debilidade do dólar juntarmos o impacto da reabertura da economia chinesa, é fácil perceber porque os analistas estão otimistas com a recuperação sustentada dos ativos dos mercados emergentes em 2023. Acresce que os bancos centrais destes países já praticamente concluíram o ciclo de aperto da política monetária, o que reforça a atratividade das ações e obrigações locais.
Um dólar forte significa custos de financiamento mais elevados para os países com economias emergentes, além de penalizar as matérias-primas, que têm uma importância acrescida nestes mercados. Se a moeda norte-americana contrariar as previsões e ganhar terreno em 2023, o otimismo que marca o arranque de ano com os mercados emergentes pode desvanecer por completo.
Volatilidade continua elevada
É certamente a previsão mais fácil de arriscar. As variações de grande amplitude vão continuar um prato forte nos mercados ao longo de 2023, tal como se assistiu no ano passado. Apesar da forte desvalorização no conjunto de 2022, o ano passado fica marcado por várias sessões com os ganhos mais acentuados da última década.
Como é percetível nos temas e tendências desenvolvidas até aqui, todas as previsões estão rodeadas de uma elevada incerteza, que é a principal aliada da volatilidade nos mercados. Acresce que os riscos geopolíticos continuam em níveis elevados, com a guerra na Ucrânia e as relações entre EUA e China a representarem sempre uma ameaça a tendências estáveis nas cotações dos ativos.
A volatilidade afeta sobretudo os day traders (investidores que alteram a carteira numa base diária), sendo pouco relevante para os investidores de longo prazo, para quem a “espuma dos dias” não afeta a rendibilidade das suas carteiras. Se os temas e tendências deste artigo se concretizarem, 2023 pode ser um ano positivo para quem investe no mercado de capitais nesta lógica de longo prazo.
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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