Embora os planos de poupança-reforma (PPR) tenham sido desenhados para fornecer rendimentos na aposentação, não são obrigatoriamente os melhores produtos de aforro para essa fase da vida. Há, pelo menos, uma situação em que os rendimentos dos PPR podem ser fiscalmente mais penalizados do que os dos fundos de investimento e de outras aplicações sem benefícios fiscais: a reforma antecipada.
Há cada vez mais portugueses interessados na independência financeira e na reforma antecipada (IFRA). Este movimento, cuja génese pode ser apontada ao livro Your Money or Your Life, publicado pela primeira vez por Joe Dominguez e Vicki Robin em 1992 (traduzido em Portugal pela Actual Editora como O Dinheiro ou a Vida), apela a um estilo de vida frugal e focado na poupança de modo a poder antecipar-se a aposentação muitos anos ou algumas décadas.
O sustentáculo da IFRA (ou FIRE, do inglês financial independence, retire early) são os resgates dos investimentos durante os anos de reforma antecipada, enquanto não se recebe uma pensão estatutária. A poupança acelerada que se faz durante o período de trabalho tem de ser suficiente para as despesas na reforma antecipada e para compensar a eventual perda no nível da pensão legal.
O Pedro Pais escreveu recentemente um artigo que deve ler sobre a tributação dos PPR. Nele, indicou que, na melhor hipótese, a taxa de tributação dos PPR é de 8% ou de 8,6%, se o reembolso não for nas condições legais. São esses 8,6% que interessam a quem está a planear a reforma antecipada, porque não se trata de uma aposentação estatutária.
Pedro Pais acrescentou: “Estes 8% contrastam com os 28% habituais de tributação sobre rendimentos com produtos financeiros, um benefício muito interessante.” No entanto, a IFRA não é uma situação habitual. A tributação pode ser inferior a 8,6%. Pode ser até nula.
Os benefícios fiscais à entrada dos PPR também não interessam a quem está a planear a reforma antecipada, porque o resgate será potencialmente feito fora das condições legais e, caso se incluísse o investimento em PPR na declaração anual de IRS, teria de se devolver a dedução fiscal recebida acrescida de 10% por cada ano passado entre a subscrição e o reembolso.
Opte pelo englobamento
Imagine que, no início de 2021, chegou à independência financeira — tem dinheiro suficiente para o resto da vida — e que declara a sua reforma antecipada — não planeia trabalhar mais. Para viver, precisa de 1.000 euros por mês, ou seja, tem de resgatar 12 mil euros do seu fundo de investimento durante o ano. Desde que começou a investir nesse fundo, há 20 anos, a sua rentabilidade anual foi de 4,5%. Os 12 mil euros nasceram de uma aplicação de cerca de 4.975 euros em 2001.
Por defeito, a mais-valia de 7.025 euros (12.000€ − 4.975€) seria tributada a 28%, o que resultaria num imposto a pagar de 1.967 euros (28% × 7.025€). Mas, como não terá outros encaixes ao longo do ano (afinal, não trabalha nem tem pensão estatutária), compensa englobar os rendimentos.
Ao englobar, a mais-valia torna-se no rendimento coletável global. Como é inferior a 7.112 euros, o limite do primeiro escalão, o rendimento fica sujeito a uma taxa de 14,5%. Neste caso, a coleta total é de 1.018,63 euros (14,5% × 7.025€). Se tiver deduções à coleta de 420 euros em 2021, então a coleta líquida desce para 598,63 euros. A taxa de tributação efetiva do fundo de investimento resulta em 8,52% (598,63€ ÷ 7.025€), inferior ao que alcançaria num PPR.
Probabilidade de perder dinheiro na bolsa? Não é assim tão elevada
Na verdade, a tributação poderia ser ainda mais baixa: no exemplo anterior, não introduzi o eventual benefício municipal que reduz a coleta líquida e os encargos de aquisição e alienação do fundo que podem ser abatidos às mais-valias (ao contrário dos PPR). Mas, mais importante, as deduções à coleta podem ser superiores. As estatísticas mais recentes da autoridade fiscal mostram que as famílias somam, em média, deduções à coleta de cerca de 800 euros.
No caso anterior, se as deduções à coleta fossem de 800 euros, a tributação seria de 218,63 euros, o que se traduz numa taxa fiscal de 3,11%. No extremo, se as deduções ultrapassarem 1.018,63 euros, não paga imposto. No primeiro escalão de IRS, não há limite geral às deduções.
Numa situação de reforma antecipada, quem tiver deduções à coleta superiores a 1.031,24 euros por ano não pagará IRS enquanto as mais-valias fiscais não ultrapassarem 7.112 euros. Note que não é todo o capital resgatado que é tributado; é apenas o ganho. Não tem de viver com 7.112 euros por ano para não ser tributado na reforma antecipada.
É possível ser alvo de uma baixa tributação mesmo no segundo escalão de IRS. Outro exemplo: alguém que chegou à reforma antecipada depois de 20 anos a ganhar anualmente 5,4% no seu fundo de investimento resgata 1.200 euros por mês. O seu rendimento coletável (9.370 euros) coloca-o no segundo escalão, mas, se tiver deduções à coleta de 800 euros, a sua taxa de tributação efetiva será de 8%.
Qual é o truque?
O truque é ficar quieto, o que é muito difícil. O segredo é escolher um fundo de investimento para a vida. Se mudar de instrumento financeiro a meio caminho para a reforma antecipada, a tributação acontecerá nessa altura. O efeito fiscal positivo de longo prazo é quebrado.
O que sugiro aos investidores — e o que tenho feito com o meu dinheiro — é eleger um produto que, depois de selecionado, possa ser “abandonado” durante décadas na carteira de investimento. Prefiro um fundo cujo desempenho não dependa da capacidade de gestão de seres humanos. Opto por um instrumento automatizado que procura replicar um índice de valores. Elejo o intermediário financeiro mais económico e o produto mais barato da sua categoria, porque o pagamento de comissões é a única coisa garantida no sistema financeiro.
Se sabe à partida que não conseguirá ficar quieto, volte-se para os PPR. Para quem planeia a reforma antecipada, a grande vantagem dos PPR não é a tributação amena; é a possibilidade de trocar de produto sem ativar a fiscalidade. Nisso, são imbatíveis.
Editor do boletim tlim, uma publicação eletrónica de finanças pessoais. Ex-jornalista. Colaborou durante 20 anos com mais de uma dúzia de publicações, do Expresso à Seleções do Reader's Digest. Não gosta de Economia. Está a escrever o seu terceiro livro sobre investimentos. Eterno aprendiz.
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