Trabalhar em duas empresas é uma realidade que alguns portugueses conhecem bem. Afinal, nem todas as pessoas ganham um ordenado que permite alcançar a qualidade de vida pretendida. E, claro, pagar todas as despesas. No entanto, estas não são as únicas razões.
Muitas pessoas procuram um segundo emprego, em part-time, numa área com mais interesse para si e onde podem realizar-se a nível pessoal e profissional. No fundo, o primeiro emprego apenas garante a estabilidade financeira e o segundo, a realização profissional.
Contudo, quando temos dois vínculos laborais, nem sempre é fácil perceber quais são os nossos direitos e deveres, enquanto trabalhadores. Sendo que estes podem variar de acordo com os contratos de trabalho.
De seguida, abordamos os principais pontos do que está definido na legislação para quem tem dois empregos. Saiba ainda quais são os direitos previstos e que cuidados deve ter para cumprir os seus deveres.
É possível trabalhar em duas empresas em todas as áreas?
Tudo depende do que está estabelecido no contrato de trabalho. Ou seja, em termos legais, não existe uma legislação que determine a impossibilidade de se trabalhar em duas empresas. Por norma, na maioria das situações, esta decisão diz respeito ao trabalhador, desde que este continue a cumprir com as suas obrigações e com o que está estabelecido no seu contrato.
Contudo, é preciso chamar atenção para alguns pormenores que podem limitar o desempenho de funções em outras empresas ou até como trabalhador independente.
Segundo o Código do Trabalho, mais concretamente no artigo 128º, estão descritos os deveres dos trabalhadores. Na alínea f), pode ler-se que é um dever dos trabalhadores "guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios".
Na prática, caso pretenda aceitar um segundo emprego, deve ter em consideração se a atividade que vai prestar faz concorrência direta ao seu outro empregador. Em muitos contratos de trabalho existem alíneas que proíbem o trabalhador de prestar atividades profissionais em empresas concorrentes.
Mesmo que esta proibição não exista, caso esteja na dúvida se o seu segundo trabalho pode causar problemas profissionais ou levantar questões éticas, deve confirmar junto dos recursos humanos. Assim, pode perceber, antecipadamente, se existem entraves ou não.
Além da questão da concorrência direta, também é importante reler o seu contrato de trabalho de forma a garantir que não existe uma cláusula de exclusividade. Em algumas áreas profissionais e em determinadas funções, o contrato de trabalho pode impedir um trabalhador de exercer uma outra atividade.
O que fazer se um dos empregadores levantar problemas?
Como referimos anteriormente, se o seu contrato de trabalho não estipular que está proibido de trabalhar em duas empresas, seja por motivos de exclusividade ou por motivos de concorrência, não existe razão para um despedimento com justa causa.
Muitas empresas ainda têm preconceitos quanto aos trabalhadores que exercem uma segunda atividade profissional. Por norma, há uma ideia preconcebida que um trabalhador com dois empregos não tem o mesmo foco e produtividade que um trabalhador que só tenha um vinculo laboral.
Caso sinta algum constrangimento, deve explicar que uma segunda atividade não vai afetar o seu profissionalismo. Se os problemas se mantiverem e a sua entidade empregadora levantar problemas sem uma justificação aceitável, poderá ter de resolver a situação pela via legal.
Por outro lado, existem serviços que ajudam a resolver conflitos entre trabalhadores e empregadores. Um dos serviços é o Sistema de Mediação Laboral que visa ajudar ambas as partes a chegar a um acordo, por escrito, evitando assim a ida a Tribunal do Trabalho.
Contudo, este serviço tem custos associados: 50 euros a cada uma das partes, independentemente do número de reuniões necessárias. Caso não tenha rendimentos para pedir este serviço, pode ter direito à isenção se tiver direito a Proteção Jurídica ou Apoio judiciário.
Também pode tentar pedir esclarecimentos junto da ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho.
Posso ter benefícios no meu horário?
À partida não. Quando assinamos um contrato de trabalho comprometemo-nos a desempenhar as nossas funções segundo o regime horário acordado. Imagine que trabalha por turnos ou tem um horário fixo. Dado que se comprometeu a trabalhar nesse regime, o seu segundo emprego deve realizar-se nas suas horas livres.
No entanto, isto não significa que não possa falar com a sua entidade patronal e ver a abertura que tem para alterar o seu horário ou aplicar um regime de trabalho mais flexível.
Se a diminuição dos rendimentos não for um problema e quiser exercer as duas atividades profissionais em simultâneo, mas não consegue conciliar os dois horários, pode tentar um acordo com a sua entidade empregadora. Ou seja, nesta situação o ideal seria passar de um emprego a tempo inteiro e um a tempo parcial para dois empregos a tempo parcial.
Contudo, tenha sempre em mente que a sua entidade empregadora pode opor-se. Dado que a redução de horário, bem como o horário flexível apenas estão previstos em determinadas situações, a sua empresa não é obrigada a conceder-lhe este benefício.
Há limites na carga horária para quem quiser trabalhar em duas empresas?
Não existem limites do período normal ou máximo de trabalho para quem trabalha em duas empresas. No entanto, existem limites máximos do período normal de trabalho em cada emprego, segundo o Código do Trabalho.
No artigo 203º do CT, está claro que o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia e 40 horas semanais. Já se o período normal de trabalho for prestado exclusivamente em dias de descanso semanal da maioria dos trabalhadores da empresa, como costumam ser os fins de semanas, então pode haver um aumento do período até 4 horas diárias.
Quanto à duração média do trabalho semanal, incluindo a possibilidade de trabalho suplementar, esta não pode ser superior a 48 horas. O período de referência para esta duração não pode ultrapassar os 12 meses e deve constar em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Caso não exista, o período de referência deve ser de 4 ou 6 meses, consoante as situações aplicáveis e descritas no CT.
Nota: Importa salientar que nos casos em que haja um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o período normal ou máximo de trabalho pode ser distinto.
Obrigações fiscais e contributivas ao trabalhar para duas empresas
As obrigações fiscais e contributivas de um trabalhador dependem do tipo de trabalho prestado. Ou seja, se prestar trabalho dependente a duas empresas, a nível prático nada se altera nas suas obrigações declarativas. Isto significa que terá apenas que na sua declaração de IRS declarar os rendimentos que obteve em ambas as empresas.
A nível de impostos, tanto para o IRS (retenção na fonte) como para a Segurança Social, os descontos serão feitos por ambas as empresas, descontando os respetivos valores do seu salário. No entanto, se uma das atividades for prestada como trabalhador independente, o cenário altera-se.
Acumulo trabalho dependente com recibos verdes. Quais são as minhas obrigações?
Um trabalhador que acumule trabalho dependente com trabalho independente tem mais obrigações do que um trabalhador que preste trabalho dependente a duas entidades. Em primeiro lugar, na declaração de IRS, terá de preencher o Anexo A (trabalho dependente), bem como o Anexo B (trabalho independente).
Já no que diz respeito à retenção na fonte e ao IVA é preciso ter atenção ao valor dos rendimentos obtidos anualmente no trabalho independente. Atualmente, os trabalhadores independentes estão isentos da cobrança de IVA, bem como de retenção na fonte até 12 500 euros anuais. Caso ultrapasse este valor, deve fazer a retenção na fonte e a cobrança do IVA deve iniciar-se no ano seguinte.
Por fim, quanto à Segurança Social pode ou não haver direito à isenção do pagamento das contribuições quando se acumula trabalho dependente como trabalho independente. A isenção aplica-se apenas aos trabalhadores que tenham um rendimento mensal médio, apurado trimestralmente, inferior a 1755,24 euros (4 X IAS).
No entanto, para ter direito a esta isenção não pode:
- Prestar atividade (trabalho dependente e trabalho independente) à mesma entidade empregadora. Esta regra mantém-se quando a atividade é prestada a empresas distintas, mas que pertencem ao mesmo grupo empresarial.
- Exercer atividade por conta de outrem numa empresa que não garanta o enquadramento obrigatório noutro regime de proteção social que cubra a totalidade das eventualidades abrangidas pelo regime dos Trabalhadores Independentes.
- E se o valor da remuneração mensal média considerada para o outro regime de proteção social for menor que o valor de 1 IAS, ou seja, 438,81€.
Caso não cumpra estes critérios, terá que entregar a declaração trimestral dos seus rendimentos à Segurança Social e pagar as contribuições devidas mensalmente.
Posso perder algum direito por ter dois empregos?
Os direitos de um trabalhador não podem ser condicionados ou suprimidos sem motivos legais que sustentem essa alteração. Por isso, se o seu contrato não o proibir de desempenhar outra atividade profissional, a sua entidade empregadora não pode retirar-lhe qualquer direito que beneficiava até à data e que esteja estipulado no seu contrato.
No entanto, existem benefícios extrassalariais que não são obrigatórios e podem terminar a qualquer momento. Contudo, quando estas regalias são atribuídas a todos os trabalhadores, por norma, o fim da atribuição deve abranger todos os beneficiários.
Caso tenha dúvidas sobre alguns direitos mais específicos previstos na legislação, deve consultar o Código do Trabalho ou uma autoridade competente nesta área.
Ler mais: Rescisão por mútuo acordo: Quais são os direitos dos trabalhadores?
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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