Sempre que faço formações, workshops ou palestras explico que o que faz diferença nas nossas finanças pessoais não é quanto ganhamos, mas sim quanto não gastamos. Isto é fácil de perceber, mas não é fácil de aplicar.
O primeiro entrave que me colocam sempre que alerto para este princípio básico é que “Não ganho o suficiente para poupar”, e desistem.
Naturalmente, haverá situações em que, de facto, não é possível cortar mais e nesses casos, não há nada a fazer a não ser tentar aumentar os seus rendimentos ou recorrer a ajudas do Estado ou de terceiros.
Mas eu diria que na maior parte das situações, e partindo do princípio de que tem rendimentos suficientes para as suas despesas, não estamos dispostos a viver um degrau abaixo do que poderíamos para criar a tal margem de poupança que nos permite depois subir dois degraus em vez de um.
Leia ainda: Você tem medo do “lobo mau”?
Pagar dívidas e fazer crescer a poupança
É o famoso dar um passo atrás para depois avançar dois. Aplica-se na perfeição às nossas finanças pessoais. Há uma frase em inglês que ainda não consegui traduzir como gostaria que é “Fill de gap, grow de gap, invest de gap”, ou seja, “Paga as dívidas, aumenta a tua margem de poupança, investe a poupança”.
A questão é que em Portugal a expressão “Viver acima das possibilidades” é uma das críticas que apontamos sempre aos outros e achamos sempre que nós vivemos de acordo com as nossas possibilidades. Nós estamos sempre bem.
A sua família é uma empresa que dá lucro?
Acontece que - no meu entender - viver de acordo com as nossas possibilidades é bom, mas não chega. Traduzindo isto por miúdos, trata-se apenas de gastar até ao limite do que ganhamos. Ora isso é um risco absoluto, como se confirma agora que a inflação está nos valores mais altos das últimas décadas. Basta um acontecimento imprevisto (ou previsto, mas ignorado) para, sem nos apercebermos, passarmos do estado de “viver dentro das possibilidades” para “viver acima das possibilidades”. E, obviamente, a culpa nunca será nossa mas das circunstâncias. É um engano.
Ouço muitas pessoas dizer que tudo melhoraria se tivessem um aumento. Escuto frases do tipo “Se eu ganhasse o que ele (ou ela) ganha os meus problemas estariam resolvidos”. Posso garantir-lhe que (em situações normais) essa pessoa que você inveja está a pensar exatamente o mesmo em relação à pessoa que ela conhece e que ganha mais do que ela.
Pergunto-lhe quem ganha mais: Uma pessoa que ganha 3 mil euros e que gasta 2.900, ou uma pessoa que ganha 1.100 e que gasta todos os meses apenas 800 euros? Ao fim de 10 anos, quem terá mais dinheiro no banco se ambos ficarem desempregados ou doentes? Quem estará melhor preparado? Lembre-se sempre de que no fim do mês o seu salário líquido não é quanto você recebe de salário, mas sim quanto consegue “pagar-se a si próprio” todos os meses.
A grande pergunta é: Quem vive “melhor”? Quem gasta tudo o que ganha ou quem gasta menos do que aquilo que ganha e prepara o futuro? Parece uma questão filosófica ou então a fábula da cigarra e da formiga. Não lhe estou a dizer o que deve fazer, apenas quero que pense um pouco na forma como está a gerir a sua vida financeira. Você tem de dar lucro a si e à sua família. Se não der “lucro”, você é uma empresa falida.
Leia ainda: Como poupar se ganho pouco?
Viva abaixo das suas possibilidades
Daí a importância de viver conscientemente abaixo das suas possibilidades. Com os seus rendimentos talvez possa comprar um carro de 40 mil euros, mas isso implica ficar com um crédito que lhe vai absorver as suas poupanças durante 7 ou 8 anos. Pode fazer isso, sem ficar a dever nada a ninguém? Pode. Mas lembre-se que fica a dever a alguém sem se aperceber. Quem? Ao seu eu do futuro.
Se vier uma crise, como esta pandemia, vai ficar aflito. Se ficar doente ou tiver um imprevisto, foi você que decidiu ficar “preso” a uma prestação durante 8 anos.
Neste caso, viver abaixo das suas possibilidades não quer dizer não comprar carro nenhum. Significa comprar consciente e racionalmente um carro, mas de 30 mil euros ou de 20 ou de 10 mil euros conforme os seus rendimentos. Ou um usado de 3 mil euros em vez de 5 mil. Tem de ver o seu caso.
As pessoas inteligentes financeiramente vivem um degrau abaixo do que aquilo que podem. Assim nunca serão surpreendidos por qualquer instabilidade financeira pessoal ou externa. Porque os imprevistos são a coisa mais previsível que há. Todos sabemos que vão acontecer, só não sabemos quando nem como.
Em alturas de crise, ter essa margem que só você pode criar vivendo um degrau abaixo, faz toda a diferença.
Leia ainda: Pare de viver de salário em salário
Pedro Andersson nasceu em 1973 e apaixonou-se pelo jornalismo ainda adolescente, na Rádio Clube da Covilhã. Licenciou-se em Comunicação Social, na Universidade da Beira Interior, e começou a carreira profissional na TSF. Em 2000, foi convidado para ser um dos jornalistas fundadores da SIC Notícias. Atualmente, continua na SIC, como jornalista coordenador, e é responsável desde 2011 pela rubrica "Contas-Poupança", dedicada às finanças pessoais. Tenta levar a realidade do dia a dia para as reportagens que realiza.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário