Imobiliário

Programa Mais Habitação: Impactos para a mediação imobiliária

Da construção ao investimento, a maioria dos players do mercado imobiliário demonstram preocupações com as medidas do Mais Habitação.

Muito se tem falado, escrito e comentado sobre o Programa de Governo, Mais Habitação, tema que tem trazido muita preocupação por parte de diversos players do ecossistema do mercado imobiliário, e não só.

A preocupação começa desde logo nas pessoas. Afinal, a habitação, tal como o programa indica, é a parte mais crítica do mercado imobiliário, e é por isso que digo muitas vezes que este mercado é essencialmente um mercado de pessoas para pessoas que se debatem com a necessidade de soluções para um direito básico de habitar um espaço que lhes permita viver melhor.

Uma preocupação que se alarga, por consequência lógica, a todos os intervenientes deste mercado, que vão desde a construção ao investimento, e que têm uma opinião que prevalece como comum: a crise habitacional que estamos a viver neste momento em Portugal é única, não é positiva para ninguém e, principalmente, não será resolvida com as medidas propostas e aplicadas, seja a curto, médio e mesmo longo prazo.

Perante este cenário, há um player cuja voz não se tem feito sentir com a mesma força de outros intervenientes: a mediação imobiliária.

Uma área do mercado imobiliário que muitas vezes é relacionada (de forma errada) à imagem de uma atividade que contribuiu para a especulação imobiliária, e até como uma das atividades que ajudou a alavancar esta crise.

Esta associação acontece (na minha opinião), por falta de regulamentação da atividade.

Mais um erro grave que facilmente podia ter solução e poderia contribuir para um mercado mais transparente e justo, um erro que acontece porque muitas vezes se insiste na procura de respostas no gabinete com analistas e consultores, quando as respostas estão no terreno.

Assim sendo, resolvi fazer um inquérito junto da minha base de dados, maioritariamente composta por mediadores e agentes imobiliários, sobre as possíveis consequências do programa Mais Habitação para a atividade de mediação imobiliária, especialmente incidindo sobre o tema “transação imobiliária”, para o qual lancei três perguntas fechadas.

Leia ainda: “Mais Habitação”, menos alojamento, menos arrendamento… ainda que forçado

Mais Habitação: A visão dos mediadores imobiliários

As respostas foram (a meu ver) bastante conclusivas:

  • 50% respondeu que acredita que o programa vai trazer menos angariações, logo, menos vendas.

Metade dos inquiridos acredita num cenário de substancial decréscimo de transações imobiliárias. Se verificarmos os últimos dados do INE, observamos que esta tendência já se verifica atualmente, independentemente do programa. O INE aponta para cerca de menos 20% de transações em relação a 2022, e eu diria que esta percentagem terá tendência a aumentar até ao final do ano.

  • 33% acredita que vão existir mais angariações, ou seja, mais oferta para mediar, sendo esse um dos principais objetivos do programa. Contudo, os mesmos 33% também referem que o facto de existirem mais angariações não se traduzirá necessariamente em mais vendas, compras, arrendamentos, ou seja, em mais transações.

O aumento da oferta não significa mais vendas, até porque existe algo importante para que isto possa acontecer: baixa significativa de preços.

  • 17% acredita que vai haver mais transações, e mais oferta mediada, sendo o programa uma ajuda clara para a continuação da dinâmica de mercado.

Mais uma vez, para que isto aconteça, as condições de financiamento do crédito à habitação terão de melhorar, pois se os preços não baixarem, este será cada vez mais um fator crítico para que os portugueses possam mudar de casa.

Na minha opinião, e não querendo criticar o programa, julgo que em determinados pontos do mesmo como, por exemplo, a questão da possibilidade da amortização do crédito da primeira habitação através das mais-valias obtidas na venda de uma segunda habitação pode ajudar a dinamizar o mercado de oferta e representar uma oportunidade para alguns proprietários beneficiarem de vantagens fiscais únicas e, ao mesmo tempo, aliviar o impacto e peso do seu crédito para a sua primeira habitação.

Leia ainda: Mais-valias imobiliárias: O que mudou?

Quais os riscos?

A limitação do AL e a eliminação dos Golden Visa, mas principalmente do Programa RNH (Residente Não Habitual) causa, com certeza, desinteresse no investimento imobiliário em Portugal por parte de investidores e utilizadores estrageiros atuais e futuros, que voltaram os seus olhos e o rumo dos seus investimentos para outros países onde estas vantagens ainda sejam possíveis de aproveitar, em muitos casos com garantia de maior estabilidade na lei.

Esta medida originou já transações de saída de investimento que, para a mediação, pode ser interessante, mas ao mesmo tempo, um beco sem saída pois faltam novos e potenciais investidores para o produto disponível.

Nesse âmbito, também gostaria de dar aqui o meu alerta em relação ao turismo, o qual andou, e ainda anda, de mão dada com o imobiliário, e o qual com certeza se poderá ressentir. Afinal, a descaracterização do centro de algumas cidades portuguesas, aliada ao desaparecimento de medidas fiscais atrativas, poderá ser a gota de água para um claro retrocesso de uma atividade que tinha vindo a crescer na última década e que pode levar consigo, por arrasto, uma parte significativa do mercado imobiliário.

Os investidores oportunistas, principalmente os de menor dimensão, vão ter mais dificuldade em comprar e vender rapidamente devido às limitações previstas no programa referentes aos impostos sobre as mais-valias, em investimentos de curto prazo. Isso pode originar o desaparecimento deste tipo de clientes, que alimentava muito a mediação imobiliária. Se, aliado a isto, os preços estagnarem, reajustarem ou baixarem, existirão mais riscos para a atividade de flipping, que não terá a certeza de estabilidade, ou mesmo crescimento de preços, que garanta a rentabilidade do seu investimento.

O efeito conjuntural, já previsto há alguns anos, era um motivo claro para que o Estado visse o arrendamento como possivelmente a única solução, uma solução não muito atraente para a atividade de mediação imobiliária que se habituou a viver de comissões de transações bem mais altas que qualquer arrendamento. Contudo, esquecemo-nos que o impulsionador do arrendamento são os investidores privados, ou mesmo os promotores (build to rent), e que o Estado nada ou muito pouco fez para os reanimar.

A mediação imobiliária está (e na minha opinião bem) cética em relação ao Programa Mais Habitação, e como conhecedora do mercado transacional e das suas dinâmicas no terreno, sabe que o mercado é lento e que qualquer medida, má ou boa, tem resultados tardios, o que pode não ser solução para este momento.

Também sabemos que o desencontro entre a procura e a oferta, com a pouca elasticidade da oferta, vai provocar possivelmente uma estagnação do mercado e, logo a seguir, uma descida de preços, pois será o comprador a decidir se pode ou não pode comprar devido às suas condições financeiras.

Para finalizar, será importante referir a questão emocional, poucas vezes aqui falada pelos players no mercado, e muito menos pelo Estado.

Em neurociência existe um fenómeno comportamental altamente comprovado: as pessoas têm tendência de imitar comportamentos e fazer o que outras fazem. E se, nos últimos dez anos, era moda e o crédito habitação mais barato para a compra de casa, mesmo com preços altos, ou se se podia mudar de vida alavancando rendimento com a atividade de flipping, ou ainda, se se podia ganhar muito dinheiro na mediação imobiliária, atualmente não é assim. E quando se começar a perceber que, afinal, o mercado não é sempre a subir (nunca foi), e que agora tudo mudou, podemos começar a observar um comportamento coletivo contrário, originando falta de confiança, o que não será positivo para ninguém.

Leia ainda: Mais Habitação: Um guia das principais medidas

“O imobiliário é a minha vida e a minha vida é lidar com pessoas.” A viver em Lisboa e a trabalhar em Portugal, Espanha e Itália, Massimo Forte é acima de tudo um apaixonado pela área do imobiliário, um negócio que considera ser de pessoas para pessoas. Com mais de 25 anos de experiência nas maiores empresas de mediação imobiliária, hoje dedica-se a consultoria, formação e partilha de conhecimento como um dos maiores Real Estate Influencers em Portugal.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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