O divórcio é um momento complicado e que obriga a ajustes na vida dos elementos do casal. Não só é preciso tratar de questões burocráticas e refazer rotinas diárias como também é preciso lidar com todas as alterações a nível fiscal. É que a nova realidade tem de ser tida em conta para efeitos de IRS.
No trabalho, é preciso avisar a entidade empregadora de que o estado civil - e, eventualmente o número de dependentes - mudou. Já na declaração anual é preciso considerar a eventual tributação de mais-valias com a venda da casa e, caso haja filhos, perceber qual a parte de despesas que se pode deduzir.
Siga o nosso guia, fique a par dos cenários mais comuns e saiba como tratar do IRS após o divórcio.
- Quando aconteceu o divórcio?
- Comunicar as alterações às Finanças
- Quando não há filhos nem casa comprada
- IRS e divórcio quando há filhos: Cada caso é um caso
- IRS e divórcio quando há uma casa comprada
- Depois do divórcio, não se esqueça de pedir a mudança da retenção na fonte
Quando aconteceu o divórcio?
As alterações que o divórcio provoca só têm efeito na declaração de IRS entregue no ano seguinte. Isto porque a declaração que se entrega entre abril e junho diz sempre respeito ao ano civil anterior. Como diz o Código do IRS, "a tributação dos sujeitos passivos é feita de harmonia com o seu estado civil em 31 de dezembro".
Pensando na entrega da declaração de 2025, só tem de se preocupar com as alterações provocadas pelo divórcio quem se divorciou em 2024. Já quem se divorciar em 2025 só vai sentir a diferença na declaração a entregar em 2026. E assim sucessivamente.
Nos próximos pontos, vamos ver alguns cenários possíveis de entrega da declaração após uma separação.
Mas antes, não se esqueça de comunicar a alteração às Finanças
Todos os anos, os contribuintes devem comunicar o seu agregado familiar às Finanças. Ora, se houver divórcio, tem de informar as Finanças até ao dia 15 de fevereiro do ano seguinte, para que essa alteração seja incorporada na declaração de rendimentos.
Para isso, tem de aceder ao Portal das Finanças, abrir o menu e clicar em "Todos os Serviços". Depois, na área dedicada ao IRS, clique em "Comunicar Agregado Familiar" para alterar o estado civil para “Solteiro, divorciado, separado judicialmente”. Por fim, só tem de submeter.
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Quando não há filhos nem casa comprada
Este é o cenário mais simples. Aqui, cada um dos ex-cônjuges preenche a sua declaração e deduz as próprias despesas. Na verdade, não é muito diferente daquilo que possivelmente já acontecia quando estavam casados.
É que apesar de em muitos casos a tributação conjunta ser mais vantajosa, as pessoas que estão casadas podem optar pela tributação separada dos seus rendimentos. Assim, quando o casal não tem filhos nem casa comprada (um cenário em que uma eventual venda obrigaria a declarar mais-valias), a declaração de IRS não sofre grandes alterações após a separação.
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IRS e divórcio quando há filhos: Cada caso é um caso
Se quando não há filhos, nem casa comprada/vendida, a resolução é relativamente simples, quando há dependentes é preciso considerar outros aspetos. Assim, é preciso ter um conta a regulação do exercício das responsabilidades parentais e qual a morada habitual da criança ou jovem.
Por outras palavras, tem de se perceber se o dependente vive alternadamente com os dois pais ou se vive um exclusivo com um deles e passa apenas períodos curtos com o outro. É que isso vai ser determinante para que os ex-cônjuges percebam que tipo de despesas podem deduzir (e em que percentagem) e qual o montante de rendimentos do dependente que podem incluir nas suas declarações. Isto, claro, quando o dependente já trabalha.
Agregado e partilha de despesas: Não se esqueça de informar as Finanças
Apesar de poderem aparecer nas declarações de ambos os progenitores, os dependentes só podem pertencer a um agregado familiar. Isto é válido mesmo em casos de residência alternada, ou seja, quando vivem nas casas dos dois pais por iguais períodos.
De acordo com o código do IRS, a determinação do agregado familiar pode acontecer de duas formas:
- O filho faz parte do agregado a que corresponder a residência determinada no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais;
- O filho integra o agregado da pessoa com quem tenha identidade de domicílio fiscal no último dia do ano anterior nos casos em que a regulação não tenha determinado uma residência.
Em todo o caso, é preciso comunicar estas informações às Finanças. Assim, na área de comunicação do agregado deve também preencher a parte sobre "Dependentes, dependentes em guarda conjunta e afilhados civis".
Aí deve indicar:
- Se o dependente está em guarda conjunta;
- Quem exerce as responsabilidades parentais (é o que estiver determinado no acordo de regulação);
- O NIF do outro progenitor;
- O agregado que o dependente integra;
- De que forma é que os pais vão partilhar as despesas (50% ou outra);
- Se há ou não residência alternada;
Aqui, é muito importante que ambos os pais tenham versões iguais. Por exemplo, se um deles disser que é responsável por 70% das despesas, o outro tem de indicar 30%. Caso haja incoerências, as Finanças assumem que as despesas e respetivas deduções são feitas em partes iguais pelos ex-cônjuges.
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IRS com dependentes em guarda conjunta e residência alternada
Neste regime, o filho vive alternadamente com os dois progenitores. O acordo de regulação das responsabilidades parentais vai definir qual a percentagem de despesas que cabe a cada um dois pais, e é isso que vai ser tido em consideração na dedução relacionada com o dependente.
Guia IRS para quem tem dependentes: Não perca benefícios
A este propósito, é importante ter em conta que existem dois tipos de deduções com dependentes: deduções com despesas e deduções pessoais.
Nas deduções com despesas entram os gastos suportados com alimentação, educação, saúde e vestuário, por exemplo. É para conseguir estas deduções que, todos os anos, temos de confirmar as faturas no Portal das Finanças.
Já as deduções pessoais são fixas e independentes dos gastos ao longo do ano. Assim, quem tem dependentes pode deduzir:
- 726 euros para dependentes até aos três anos de idade;
- 600 euros para dependentes com mais de três anos;
- 900 euros a partir do segundo dependente até aos seis anos.
Assim, vamos imaginar que um casal divorciado tem dois dependentes. A filha tem 10 anos (dedução de 600 euros) e o filho tem cinco anos (dedução de 900 euros). Se dividirem as deduções de forma igual, cada progenitor vai poder deduzir 750 euros na sua declaração, sendo 300 euros correspondentes à filha e 450 euros ao filho.
Do mesmo modo, vão dividir de forma igual as deduções de despesas. Mais uma vez, não se esqueça de que o peso das deduções pode ser diferente (60-40, por exemplo) e que apesar de as crianças poderem estar nas declarações dos dois pais, só podem pertencer a um agregado.
Por fim, quando estes filhos crescerem e tiverem rendimentos, os montantes vão ser integrados na declaração dos pais na proporção que for definida na altura.
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IRS com dependentes em guarda conjunta e residência exclusiva
Neste regime de partilha, o dependente vive sempre com um dos pais e definem-se períodos de visita para o outro. Assim, a forma de divisão das deduções não pode ser igual à que acontece na residência alternada. Neste caso, existem duas possibilidades:
- Um dos pais deduz a dedução pessoal e os dois dividem as deduções de despesas;
- Um dos pais deduz tudo e o outro paga e deduz a pensão de alimentos.
1. Quando os pais dividem as deduções de despesas
Uma vez que o dependente vive em exclusivo com um dos progenitores, é esse que tem o direito de usufruir da totalidade das deduções pessoais (as tais que são fixas por dependente, de acordo com a idade).
Em relação às deduções de despesas, os ex-cônjuges podem acordar uma percentagem, tal como acontece no regime de residência alternada.
2. Quando há pensão de alimentos
Se for definida uma pensão de alimentos, é este regime que vai prevalecer. Assim, o progenitor com quem o filho viva vai deduzir tudo (pessoais e despesas) e o outro vai pagar a pensão que tiver sido estabelecida.
O que tem de fazer quem recebe a pensão?
O ex-cônjuge com quem o jovem viva vai ter de declarar a pensão de alimentos no seu IRS. Isto porque a pensão vai contar como um rendimento do dependente, neste caso de categoria H. Deve fazê-lo no quadro 4-A do anexo A e indicar o NIF do progenitor que paga a pensão em "entidade pagadora".
Para efeitos de tributação tem duas opções: ou aceita a taxa especial de 20% ou engloba aos restantes rendimentos e a taxa é apurada a partir daí. Para saber qual a melhor opção, é recomendado que simule as duas situações antes de submeter a declaração de IRS.
O que tem de fazer quem paga a pensão?
Quem paga a pensão tem de declará-la no quadro 6-A do anexo H. Esta pessoa vai poder deduzir 20% do montante e não há qualquer limite máximo.
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IRS e divórcio quando há uma casa comprada
Além de ser preciso acautelar todas as questões relacionadas com dependentes, os casais que se divorciam também precisam de decidir o que vão fazer com a casa que compraram, caso isso tenha acontecido.
Uma das possibilidades é venderem o imóvel e cada um procurar uma nova casa. Outra hipótese é um dos ex-cônjuges comprar a parte do outro e tornar-se o único proprietário da habitação.
Seja qual for a solução escolhida, uma coisa é certa: pelo menos uma das pessoas vai ter de declarar mais-valias. Isto, claro, se vender a sua parte por um valor superior ao que comprou.
Mas atenção, a declaração da venda de uma casa não está relacionada com a eventual mais-valia. Terá sempre de declarar esta alienação, mesmo que não tenha de pagar qualquer imposto.
Como é que são tributadas as mais-valias?
Quem estiver a vender uma casa que comprou depois de 1 de janeiro de 1989 vai ter de pagar imposto, embora possa beneficiar de isenção total ou parcial, como veremos mais à frente. Regra geral, as mais-valias são consideradas em 50% e englobadas aos restantes rendimentos na declaração de IRS.
Assim, quem vender por 300 mil euros uma casa que comprou por 200 mil euros conseguiu um ganho de 100 mil euros. No entanto, apenas se considera metade deste valor para efeitos de tributação.
A exceção são os imóveis que beneficiaram de apoio não reembolsável por parte do Estado ou de outras entidades públicas para a aquisição, construção, reconstrução ou realização de obras de conservação de valor superior a 30% do Valor Patrimonial Tributário (VPT) e que sejam vendidos antes de terem passado 10 anos. Neste caso, a tributação incide sobre 100% dos ganhos.
Como é que se calculam as mais-valias?
No cálculo das mais-valias, a Autoridade Tributária (AT) vai ter em conta o valor mais alto entre o montante de compra/venda e o Valor Patrimonial Tributário no momento da compra/venda. Além disso, se tiverem passado mais de 24 meses entre a compra e a venda, é preciso aplicar o coeficiente de desvalorização da moeda ao valor de aquisição.
Imaginemos que comprou uma casa, em 2015, por 200 mil euros. Se a tiver vendido em 2024, o valor de aquisição considerado será de 234 mil euros. Isto porque o coeficiente de correção monetária para imóveis comprados em 2015 e vendidos em 2024 é de 1,17.
Por fim, o vendedor pode deduzir os encargos associados à compra e venda da casa, bem como eventuais despesas com a valorização do imóvel. Entre os gastos que pode deduzir estão:
- O certificado energético;
- As comissões pagas à agência imobiliária pela venda;
- As obras de manutenção e conservação realizadas nos últimos 12 anos;
- O Imposto de Selo (IS) aquando da compra;
- O Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT);
- Os custos relacionados com a escritura de compra do imóvel;
- Os custos de solicitadoria (se for o caso);
- O registo predial.
Assim, temos a fórmula de cálculo das mais-valias:
Valor da venda (valor de realização) - (valor de aquisição x coeficiente de desvalorização da moeda) - (encargos com a aquisição e venda + despesas com a valorização do imóvel)
Leia ainda: Mais-valias: O que posso incluir como despesas e encargos?
Um exemplo prático
Vamos voltar a considerar uma casa comprada, em 2015, por 200 mil euros e na qual o casal suportou 14 mil euros em encargos. Se a venderam por 300 mil euros, em 2024, depois do divórcio a conta é a seguinte:
300.000 - (200.000 x 1,17) - 14.000 = 52.000
Aqui, a mais-valia foi de 52 mil euros, dos quais apenas 26 mil euros vão ser alvo de tributação. Assim, cada ex-cônjuge vai declarar 13 mil euros.
E quando um dos ex-cônjuges compra a outra metade da casa?
A conta não é muito diferente. A única grande diferença é que apenas uma das pessoas vai ter de declarar mais-valias. Vamos então assumir que quem ficar com a casa vai comprar a sua parte por 150 mil euros. Antes, no momento da compra em conjunto, a sua parte correspondeu a 100 mil euros e os encargos a 7.000 euros.
Assim, a pessoa que vendeu a sua parte vai fazer as seguintes contas:
150.000 - (100.000 x 1,17) - 7.000 = 26.000
Neste caso, a mais-valia foi de 26 mil euros, dos quais 13 mil vão ser tributados.
Quais as isenções possíveis?
Em certos casos, quem vende um imóvel pode ficar isento de pagar mais-valias. Logo à partida, se a casa que agora vendeu foi comprada por si antes de 1989, não há tributação.
Nos restantes casos, a isenção acontece quando a casa era habitação própria e permanente nos 12 meses anteriores à venda e o valor for reinvestido noutra habitação própria e permanente nos 24 meses anteriores ou nos 36 meses seguintes à transmissão.
Além disso, ficam também isentos os reformados com mais de 65 anos que decidirem reinvestir o dinheiro da venda em produtos como contratos de seguro, fundos de pensões ou no produto de poupança individual pan-europeu. São também válidas contribuições para o regime público de capitalização. No entanto, para que a isenção seja válida, o reinvestimento tem de acontecer nos seis meses a seguir à venda.
Um ponto muito importante a considerar é que para haver isenção total tem de se reinvestir o valor total da venda. Olhando para o caso do cônjuge que vendeu a sua parte por 150 mil euros e obteve mais-valias de 26 mil euros, só tem 100% de isenção se reinvestir 150 mil euros.
Se for menos do que isso, a isenção será na mesma proporção do valor investido. Ou seja, se reinvestir 75 mil euros, terá uma isenção de 50%, por exemplo.
Leia ainda: Mais-valias imobiliárias: Em que situações posso ficar isento?
E como declarar as mais-valias e o reinvestimento?
Quem tiver mais-valias com a venda da casa deve declará-las no quadro 4 do anexo G. Estas são englobadas aos restantes rendimentos para determinação da taxa de tributação. Por outras palavras, as mais-valias não têm uma taxa fixa.
Já quem decide reinvestir deve dar essa informação no quadro 5 do anexo G. Por fim, é preciso ter em conta que mesmo quem está isento por estar a vender uma casa que comprou antes de 1989 tem de declarar as mais-valias no anexo G1 da declaração de IRS, apesar de estar isento.
Depois do divórcio, não se esqueça de pedir a mudança da retenção na fonte
A retenção na fonte é o adiantamento de imposto que fazemos todos os meses através do nosso salário. É, a par dos descontos para a Segurança Social, uma das partes subtraídas ao salário bruto para obtenção da remuneração líquida.
Retenção na fonte e imposto: Como distinguir as diferenças?
Para calcular o valor a reter na fonte, as entidades empregadoras precisam de saber, entre outras coisas, o estado civil, o número de pessoas que recebem rendimentos no casal e o número de dependentes.
É por isso que duas pessoas com o mesmo salário bruto podem ter remunerações líquidas diferentes.
Para um salário bruto de 2.000 euros, se a pessoa não for casada e não tiver dependentes, vai receber 1.454 euros líquidos. No entanto, se for casada, o cônjuge receber rendimentos e tiverem um dependente, o salário líquido sobe para 1.638 euros.
Assim, quando o divórcio estiver confirmado, deve avisar a sua entidade patronal para que esta comece a fazer a retenção na fonte de acordo com as novas informações.
Nos casos de guarda conjunta com residência alternada, ambos os ex-cônjuges são não casados com um dependente. No entanto, nas situações de residência exclusiva, apenas o progenitor que vive com o dependente está nessa situação. O outro progenitor será não casado sem dependentes.
Depois, na altura da declaração de rendimentos, a Autoridade Tributária vai apurar se a pessoa tem direito a reembolso (por ter adiantado demasiado imposto através da retenção na fonte) ou se vai ter de pagar imposto (quando o imposto pago ao longo do ano é inferior ao imposto apurado após a entrega da declaração).
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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