A inflação está a recuar de forma generalizada desde o final do ano passado, mas persiste num nível ainda bem superior à média histórica. A economia global está a acentuar os sinais de abrandamento, apesar de ainda afastada do cenário de recessão que era dado como certo há escassos meses.
Esta conjuntura poderia levar os bancos centrais a colocar um ponto final no ciclo de subida de juros, aguardando pela transmissão plena da política monetária à economia e evitando, assim, contribuir para agravar o abrandamento da economia de forma desnecessária.
As reuniões dos bancos centrais dos Estados Unidos e Zona Euro, na semana passada, desfizeram as dúvidas de que a Reserva Federal (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) ainda não estão nesta fase. O foco continua no combate à inflação e enquanto a alta dos preços não aliviar de forma clara para a meta dos bancos centrais, a ordem é para continuar a subir juros, mesmo que com algumas pausas pelo caminho.
O movimento de subida da inflação arrancou há mais de dois anos, mas só no final de 2021 os bancos centrais admitiram que a tendência não era transitória e ia muito além da subida dos preços da energia. Depois de terem cometido o erro de começar a subir juros muito tarde, agora preferem voltar a errar com subidas de juros excessivas do que permitir que a inflação permaneça descontrolada.
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Navegar à vista
As últimas decisões de política monetária evidenciam também de forma clara que os bancos centrais continuam a navegar à vista devido à elevada incerteza que persiste sobre o rumo da inflação.
A Fed decidiu efetuar uma pausa na reunião de junho, mas indicou que serão necessários mais dois agravamentos até ao final do ano. Então, se o banco central sente a necessidade de continuar a agravar a política monetária, porque optou por interromper o ciclo este mês?
Há vários meses que o BCE diz que as suas decisões de política monetária são adotadas reunião a reunião, sem pré-compromissos e com base nos dados económicos que são publicados. Então porque Christine Lagarde não hesitou em pré-anunciar mais uma subida de juros em julho?
Esta aparente “desorientação” não é um exclusivo do BCE e da Fed. Em janeiro, o banco central do Canadá foi o primeiro do G7 a cancelar as subidas de juros devido aos sinais de enfraquecimento da inflação e da economia. Na última reunião, voltou a aumentar as taxas devido à evolução em alta dos preços e reaquecimento da economia.
O banco central da Austrália fez o mesmo. Depois de uma pausa no aumento dos juros, decidiu este mês um agravamento da taxa para máximos de 11 anos, abandonando a indicação de que a inflação estava controlada.
Estas alterações de política no Canadá e Austrália ilustram o perigo de cantar vitória contra a inflação demasiado cedo. Por outro lado, exagerar na dose de política monetária restritiva pode atirar para as costas dos bancos centrais a responsabilidade de uma recessão económica e aumento do desemprego.
A comunicação dos bancos centrais é tão ou mais importante do que as decisões adotadas. Se BCE e Fed transmitissem a mensagem de que o fim de ciclo de juros está à porta, o comportamento dos agentes económicos poderia agravar as perspetivas para a inflação. Além disso, os mercados financeiros tenderiam a valorizar, contribuindo para aliviar as condições financeiras, precisamente o contrário do pretendido.
É por isso que vários economistas acreditam que BCE e Fed podem estar a fazer “bluff”, uma vez que a trajetória da inflação já é suficiente para justificar a manutenção da política monetária. Ao transmitirem esta comunicação agressiva, ganham maior margem para as decisões futuras. Mesmo que à custa de uma perda de credibilidade se depois fizerem diferente do que estão a sinalizar.
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BCE a caminho dos 4%
O BCE iniciou o atual ciclo de subida de juros em julho do ano passado, altura em que a taxa dos depósitos estava em terreno negativo (-0,5%). No espaço de 11 meses, aumentou por oito vezes, num total de 400 pontos base (4 pontos percentuais).
A taxa dos depósitos está agora em 3,5%, o nível mais elevado desde 2001. A presidente do BCE já deixou claro que vai repetir em julho o aumento de 25 pontos base que foi anunciado na semana passada. Nos mercados, já está a ser estimada nova subida depois do verão, que colocará a taxa dos depósitos em 4%.
As taxas Euribor, que servem de indexante para definir as prestações do crédito à habitação, já refletem esta expectativa, tendo renovado máximos de quase 15 anos no dia posterior à reunião do BCE. No prazo a 12 meses já se situa acima dos 4%.
Tendo em conta a conjuntura atual, os economistas acreditam que esta poderá ser a taxa terminal do BCE, que depois deverá optar por manter a taxa em 4% nos meses seguintes. Contudo, tudo dependerá da evolução dos indicadores económicos, sobretudo da inflação.
O índice de preços no consumidor da Zona Euro aumentou 6,1% em maio face ao mesmo mês do ano passado, o que representa um mínimo desde fevereiro de 2022. A inflação está a abrandar desde o final do ano passado e já se situa longe do máximo histórico fixado em outubro (10,6%).
O problema é que está ainda cerca de três vezes acima da meta do BCE (2%), e a inflação subjacente (exclui alimentos e energia) desce de forma mais moderada. Baixou em maio para 5,3%, não muito longe do pico de março (5,7%).
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O BCE quer ver evidências mais fortes de que inflação está numa trajetória sustentável a caminho dos 2% e as previsões do banco central não apontam nesse sentido. O banco central estima que a inflação na Zona Euro vai situar-se em 5,4% este ano, baixar para 3% em 2024 e persistir acima dos 2% em 2025.
Apesar do efeito base positivo (meses com inflação mais elevada vão ficando para trás), a alta do turismo não joga a favor de uma baixa das pressões inflacionistas, pelo que dificilmente a inflação irá aliviar nos próximos meses de uma forma que permita ao BCE declarar vitória no combate à inflação.
Numa altura em que a economia da Zona Euro já está em recessão técnica (PIB recuou 0,1% nos dois últimos trimestres), esta política monetária restritiva ameaça agravar a travagem da atividade económica. Uma tendência que não deverá alterar o rumo do BCE, caso a inflação persista em níveis elevados.
Inflação nos EUA a descer há 11 meses
Nos Estados Unidos, o processo de desinflação é mais acentuado, também porque a Fed iniciou mais cedo o ciclo de agravamento de juros. As Fed Funds subiram 500 pontos base em 15 meses, situando-se atualmente no intervalo entre 5% e 5,25%.
O banco central anunciou, a 14 de junho, uma pausa neste ciclo após 10 aumentos consecutivos, depois de na véspera ter tido o conforto do anúncio de uma nova queda na taxa de inflação em maio. O índice de preços no consumidor aumentou 4% face ao período homólogo, o que representa um mínimo de março de 2021 e já a menos de metade do pico de 9,1% que foi atingido em junho do ano passado.
Foi já o 11.º mês consecutivo de alívio da inflação nos Estados Unidos, embora esta esteja ainda ao dobro da meta do banco central (2%). A inflação subjacente, que exclui energia e alimentos, recuou duas décimas para 5,3%, o nível mais baixo desde novembro de 2021.
Apesar desta pausa nos juros, os responsáveis da Fed deixaram bem claro que não se tratava de um fim de ciclo, mas antes uma interrupção, de modo a ganhar tempo para avaliar o impacto da política monetária restritiva.
Os responsáveis da Fed indicaram que esperam uma taxa de juro de 5,6% no final deste ano, o que implica dois aumentos adicionais de 25 pontos base nos próximos meses. O presidente Jerome Powell salientou que não há decisões tomadas para as próximas reuniões, mas também afastou o cenário de cortes de juros nos próximos tempos.
O Banco de Inglaterra é outro dos bancos centrais que ainda está longe do fim do aperto da política monetária. Foi o primeiro do G7 a subir os juros, ainda em 2021, mas pode ser dos últimos a concluir o ciclo. A inflação ainda está encostada aos 10% e os salários estão a subir ao ritmo mais elevado de sempre (+7,2% no trimestre terminado em abril).
A taxa de juro no Reino Unido deve subir para 4,75% na reunião de 22 de junho, atingindo um máximo de 15 anos, sendo que os investidores já estão a descontar um agravamento até aos 6%.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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